Susto e perplexidade marcaram a manhã dos belo-horizontinos nesta sexta-feira (19/5). Em um intervalo de pouco mais de quatro horas,
Belo Horizonte e Região Metropolitana registraram quatro
acidentes com vítimas envolvendo ônibus. Pelo menos 17 pessoas ficaram feridas nas ocorrências. Uma delas, motorista de um dos veículos, chegou a ficar presa às ferragens e foi socorrida pelos
bombeiros. Com mais um episódio de acidentes na capital, associação de usuários denuncia falta de vistoria e aponta falhas na fiscalização dos ônibus de BH. Enquanto isso, a "novela" envolvendo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e o subsídio às empresas de ônibus continua, e o preço da passagem em BH segue sem previsão para baixar. Mas um novo passo nesse sentido foi dado na tarde de ontem, quando foi protocolado na Câmara Municipal novo substitutivo ao projeto de lei que prevê subsídios às empresas – fixado em R$ 512 milhões – para que baixem a passagem a R$ 4,50.
No início da manhã, um acidente entre um Move metropolitano, da linha 501, que faz o trajeto Morro Alto/Centro de Belo Horizonte, e um Move da linha 50, que faz Estação Pampulha/Centro, deixou ao menos seis pessoas feridas e interditou o Complexo da Lagoinha, na Região Central de BH. A batida foi no viaduto A, que dá acesso à Avenida Oiapoque. A motorista do Move Metropolitano ficou presa às ferragens e foi socorrida, e encaminhada ao hospital. Outras cinco pessoas também precisaram de atendimento médico. Não há atualizações sobre o estado de saúde das vítimas. Segundo informações do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), a batida pode ter sido provocada por uma falha mecânica no freio do Move metropolitano, conforme relato feito pela motorista da linha.
Na Região Leste de BH, um ônibus da linha 4802 (Pindorama/ Boa Vista) bateu na traseira de outro coletivo, da linha 8001 (Santa Inês/ BH Shopping), em frente à estação de metrô na Rua Conselheiro Rocha, no Bairro Horto. Quatro pessoas ficaram feridas no acidente e foram encaminhadas ao Hospital João XXIII. De acordo com a Polícia Militar (PM), um dos pneus traseiros do ônibus 4802 estava "totalmente liso", o que levou a autuação do veículo. As causas do acidente ainda não foram divulgadas. O motorista da linha 8001 disse que a batida aconteceu quando estava parado no ponto de embarque, enquanto o outro condutor afirmou que o veículo parou repentinamente. Outros dois coletivos bateram na Avenida Afonso Vaz de Melo, na Região do Barreiro, em BH. As autoridades não detalham a ocorrência, foi informado apenas que um homem de 27 anos se feriu e precisou ser atendido pelo Samu.
Os relatos de pneu careca e ônibus sem freio se somam às preocupações denunciadas, há anos, pela Associação dos Usuários do Transporte Coletivo em Belo Horizonte e Região Metropolitana (AUTC). O presidente da entidade, Francisco Maciel, atribuiu os acidentes a uma
economia das empresas na manutenção dos veículos. "Eles se queixam de crise econômica e cortam despesas. Com certeza, entre elas estão os gastos com manutenção. Isso está provado com o aumento das ocorrências de acidentes", avalia. Ele cobra uma fiscalização ampla e irrestrita do sistema, com inspeções, no mínimo, semestrais. "A fiscalização é feita somente na garagem e tem que ser avisada às empresas com uma semana de antecedência. Com isso, a empresa pode se preparar. Isso é um absurdo", disse.
PROJETO DE LEI Enquanto isso, o imbróglio entre a Prefeitura de Belo Horizonte, a Câmara Municipal e as empresas de ônibus para reduzir o valor da passagem dos coletivos avança em mais um capítulo. À tarde, o presidente da Câmara Municipal, Gabriel Azevedo (sem partido), protocolou um novo substitutivo ao projeto de lei que prevê subsídio às empresas, adaptando a proposta ao escopo discutido na quinta-feira com o prefeito da capital, Fuad Noman (PSD). Na nova versão do projeto, a prefeitura fica autorizada a conceder até R$ 512,7 milhões às concessionárias, valor que seria suficiente para que a tarifa dos ônibus na capital volte a R$ 4,50, valor que era cobrado até 23 de abril. Anteriormente, a proposta do Executivo previa R$ 476 milhões, enquanto o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) pediu R$ 740 milhões.
O projeto ainda institui o passe livre para linhas de vilas e favelas; passe estudantil; saúde, para pessoas que usam o SUS e/ou centro de saúde; transporte social para pessoas em extrema pobreza; e auxílio transporte
mulher para as que estejam em situação de violência econômica ou física.
