Os efeitos mais sérios do veneno do escorpião-amarelo (Tityus serrulatus), o mais perigoso do Brasil, talvez possam ser barrados com o uso de anti-inflamatórios comuns, sugere uma pesquisa da USP de Ribeirão Preto.
Em experimentos com camundongos, esses remédios conseguiram evitar problemas severos nos pulmões e a morte dos animais, mesmo quando recebiam doses teoricamente letais da peçonha.
A equipe da USP (Universidade de São Paulo) está se preparando para testar a abordagem com amostras de sangue humano. Se os resultados forem promissores, pessoas picadas pelo animal poderão receber os anti-inflamatórios logo de cara, antes do soro que funciona como antídoto do veneno.
“Ainda é cedo para dizer se seria possível dispensar o soro”, explica a biomédica Lúcia Faccioli, que coordenou a pesquisa. “Ele serve para neutralizar o veneno, mas, até que cumpra essa função, os danos no pulmão já terão acontecido. Nossa expectativa é minimizar esses danos.”
O estudo, que saiu na revista científica “Nature Communications”, ajudou a elucidar detalhes do mecanismo de ação do veneno que ainda eram misteriosos. O que os cientistas verificaram é que a peçonha do escorpião atua sobre o chamado inflamassoma, um conjunto de moléculas do interior das células que desencadeia reações inflamatórias –em geral quando o organismo é invadido por micróbios, por exemplo.
“Venenos como o do escorpião exploram o sistema imune do organismo. O veneno induz uma superativação do sistema imune e pode até matar. Isso ficou claro recentemente com pesquisas sobre o veneno de abelhas”, explica outro coautor do estudo, o biólogo Dario Zamboni.
INFLAMAÇÃO
O processo desencadeado pela picada do T. serrulatus é complexo, mas duas moléculas-chave na reação inflamatória são a PGE2 (prostaglandina E2, um tipo de lipídio ou gordura) e a IL-1beta (interleucina-1 beta). Ao que tudo indica, a primeira molécula a ser produzida nas células da defesa do organismo por conta da presença do veneno é a PGE2. Ela, por sua vez, ativa o inflamassoma, levando à produção de IL-1beta, um importante sinalizador do sistema imune –cuja presença desencadeia ainda uma nova e mais potente rodada de produção de PGE2.
Dependendo de fatores que podem estar ligados às características genéticas do indivíduo, esse processo pode sair do controle. O normal é que a picada provoque dor e inflamação apenas no local penetrado pelo ferrão, mas nos piores casos a inflamação desencadeia um edema nos pulmões, o que pode levar à morte. E nem sempre o soro pode reverter esse quadro.
Os pesquisadores da USP, no entanto, verificaram que os anti-inflamatórios indometacina e celecoxibe, que inibem a produção de prostaglandinas como a PGE2, conseguiram evitar os piores efeitos da peçonha nos camundongos de laboratório. “Agora vamos convocar voluntários para doarem sangue e verificar se, em contato com o veneno, também ocorre a produção de IL-1beta”, diz Lúcia.
Depois disso, a ideia é analisar o sangue de pessoas que acabaram de ser picadas por escorpiões e verificar se as mesmas moléculas mediadoras do processo inflamatório achadas em camundongos também estarão presentes. O teste definitivo envolveria fornecer aos pacientes os anti-inflamatórios logo após os ataques de escorpiões.