O Ministério Público Federal em Minas Gerais denunciou 22 pessoas e as empresas Samarco, Vale, BHP Billiton e VogBR pelo rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana, na Região Central do estado. Dentre as denúncias, 21 pessoas são acusadas de homicídio qualificado com dolo eventual – quando se assume o risco de matar. Os procuradores da República José Adércio Leite Sampaio, Eduardo Aguiar, Jorge Munhós e Eduardo Santos de Oliveira, apresentaram a conclusão das investigações nesta quinta-feira (20), em Belo Horizonte. (Veja parteda entrevista coletiva no fim desta reportagem)
A barragem se rompeu no dia 5 de novembro de 2015, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, e atingindo várias outras localidades. Os rejeitos também atingiram mais de 40 cidades do Leste de Minas Gerais e do Espírito Santo. O desastre ambiental, considerado o maior e sem precedentes no Brasil, deixou 19 mortos.
Das 22 pessoas denunciadas, apenas o engenheiro da VogBR Samuel Paes Loures não foi acusado de homicídio com dolo eventual. Ele vai responder, juntamente com a VogBR, pelo crime de apresentação de laudo ambiental falso. Os demais, além de homicídio, vão responder ainda por crimes de inundação, desabamento, lesão corporal e crimes ambientais. A Samarco, aVale e a BHP Billiton são acusadas de nove crimes ambientais.
Segundo o MPF, os acusados podem ir a júri popular e, se condenados, terem penas de prisão de até 54 anos, além de pagamento de multa, de reparação dos danos ao meio ambiente e daqueles causados às vítimas.
Segundo o procurador da República José Adércio Leite Sampaio, o homicídio é qualificado por motivo torpe, que foi a ganância da empresa, e por impossibilidade de defesa por parte das vítimas.
Veja a lista de denunciados, todos ligados à Samarco
– Ricardo Vescovi de Aragão, diretor-presidente licenciado
– Kléber Terra, diretor-geral de operações
– Germano Lopes, gerente-geral de projetos
– Wagner Milagres Alves, gerente de operações
– Daviely Ridrogues Silva, gerente de geotencia e hidrogeologia
– Stephen Michael Potter, integrante do Conselho de Administração por indicação da Vale
– Gerd Peter Poppinga, integrante do Conselho de Administração por indicação da Vale
– Pedro José Rodrigues, integrante do Conselho de Administração por indicação da Vale
– Hélio Cabral Moreira, integrante do Conselho de Administração por indicação da Vale
– José Carlos Martins, integrante do Conselho de Administração por indicação da Vale
– Paulo Roberto Bandeira, representante da Vale na Governança da Samarco
– Luciano Torres Sequeira, representante da Vale na Governança da Samarco
– Maria Inês Gardonyi Carvalheiro, representante da Vale na Governança da Samarco
– James John Wilson, integrante do Conselho de Administração por indicação da BHP
– Antonio Ottaviano, integrante do Conselho de Administração por indicação da BHP
– Margaret MC Mahon Beck, integrante do Conselho de Administração por indicação da BHP
– Jeffery Mark Zweig, integrante do Conselho de Administração por indicação da BHP
– Marcus Philip Randolph, integrante do Conselho de Administração por indicação da BHP
– Sérgio Consoli Fernandes, integrante do Conselho de Administração por indicação da BHP
– Guilherme Campos Ferreira, representante da BHP na Governança da Samarco
– André Ferreira Gavinho Cardoso, representante da BHP na Governança da Samarco
– Samuel Santana Paes Loures, engenheiro sênior da Consultoria VogBR
O procurador da República José Adércio Leite Sampaio disse que o MPF pediu a reparação dos danos causados às vítimas. O valor será apurado durante a instrução processual, que deve ser feito pela Justiça.
“Havia sempre a busca pela exploração de mais minério, sempre em busca de aumentar os lucros e dividendos para a Samarco e suas detentoras”, disse o procurador. “Houve um sequestro da segurança em busca do lucro”, acrescentou.
De acordo com José Adércio, funcionários da Samarco notaram trincas no maciço da barragem de Fundão em 2014. Engenheiros disseram que eram sinais de pré-ruptura. Diante do cenário, segundo o procurador, a mineradora cumpriu parte das recomendações. “A empresa [Samarco] usava de ‘esparadrapos estruturais’ ao invés de dar respostas contundentes aos problemas da barragem”, disse o procurador.
A análise feita por uma força-tarefa do MPF constatou problemas no maciço da barragem, vazamento de água, problemas na quantidade de água na barragem e nos procedimentos adotados para que fossem feitos o alteamento e o recuo de Fundão. Um laudo feito por uma auditoria independente concordou com a conclusão do inquérito da Polícia Civil sobre a causa do rompimento da barragem, que foi a liquefação, quando há um acúmulo de água.
O procurador da República do Espírito Santo, Jorge Munhós, também participou da força-tarefa do MPF. Segundo ele, o órgão identificou um documento interno da Samarco de abril de 2015 que previa, em caso de rompimento da barragem, a possibilidade de provocar até 20 mortes, dano ambiental grave e paralisação das atividades da empresa por até dois anos.
Os documentos apontavam risco de falha na implementação e na operação das barragens do Complexo Germano. Segundo Munhós, estes documentos já previam o rompimento por causa do recuo do eixo da ombreira esquerda que geraria a liquefação.
Segundo o MPF, o Conselho de Administração da Samarco e os comitês dos quais a Vale e a BHP participavam sabiam dos problemas apresentados na barragem e não se manifestaram para garantir segurança. Documentos comprovam que a situação de Fundão foi levada a reuniões do Conselho e dos comitês sem que nenhuma medida efetiva tivesse sido tomada.
A Vale, uma das donas da Samarco, repudiou “veementemente” a denúncia apresentada pelo MPF envolvendo a mineradora e seus executivos. A empresa disse que o órgão “desprezou” provas e depoimentos dados neste quase um ano de investigação que mostram que a Vale não tinha conhecimento dos problemas apresentado em Fundão.
A mineradora ainda afirmou que os executivos que participam do Conselho de Administração da Samarco jamais souberam de riscos de rompimento da barragem, sendo que a eles sempre foi assegurada segurança da estrutura.
A Vale afirmou que “adotará firmemente as medidas cabíveis perante o Poder Judiciário para comprovar sua inocência e de seus executivos e empregados e acredita, serenamente, que a verdade e a sensatez irão prevalecer, fazendo-se a devida justiça”.
Por nota, a VogBR informou que não irá se pronunciar.
Inquérito da Polícia Federal
Na conclusão do inquérito da Polícia Federal, em junho deste ano, oito pessoas e as empresas Samarco, Vale e VogBR foram indiciadas por crimes ambientais e danos contra o patrimônio histórico e cultural.
Foram indiciados: Ricardo Vescovi, diretor-presidente licenciado, Kléber Terra, diretor-geral de operações, Germano Lopes, gerente-geral de projetos, Wagner Alves, gerente de operações, Wanderson Silvério, coordenador técnico de planejamento e monitoramento e Daviely Rodrigues, gerente, todos da Samarco, Rodrigo de Melo, gerente das usinas do Complexo da Alegria, da Vale, e Samuel Paes Loures, engenheiro da VogBR.