Uma pesquisa do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), produzido pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concluiu que eventos adversos em hospitais são a segunda causa de morte mais comum no Brasil, matando mais que a soma das mortes por acidentes de trânsito, homicídios, latrocínios e, também, por câncer. Os números integram o 1º Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar no Brasil.
As falhas médicas só não matam mais que as doenças cardiovasculares, consideradas a principal causa de falecimento no mundo, e que mata todos os dias aproximadamente 950 brasileiros, de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia.
No mundo, de acordo com o documento, ocorrem anualmente 421 milhões de internações hospitalares e 42,7 milhões de eventos adversos, um problema de saúde pública reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nos Estados Unidos, país com população de quase 325 milhões de pessoas, os eventos adversos causam 400 mil óbitos por ano, ou 1.096 por dia. O que faz com que esta seja a terceira causa de morte mais comum naquele país, atrás apenas de doenças cardiovasculares e do câncer.
“O dado mais alarmante na comparação com os Estados Unidos é que o total de falecimentos por dia causados por eventos adversos está próximo do brasileiro. São 1.096 lá e 829 aqui. Mas a população norte americana é 55,6% maior do que a nossa. Eles são 323,1 milhões, enquanto nós somos 207,7 milhões”, alerta Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do IESS. “Precisamos estabelecer um debate nacional sobre a qualidade dos serviços prestados na saúde a partir da mensuração de desempenho dos prestadores e, assim, prover o paciente com o máximo possível de informações para escolher a quem ele vai confiar os cuidados com sua vida”, conclui.
“Eventos adversos”
Ainda conforme o levantamento feito pela UFMG, 302.610 pessoas morreram em hospitais públicos e privados por conta de “eventos adversos” somente em 2016. Os principais problemas foram erros de dosagem ou aplicação de medicamentos, o uso incorreto de equipamentos e infecção hospitalar. “Não significa, necessariamente, que houve um erro, negligência ou baixa qualidade, mas trata-se de incidente que poderia ter sido evitado, na maior parte das vezes”, afirma a pesquisa.
Entretanto, a morte não é a única consequência destes eventos. Sequelas com comprometimento do exercício das atividades da vida do paciente, sofrimento psíquico e a elevação do custo assistencial são outros desdobramentos das falhas médicas que poderiam ser evitadas. Ainda de acordo com o Anuário, dos 19,1 milhões de brasileiros internados em hospitais ao longo de 2016, 1,4 milhão foram “vítimas” de ao menos um evento adverso.
“Não existe sistema de saúde que seja infalível. Mesmo os mais avançados também sofrem com eventos adversos. O que acontece no Brasil está inserido em um contexto global de falhas da assistência à saúde nos diversos processos hospitalares. A diferença é que, no caso brasileiro, apesar dos esforços, há pouca transparência sobre essas informações e, sem termos clareza sobre o tamanho do problema, fica muito difícil começar a enfrentá-lo”, afirma o Dr. Renato Couto, professor da UFMG e um dos responsáveis pelo Anuário.
Luiz Augusto Carneiro, superintendente executivo do IESS, destaca que, hoje, ao escolher um determinado hospital para se internar, os brasileiros se baseiam apenas em uma percepção de qualidade, na recomendação de um médico ou na opinião de conhecidos. Entretanto, ninguém tem condições de garantir que aquele prestador realmente é qualificado, simplesmente porque não temos indicadores de qualidade claros e amplamente conhecidos. “Não há como saber quantas infecções hospitalares foram registradas no último ano, qual é a média de óbitos por diagnóstico, qual é a média de reinternações e por aí afora”, critica Carneiro.
O estudo aponta, ainda, que os pacientes com alguma condição adquirida em função de evento adverso permaneceram internados aproximadamente três vezes mais do que o tempo previsto quando foram inicialmente admitidos nos hospitais.
Prejuízo
Além das vidas perdidas, o Anuário projeta que, em 2016, os eventos adversos consumiram R$ 10,9 bilhões de recursos que poderiam ter sido melhor aplicados, apenas na saúde suplementar brasileira. Não foi possível estimar as perdas para o SUS porque os valores pagos aos hospitais se originam das Autorizações de Internações Hospitalares (AIHs) e são fixados nas contratualizações, existindo outras fontes de receita não operacionais, com enorme variação em todo o Brasil.
Ainda de acordo com o Anuário, as vítimas mais frequentes de eventos adversos são pacientes com menos de 28 dias de vida ou mais de 60 anos. As infecções hospitalares respondem por 9,7% das ocorrências. As condições mais frequentes são: lesão por pressão; infecção urinária associada ao uso de sonda vesical; infecção de sítio cirúrgico; fraturas ou lesões decorrentes de quedas ou traumatismos dentro do hospital; trombose venosa profunda ou embolia pulmonar; e, infecções relacionadas ao uso de cateter venoso central.