Dormir no chão de uma delegacia após sofrer violência doméstica era a única opção de mulheres que não podiam voltar para casa nem tinham como recorrer a amigos e parentes. A casa de apoio em Belo Horizonte só funcionava em dias úteis e horários comerciais. De 2015 para cá, um projeto-piloto começou a testar o abrigamento 24 horas na capital e nessa quinta-feira (14) ele foi formalizado em reunião do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania Mulheres das Gerais, realizada em Betim, na região metropolitana.
Agora, as mulheres têm a garantia de que, a qualquer dia ou hora, elas podem ir a uma delegacia especializada que, mesmo sem poder voltar para casa sob risco de mais agressão e morte, elas terão um lugar seguro para ficar. O termo de cooperação foi assinado por representantes do consórcio, da Polícia Civil, Guarda Municipal e Prefeitura de Belo Horizonte.
“O que acontecia é que a Delegacia de Mulheres funcionava 24 horas, mas a casa de apoio, não. Agora, com o convênio, o atendimento fica sendo estendido”, explicou a superintendente do Mulheres das Gerais, Ermelinda Ireno.
O transporte da mulher da delegacia para a casa de acolhimento Sempre Viva, mantida pelo consórcio, fica a cargo da Guarda Municipal. O comandante da Regional da Guarda, Charles Augusto, explicou que o órgão disponibilizou um telefone para ser acionado pela delegacia. “Nossas equipes já estão preparadas para fazer esse deslocamento a qualquer hora. O endereço do local é mantido em sigilo por segurança”, ressaltou.
Um trabalho em parceria que já vem dando certo, segundo a superintendente de Planejamento, Gestão e Finanças da Polícia Civil, Letícia Gamboje. “Na maioria dos casos, as mulheres que sofrem violência não podem voltar para casa sob risco de morte. Elas precisam ter essa garantia de local seguro para ficar”, declarou Letícia.
Adesão. Outro avanço formalizado nessa quinta-feira (14) foi a adesão de Santa Luzia no Mulheres das Gerais, o décimo município participante do consórcio que inclui, além da capital, Betim, Contagem, Sabará, Itabira, Nova Lima, Lagoa Santa, Raposos e Ribeirão das Neves, todos da região metropolitana. A cidade não contava com serviço de abrigamento. “Não existe esse atendimento, por isso detectamos uma falha muito grande. A delegacia fazia o atendimento, mas, e daí, encaminha para onde? ”, afirmou o prefeito Sandro Coelho (PSB).
O serviço 24 horas, por enquanto, só está disponível em Belo Horizonte. As mulheres das outras cidades do consórcio podem ser encaminhadas à casa no horário comercial. “À medida que observarmos demanda em outros municípios, podemos fazer novos testes”, completou Ermelinda.
O presidente do consórcio e prefeito de Betim, Vittorio Medioli, disse que outros municípios interessados em integrar a iniciativa são bem-vindos. Ele também afirmou que há planos de abrir uma nova casa de acolhimento, para crianças e adolescentes. “Queremos estender o atendimento para meninas de zero a 13 anos que sofreram violência com a reativação de uma casa de apoio em Betim”, disse Medioli.
Passagens
“Nosso carro-chefe é a casa Sempre Viva, que a abriga as mulheres. Temos também o serviço de compra de passagens para quem tem um familiar morando em outra cidade e deseja viajar.”
Ermelinda Ireno
Superintendente do Consórcio Mulheres das Gerais
Trabalho intenso
“O combate à violência contra a mulher tem que ser intenso e constante. Ainda temos muitas situações de agressão. Nossa sociedade é machista, sexista e patriarcal e naturaliza essas situações.”
Patrícia Habkouk
Promotora de Defesa da Mulher
Dimensão da violência contra a mulher
126.710 casos de violência doméstica e familiar foram registrados em MG em 2016
14.960 casos de violência contra a mulher foram notificados em Belo Horizonte no mesmo ano
Orçamento do 2018 é de R$ 1,1 milhão
A reunião do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania Mulheres das Gerais, realizado nessa quinta-feira (14), marcou os dez anos de criação do grupo e serviu também para anunciar o Orçamento de 2018. Para o ano que vem, os municípios participantes vão investir R$ 1,1 milhão nos projetos de combate à violência doméstica, valor quatro vezes maior que o Orçamento de 2007 (R$ 270 mil), quando tudo começou.
“O consórcio começou modesto e desde 2014 tomou vulto grande, é a única experiência do tipo no Brasil, estamos, inclusive, concorrendo a prêmio da Confederação Nacional dos Municípios como boa prática”, disse a superintendente do Mulheres das Gerais, Ermelinda Ireno.
A deputada estadual Marília Campos (PT) foi homenageada no local por ter sido a primeira mulher a presidir o consórcio. “Temos muito a celebrar, mas também a combater”, finalizou.