Um crime. Um corpo, de um morador de rua desconhecido, sem documentos, encontrado na manhã deste domingo (23/4), num terreno cercado, ocupado por algumas malocas, na altura do número 61 da Avenida Antônio Carlos, debaixo do viaduto Senegal, no Bairro Lagoinha, área central de Belo Horizonte. No fundo do terreno, caído, junto de sua maloca, o cadáver com três tiros na cabeça e um no pescoço.
A cena retrata uma situação de muitas famílias que vivem na miséria na capital mineira, que registra um aumento da população em situação de rua. O número de pessoas nessa situação que morreram assassinadas naquela região, ultrapassa a 20.
Na cena de hoje, os peritos da Polícia Civil examinavam o corpo. Dentro da área cercada, também estavam policiais militares, os primeiros a chegar no local. No passeio, um homem pergunta: “Defunto?”. Com a resposta positiva, ele tira o celular do bolso e começa a filmar, disparando: “Ôba, vou mandar pros meus amigos no Whatsapp”. E segue seu caminho em direção ao centro da cidade.
Pouco tempo depois, vem outro homem, um pintor de paredes, que carregava material de trabalho. Está ao celular, possivelmente falando com a mulher, que estava em casa, pois ele pergunta como estão as crianças e diz que vai passar no sacolão antes de chegar em casa. Ao ver a movimentação de policiais, comenta: “Olha, tô passando aqui e tem um presunto [termo usado na gíria policial e de cadeia para mortos] caído ali em cima”. Não para. Apenas segue seu caminho.
Pouco depois, chega uma mulher. Está nervosa. Pergunta se sabem o nome da vítima. Mas ninguém dá essa informação, já que não havia documentos junto ao corpo. Ela está com os olhos marejados, e conta seu drama e o de sua família.
“Meu irmão está desaparecido há duas semanas. Ele foi visto por um vizinho nosso debaixo de outro viaduto, ali perto da rodoviária. Desde então, tem uma semana que eu venho aqui procurar por ele”, conta ela, que diz se chamar Sebastiana.
Enquanto isso, o corpo é colocado em uma maca e começa a ser retirado para ser colocado no rabecão da Polícia Civil. O rosto está coberto, com uma camisa velha e suja. Mas o corpo pode ser visto. Sebastiana diz, então, que não é seu irmão. “Ele não é tão forte assim, como esse homem.” E também vai embora.
Observando a movimentação está o motorista em um carro branco. Pergunta se alguém precisa de motorista de aplicativo, pois é seu serviço. Mas ele está nervoso, agitado, anda de um lado para o outro.
Resolve, então, contar o verdadeiro motivo de estar ali. “Meu irmão desapareceu há dois meses. Desde então, eu, meu pai, meus irmãos e primos estamos procurando por ele. Pode ser que esteja por aqui. Ele mesmo mandou avisar que virou morador de rua”, conta o homem que se identifica apenas como José Carlos.
O que se sabe do crime
O primeiro a chegar no local foi o sargento Alexandre Rezende, da Polícia Militar. Ele foi acionado pela Central de Operações da PM (Copom), que recebeu um chamado de uma pessoa que não quis se identificar e que falava ter ouvido tiros, vindos da direção do viaduto Senegal, por volta das 5h.
“Nós fomos acionados às 7h. Chegamos aqui e só havia o corpo nesse terreno. Ele estava metade dentro da maloca e as pernas para fora. É difícil encontrar testemunhas em casos como esse. Se houver alguma, ela não vai falar, por medo”, diz o policial.
Mas, segundo o sargento, alguns moradores de rua, que ficam na mesma região e que estiveram no local contaram que a vítima tinha problemas de furtos e roubos e que agia sempre na companhia de outros criminosos.
A julgar pelos tiros na cabeça, a polícia trabalha com a hipótese de acerto de contas de traficantes por dívida de drogas. O caso será registrado no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que terá de desvendar o mistério.