Anteontem (18/5), após uma reunião que durou mais de quatro horas, chegou-se ao consenso de um subsídio de R$ 512 milhões para que a tarifa volte aos R$ 4,50, valor que era cobrado até 23 de abril. Mas outras opções também foram discutidas: caso a passagem média siga no valor de R$ 6 será necessário um subsídio de R$ 364 milhões; para baratear para R$ 5, as empresas teriam que receber R$ 453 milhões.
O substitutivo foi protocolado depois de acerto entre o presidente da Câmara e o secretário municipal da Fazenda, Leonardo Colombini, já que o projeto anterior previa aporte da PBH de, no máximo, R$ 330 milhões.
O movimento já estava previsto desde a noite de quinta-feira. “O próximo passo é uma reunião com o secretário municipal da Fazenda (Leonardo Colombini), que realizou conferência com o vereador (Gabriel Azevedo, presidente da Câmara) ao longo da noite, para garantir a fundamentação orçamentária”, dizia a nota conjunta divulgada pelos dois poderes municipais depois da reunião de quinta-feira. Além dos valores do subsídio, os parlamentares também vão votar as contrapartidas.
Passageiros vivem dia a dia de problemas
Preparada para começar mais um longo dia de trabalho, a faxineira Leila Santana, de 40 anos, esperava, às 7h14 de sexta-feira da semana passada (12/5), para conseguir um lugar para sentar em um ônibus da linha 5250 (Betânia/Pampulha). Ela era um dos passageiros que aguardavam na fila da Estação Pampulha, pelo coletivo campeão de reclamações, segundo dados da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans).
Com uma das passagens mais caras do país, os ônibus de BH acumulam reclamações, especialmente nas linhas do sistema BRT/Move. Na última semana, a equipe do Estado de Minas embarcou em viagens das linhas mais criticadas de BH e viu de perto as queixas sobre superlotação, atrasos e sucateamentos dos veículos.
Durante o período em que a
reportagem acompanhou o trajeto de Leila até o trabalho, no Barro Preto, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, não foi difícil observar os problemas que fizeram a linha 5250 ser uma das mais criticadas de BH. Segunda maior queixa dos usuários da linha, com 20% dos registros, o ar-condicionado do ônibus ficou desligado no trajeto.
Acostumada com a situação, Leila tirou um leque da bolsa, e, enquanto se ventilava manualmente para aliviar o calor em um dia em que a máxima prevista era de 27ºC, listou à reportagem os problemas da linha, que pega todos os dias na ida e volta do trabalho. "Isso aqui é rotina. O percurso tem se tornado mais cansativo do que o trabalho em si", aponta.
De acordo com a BHTrans, a linha 5250 acumula 559 reclamações em um período de 10 meses, sendo as principais por atraso (21%), superlotação (19%) e descumprimento do ponto de embarque (15%). O trajeto total da linha é de cerca de 15 quilômetros, com 47 paradas no caminho. Na altura da Rua Paracatu, onde desembarca Leila, o ônibus já estava lotado.
O itinerário matinal, no entanto, é definido pelos próprios usuários como o trajeto mais tranquilo. O problema mesmo está na volta para casa. "Nunca passa no horário. Já chega cheio. Fico mais de meia hora esperando para depois ficar quase uma hora em pé dentro do ônibus abarrotado de gente. Está cada vez mais exaustivo pegar ônibus em BH", reclama uma passageira do 5250 à espera pelo coletivo na noite de segunda-feira, na Rua
Araguari, entre Avenida Augusto de Lima e a Rua dos Goitacazes.
Com veículos lotados, os motoristas não param para o embarque dos passageiros. Nesse dia, ela esperou por mais de 40 minutos pelo transporte. "A demora acabou se transformando em rotina", disse quando finalmente embarcou.
Para a grande maioria dos usuários do transporte público de Belo Horizonte, a volta para casa é sinônimo de ônibus lotado e espera sem fim. Todas as sextas-feiras, a passageira Yara Guimarães, de 53, encerra o trabalho mais cedo, mas fica mais de uma hora esperando pelo ônibus para voltar para casa.
"Fico mofando no ponto de ônibus. Poderia chegar mais cedo em casa, descansar, mas não. Pelo menos, eu pego o ônibus no ponto final e vou sentada", conta com um sorriso amarelo. Ela pega a linha direta do 62, o vice-campeão no ranking de reclamações da BHTrans, e passa quase quatro horas diárias dentro do ônibus, contando o trajeto de ida e volta para o trabalho, na Região Centro-Sul de BH.
