Capinópolis, Minas Gerais. O povo de Capinópolis, representado pelo Poder Executivo, retomou o domínio do prédio do Hospital Faepu — também conhecido como hospital Municipal. O feito só foi possível após ação civil pública do Ministério Público Estadual da Comarca de Capinópolis.
O aluguel, no valor de R$33 mil mensais, era pago à Sociedade Beneficente São Camilo desde 2011, quando a instituição encerrou suas atividades de prestação de serviços de saúde em Capinópolis.
Quando a Fundação de Assistência, Estudo e Pesquisa de Uberlândia (FAEPU) assumiu as atividades no local, a Sociedade Beneficente São Camilo passou a cobrar o aluguel, mesmo tendo recebido o prédio por meio de doação da Sociedade Nossa Senhora Aparecida — gerida pelas freiras.
Construção e gestão do hospital
Construído na década de 1950, mesma década da emancipação do Município de Capinópolis, o hospital teve de contar com o generoso apoio financeiro de fazendeiros e do povo de Capinópolis. O terreno para edificação do hospital foi uma doação do senhor Virgílio Galassi.
Após a conclusão da obra, recebeu o nome de Hospital Nossa Senhora Das Vitórias, gerido pela instituição Santa Casa Nossa Senhora das Vitórias.
Em abril de 1968, a Santa Casa Nossa Senhora das Vitórias faz a doação do prédio e transfere a gestão das atividades à Sociedade Nossa Senhora Aparecida. Em uma cláusula da escritura de doação, a Santa Casa atribuiu que, caso a prestação de serviço de saúde da Sociedade Nossa Senhora Aparecida fosse paralizada por seis meses consecutivos, o prédio seria transferido integralmente e automaticamente para domínio do Município de Capinópolis.
Crises sucessivas
Em 2007, o Hospital Nossa Senhora Das Vitórias mergulhou em uma profunda crise. A Sociedade Beneficente São Camilo demonstrou interesse em assumir as atividades, desde que recebesse o prédio por doação e contasse com subvenção do Poder Executivo de Capinópolis. A cessão gratuita e temporária do imóvel foi feita à São Camilo — as atividades e obrigações do serviço de saúde do hospital e do pronto socorro também foram transferidas.
Ao final de 2011, a Sociedade Beneficente São Camilo não renovou o contrato e deixou Capinópolis.
Em agosto de 2011, a então prefeita de Capinópolis, Dinair Isaac, emitiu nota, que foi publicada pelo Tudo Em Dia. Relembre:
“Já tratamos desse assunto na direção da Sociedade São Camilo em São Paulo, e aqui em Capinópolis, e o objetivo das nossas conversas é manter o hospital em funcionamento, bem como garantir o emprego daqueles que trabalham dentro do mesmo”, disse na ocasião.
As negociações não avançaram e a instituição encerrou as atividades.
Em uma conversa exclusiva com o Tudo Em Dia em 10 de fevereiro de 2012, a assessoria de imprensa da Sociedade Beneficente São Camilo quebrou o silêncio e apontou inviabilidade financeira por parte da prefeitura de Capinópolis em manter as atividades. Releia a nota enviada ao jornal:
“No dia 16 de maio de 2011, a Sociedade Beneficente São Camilo oficializou a denúncia do contrato junto ao Sistema Único de Saúde do Hospital São Camilo de Capinópolis na Delegacia Regional de Saúde de Ituiutaba. A denúncia se fez necessária tendo em vista o cumprimento legal de uma ação face à uma inviabilidade econômica por parte da prefeitura local na manutenção das atividades do Hospital.
Após tentativas sem sucesso de negociação com o poder público municipal em relação ao pagamento do valor do repasse na íntegra previsto em contrato, a direção da São Camilo oficializou a denúncia para evitar quebra de contrato por falta de assistência, atraso com a folha dos funcionários e, que, situações intercorrentes aconteçam e comprometam a prestação de serviços em saúde.
A Sociedade Beneficente São Camilo passou a cobrar pela locação do imóvel no valor de R$33 mil mensais. Cabe ressaltar que a cobrança não foi feita judicialmente.
O povo de Capinópolis, que construiu o hospital com doações e trabalho, agora teria de pagar pela locação do imóvel.
FAEPU assume hospital
A FAEPU assumiu as atividades, com a promessa de revolucionar o sistema de saúde em Capinópolis e implementar um modelo que fosse referência. No entanto, o que se viu foi o retorno da crise. Sem condições de efetuar o repasse do valor do aluguel, a FAEPU e o Município de Capinópolis acumularam uma dívida que chegou ao montante de R$200 mil com a São Camilo.
Ação do Ministério Público
O Ministério Público Estadual da Comarca de Capinópolis, que fiscalizava a situação financeira do hospital, com ameaças de greve, tomou conhecimento da cobrança do aluguel em uma reunião com o departamento jurídico do Governo Dinair Isaac. “(…) essa situação anômala vem privando, como dito, a população carente do município da assistência médico-hospitalar a que teria direito em razão da doação, a ponto de escancarar-se esdrúxula e, porque não dizer, imoral consequência: a coletividade toda estaria obrigada a pagar — como já pagou por anos a fio— aluguel por imóvel que lhe pertence e foi por ela construído”, destacou a promotora de Justiça, Dra. Maria Carolina Silveira Beraldo, na ação civil impetrada em 03 de novembro de 2016.
Uma dívida de cerca de R$1,5 milhão com a FAEPU foi parcelada em 4 anos e assumida pela gestão 2017/2020. A última parcela foi quitada em outubro de 2020.
Sentença
A sentença que revogou a doação do hospital à Sociedade Beneficente São Camilo, foi assinada pelo juiz Thales Cazonatto Corrêa em julho de 2018.
O número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) da Sociedade Nossa Senhora Aparecida ainda está ativo, no entanto, ninguém foi encontrado no local pelo oficial de Justiça.
A escrituração do imóvel foi realizada em maio de 2020 pelo Cartório de Registro de Imóvel de Capinópolis. Devido a pandemia de Covid-19, que impactou as atividades do Ministério Público local, o parecer final da setença foi emitido nesta semana.
O prefeito Cledimar Zanotto comemorou o fato. “O prédio do hospital foi construído por meio do trabalho intenso do povo de Capinópolis, com recursos oriundos da doação de fazendeiros e de pessoas influentes da época. Nada mais junto que retornar este patrimônio à nossa comunidade”, disse o prefeito.
A promotora de Justiça, Dra. Maria Carolina Silveira Beraldo, ressaltou que não seria justo o povo de Capinópolis arcar com o aluguel do prédio do hospital.
“O município, há muito tempo tem as rédeas da prestação de serviço de saúde, e não era justo que tivesse que pagar aluguel para uma empresa, que sequer, está no município. A ação demorou, fui cautelosa, buscamos por todos os meios, houve citação por edital. Nós adotamos todas as cautelas possíveis para que o processo ocorresse da forma mais rígida possível”, finalizou a promotora.