Quando os pais são bons em matemática, os filhos também tendem a ser. A explicação para esse efeito não é genética. Pesquisa feita pelo Instituto Tim e coordenada pelo economista Flavio Comim, professor da Universidade de Cambridge (Reino Unido), mostra que, se a família entende de cálculos e passa uma impressão positiva da matéria dentro de casa, as crianças ficam um ano e meio à frente nos estudos.
Isso significa que o aluno pode estar no terceiro ano do ensino fundamental, mas por pouco alcançaria a turma do quinto ano em desempenho na matéria. Da mesma forma, se os pais não são “feras” nos números, mas se interessam pela vida escolar, sabem o nome da professora, participam do dever de casa, os filhos têm 21,8% a mais de proficiência matemática em comparação aos que não contam com o mesmo apoio.
Esses resultados vão se refletir em toda a vida escolar e profissional dos estudantes e são capazes também de romper deficiências educacionais e barreiras sociais que prejudicam o desempenho. Mas o problema é que a fama da matemática não costuma ser muito boa entre gerações. Na pesquisa, quase metade dos pais (47%) disse não ter boas memórias das aulas dessa matéria na escola e 43% expressavam ainda, de maneira espontânea, que essa era a disciplina que menos gostava na grade curricular.
“Existe uma herança matemática nas famílias brasileiras que agrava de modo decisivo a baixa aprendizagem da disciplina no país. É como se existisse uma transmissão entre gerações de pobreza matemática que as escolas, infelizmente, não conseguem interromper. E isso agrava ainda mais o desenvolvimento da disciplina no Brasil e a busca por soluções para reverter o cenário no país”, explica Flavio Comim.
Resultados. O estudo mostra que, aos 7 anos, 100% das crianças dizem gostar de matemática. Mas, aos 13 anos, 33,4% já rejeitam. Do total de alunos pesquisados, 30% dizem que os pais não gostam da matéria e 38% não têm ninguém para ajudar nos estudos. Ao mesmo tempo, 90% dos estudantes reconhecem que a matemática é importante para o futuro. “Deveria doer em todos que têm algum interesse na educação em nosso país que 72% das crianças expressaram o desejo de ter mais ajuda para aprender matemática”, completou.
O estudante Mateus Mundstock Mendes de Carvalho, 12, primeiro colocado no país na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Púbicas (Obmep), no ano passado, é um exemplo de boas referências em casa. Morador de Rio Paranaíba, no Alto Paranaíba, ele diz que, quando tem alguma dúvida, como atualmente em geometria, recorre à avó aposentada, que era educadora.
Mas ele afirma que os pais sempre o ensinaram a ter disciplina e responsabilidade para estudar sozinho. “Participo de treinamentos online, que me ajudam muito”, comentou o garoto. Um dos programas, indicado pela mãe dele, é Polo Olímpico de Treinamento Intensivo (poti.impa.br), totalmente gratuito.
Os filhos
43% disseram que não têm hora de dormir, o que é prejudicial
30% afirmaram que os pais não gostam de matemática
19% já repetiram alguma vez de ano durante a fase escolar
72% gostariam de ter mais ajuda para aprender a disciplina
Os pais
82% confessaram ter dificuldade permanente com a matéria
89% erraram conta de salário médio da família
72% não acertaram o cálculo de tempo para chegar ao trabalho
48% acreditam que precisariam saber mais para poder ajudar
Como contribuir
Confira as dicas dos especialistas ouvidos pela reportagem para ter uma família ‘fera’ em matemática:
Faça junto. Os pais podem aprender mais matemática. Podem utilizar o material dos filhos não só para ensinar, mas para exercitar. Afinal, a educação é um processo contínuo.
Esqueça o passado. Os pais podem fazer um esforço para deixar suas memórias negativas sobre matemática no passado, sem contaminar seus filhos com suas ansiedades passadas.
Ajude. As crianças estão pedindo ajuda e os pais estão dizendo que não estão preparados. Mas eles podem contribuir ao se interessar pela atividade escolar do filho, saber quem é a professora etc.
Pratique. No dia a dia, valorize argumentações lógicas, brincadeiras que incentivam os cálculos, a visão espacial (saber se localizar em uma cidade, por exemplo), o pensamento geométrico (quando uma criança tenta encaixar peças no buraco de uma casinha).
Elite na pesquisa, mas padrão baixo na escola pública
No início deste ano, o Brasil entrou para a elite da matemática mundial, o chamado grupo 5, que reúne as nações que desenvolvem as melhores pesquisas nessa área. Mas, em contrapartida, o país ainda deixa muito a desejar na matemática aplicada nas escolas. O último Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb), de 2016, mostra que os alunos chegam ao terceiro ano do ensino médio com proficiência média de 269,5 (padrão baixo).
A professora do Departamento de Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jussara de Loiola Araújo diz que são muitas as causas do baixo desempenho da matemática nas escolas. “Talvez seja uma das consequências da ampla desvalorização da educação no Brasil. Outro motivo pode ser o estigma que foi sendo embutido na matemática ao longo de sua longa história”, afirmou.
A superintendente de Avaliação Educacional da Secretaria de Estado de Educação (SEE), Geniana Guimarães Faria, diz que há uma preocupação com a formação dos professores. “Não dá para discutir a melhor aprendizagem da matemática sem falar em formação”, disse. Ela garante que a secretaria desenvolve treinamentos e tem apostado em materiais didáticos, como tablets.
Entenda. Realizada em 2017, a pesquisa ouviu 1.500 crianças de escolas públicas e seus responsáveis, em 20 cidades de todo o Brasil. Faz parte do projeto O Circuito da Matemática.