Com mais de 15 quilômetros de extensão, a linha 62 corta praticamente toda a cidade saindo da Estação Venda Nova e chegando na Rua Cláudio Manoel, no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul de BH. A superlotação é o principal alvo das queixas dos usuários do 62, que aparece em segundo lugar no ranking da BHTrans, com 462 reclamações, seguido pelo descumprimento do quadro de horário (22%) e o funcionamento do ar-condicionado (19%).
Ser deixada para trás no ponto também não é novidade para a passageira Cláudia de Oliveira, de 43, que pega a linha paradora do Move 62. "Muitas vezes, ele até para, mas já está muito cheio e não dá pra todo mundo que está esperando entrar. Nem lembro a última vez que peguei esse ônibus e consegui sentar. Está sempre lotado", conta.
PROBLEMA CRÔNIC0 Das dez linhas mais criticadas de Belo Horizonte, seis são do sistema BRT/Move. A maioria das reclamações são sobre o descumprimento do quadro de horário (29%), seguido pelo descumprimento de ponto de embarque (12%), superlotação (10%), comportamento inadequado do motorista (10%) e funcionamento do ar-condicionado (7%).
Os passageiros também apontam uma série de problemas que não constam no relatório da BHTrans, como portas com dificuldades de abrir e fechar, cadeiras quebradas, goteiras e ônibus muito barulhentos. Não bastassem problemas como os constantes atrasos e lotação das linhas de ônibus, quem usa o serviço também precisa esperar pela condução em pé e sem ter onde se esconder do sol. Conforme dados da BHTrans, quase 70% dos pontos de ônibus da capital não possuem abrigos para passageiros. Na capital, há aproximadamente 9.600 pontos de embarque e desembarque de usuários do transporte coletivo, sendo que cerca de 3 mil deles têm abrigos.
Na avaliação do presidente da Associação dos Usuários do Transporte Coletivo em Belo Horizonte e Região Metropolitana (AUTC), Francisco Maciel, a crise no transporte é um problema crônico em BH. Em conversa com a reportagem do Estado de Minas, ele aponta, ainda, um acervo de reclamações preocupantes extraídas com motoristas das linhas, e que não constam no relatório da BHTrans, como ausência de freio em alguns veículos e rodas soltando.
PRECARIEDADE
Falha no freio de ônibus, inclusive, pode ter sido a causa de um acidente entre um Move metropolitano, da linha 501 (Morro Alto/Centro), e um Move da linha 50 (Estação Pampulha/Centro), que deixou seis pessoas feridas ontem. O problema foi apontado pela motorista do coletivo ao Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran). "Infelizmente, as ocorrências de acidentes, inclusive fatais, não têm sido capazes de sensibilizar as autoridades para que elas melhorem o modo de fiscalizar, vistoriar ou mesmo que se aperfeiçoe o sistema", afirma Maciel.
O arquiteto especialista em mobilidade urbana, Sérgio Myssior, diz que é preciso um estudo sobre demandas da população, e também a criação de mais corredores exclusivos para os veículos do transporte público. Ele aponta que o descontentamento da população com a qualidade do serviço pode ser ainda maior, já que muitos usuários não oficializam a reclamação.
"Tem pessoas que nem conhecem essa opção. E, além disso, nós temos linhas que fazem um trajeto de periferias, com problemas tão graves quanto esses, mas por levarem uma quantidade menor de passageiros proporcionalmente nem chega a entrar em um ranking desses", aponta.
OUTRO LADO
Procurado pela reportagem, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) informou que as reclamações são analisadas pela entidade, em conjunto com as empresas, na busca para corrigir falhas e aprimorar condutas no atendimento.
"O Setra-BH esclarece que busca continuamente a melhoria no atendimento de seus passageiros promovendo nas empresas, para condutores e trabalhadores operacionais, treinamentos periódicos de reciclagem com orientações sobre conduta e segurança no trânsito", informou por meio de nota. (SP)
AS 10 PIORES
Veja o ranking das linhas de ônibus de Belo Horizonte que acumulam mais reclamações
1º: 5250 (Estação Pampulha/Betânia)
2º: 62 Estação Venda Nova
3º: 823 (Estação São Gabriel/Jardim Vitória)
4º: 806 (Estação São Gabriel/Vista do Sol)
5º: 51 (Estação Pampulha/Centro)
6º: 825 (Estação São Gabriel/Vitória II)
7º: 5107 (Estação Pampulha / Savassi)
8º: 808 (Estação São Gabriel/Paulo VI)
9º: 6350 (Estação Barreiro)
10º: 5201 (Buritis/Centro)