Por Tácido Rodrigues
No Brasil, o acesso aos serviços de saneamento básico ainda é um enorme desafio a ser enfrentado. Dados de 2015 publicados no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) mostram que cerca de 34 milhões de brasileiros não possuem acesso à água potável, mais de 100 milhões de pessoas – quase metade da população – não tem acesso à coleta de esgoto. O portal, ligado ao Ministério das Cidades, indica ainda que somente 42% destes esgotos produzidos são tratados.
Em 2007, após a promulgação da Lei 11.445, conhecida como Marco Regulatório do Saneamento, o setor ganhou diretrizes para estimular o acesso a esses serviços básicos para toda a população. Uma das obrigatoriedades mais importantes previstas na norma é a que determina que todos os municípios brasileiros elaborem um Plano Municipal de Saneamento Básico, o PMSB.
A elaboração desse plano é uma das condições para que cidade e empresa operadora dos serviços públicos de água e esgotos consigam recursos federais para projetos e obras de saneamento básico. A partir do dia 31 de dezembro deste ano, cidades que não cumprirem as determinações legais ficarão impedidas de acessar verbas da União para ações no setor, conforme prevê decreto assinado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2015 (8.629/15). O prazo, no entanto, já foi protelado três vezes.
PANORAMA NACIONAL
Mesmo após dez anos de vigência do Marco Regulatório do Saneamento (Lei 11.445), a situação no país ainda é preocupante. É o que revela o “Panorama dos Planos Municipais de Saneamento Básico”, documento elaborado em janeiro deste ano pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Segundo o levantamento, das 5.570 cidades brasileiras, apenas 1.693 (30%) realizaram seus Planos Municipais. Por outro lado, 38% dos municípios declararam que estão com os planos em andamento.
O presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, ressalta que os municípios deveriam dar mais atenção para o saneamento. “A preocupação com o índice é ainda maior porque o Plano Municipal é apenas a primeira etapa. Sabemos que há uma dificuldade imensa por parte dos municípios de pequeno e médio portes, então os Estados e o Governo Federal devem ajudar com orientação técnica e recursos”, disse o representante da entidade que discute e realiza ações de saneamento básico e proteção dos recursos hídricos no Brasil.
De acordo com o “Panorama dos Planos Municipais de Saneamento Básico”, os únicos três estados onde mais de 50% dos municípios fizeram seus PMSBs foram Santa Catarina (86%), São Paulo (64%) e Rio Grande do Sul (54%). Em 15 estados, menos de 20% dos municípios fizeram os Planos, o que mostra a distância para atingir a obrigatoriedade da Lei.
Em número de cidades, o Estado de São Paulo foi o que mais avançou, com 411 cidades tendo planos entre os 645 municípios paulistas. Os maiores gargalos estão nos estados do Norte, especialmente os níveis do Amapá (0%), Pará (15%) e Rondônia (10%).
RETROCESSO
Um projeto de lei que está em discussão no Congresso quer alterar a Política Nacional de Recursos Hídricos, um dos instrumentos que orienta a gestão das águas no Brasil. O objetivo do PL 29/2011 , de autoria do deputado Weliton Prado (PT/MG), é vincular o recebimento de recursos e financiamentos federais à existência de planos estaduais de recursos hídricos concluídos.
Na visão do secretário executivo da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Ubiratan Pereira, a proposta é inviável na prática. “É um retrocesso porque prejudica os estados mais vulneráveis. Como eles vão criar e gerenciar Comitês de Bacia, que é um dos pontos previstos no PL? O setor precisa é de investimentos”, opinou.
O PL 29/2011, anexado ao PL 7450/2014, prevê a criação dos Comitês de Bacia para que haja repasses estaduais destinados a empreendimentos e serviços de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário. A proposta também confere aos comitês a prerrogativa de se manifestarem em processos de outorga pelo uso de água. Isso significa que ficaria a cargo desses comitês o controle quantitativo e qualitativo do uso da água no âmbito dos estados.
Nas Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e de Minas e Energia (CME) da Câmara, foram apresentados pareceres que rejeitam o texto principal (PL 29/2011) e aprovam o apensado (PL 7450/2014). Na CME, a deputada Dâmina Pereira (PSL/MG) apresentou voto em separado pela rejeição da matéria.
A parlamentar é crítica à proposta por considerar que as alterações na legislação dificultam ainda mais o planejamento dos estados. “Se os estados e o DF não instituírem os comitês, não serão repassados recursos federais para saneamento básico e abastecimento de água potável. Logo, os estados mais pobres serão mais prejudicados”, argumentou Dâmina.
Em Minas Gerais, mais de 80% dos 853 municípios possuem atendimento total de água (82,47%). Em relação ao esgoto, 69,11% das cidades mineiras têm atendimento total. O índice de esgoto tratado no estado é superior a 30% (34,91%). Os dados são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, 2015).
ESTÍMULO
Em maio deste ano, o Ministério das Cidades, lançou o programa “Avançar Cidades – Saneamento”. A estimativa é que cerca de R$ 2,2 bilhões sejam liberados para projetos, obras, programas de redução de perdas e elaboração de planos municipais através de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os recursos têm condições especiais para que estados, municípios e prestadores de serviços possam contratar a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico.
Outro estudo feito pelo Instituto Trata Brasil indica que sete crianças morrem diariamente no Brasil em decorrência de diarreias e ligadas à ausência de saneamento. Além disso, o levantamento estima que 65% das internações de crianças com menos de 10 anos também têm como causa o déficit de saneamento.
Na visão do presidente executivo do Instituto Trata Brasil, quando o saneamento é aplicado corretamente, os benefícios vão além da redução de doenças. “Ele, quando existe, melhora várias coisas. O saneamento traz ganhos econômicos, inclusive. Em compensação, quando não existe, piora muita coisa”, avaliou Édison Carlos.