Estudantes que recebem bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) reclamam que o pagamento do benefício, que estaria sendo feito com atraso desde outubro de 2016, está vindo cada vez mais tarde. O dinheiro deve ser transferido até o quinto dia útil do mês seguinte, mas o valor referente a maio só foi depositado para os estudantes nesta semana, e o de junho não tem nem previsão de ocorrer. A situação prejudica o andamento dos estudos e dificulta a sobrevivência dos alunos, que dependem da quantia para arcar com despesas de moradia, transporte e alimentação. Alguns acabam até mesmo desistindo das pesquisas, essenciais para o desenvolvimento do país.
Cerca de 7.000 bolsistas, sobretudo os de iniciação científica, mestrado e doutorado, estão recebendo com atrasos, de um total de 10 mil beneficiados por ano pela Fapemig. As bolsas atendem desde alunos do ensino médio até pós-doutorandos e variam entre R$ 150 e R$ 4.400 – valores não reajustados desde 2013. O problema é ainda mais grave porque os programas de apoio à pós-graduação não permitem vínculo empregatício nem acúmulo de bolsas por parte dos alunos.
A estudante Laís Gomes, 27, precisou pegar dinheiro emprestado para pagar as contas e conseguir se manter. Ela é de Caratinga, na Zona da Mata, mas faz mestrado em direito na Universidade Federal de Juiz de Fora, na mesma região. “Eu nunca recebi no dia certo, mas a situação se agravou no final do ano passado. O problema é que não tem previsão para a bolsa chegar nem diálogo estabelecido com a gente para explicar o que está acontecendo”, disse. Ela contou que, às vezes, atrasa o aluguel e outras despesas. “Não é falta de querer correr atrás de outras coisas. Se eu fosse trabalhar, além de ter a bolsa cortada, teria que devolver para o Estado tudo que já recebi. A gente fica em saída”, conta Laís.
A bolsista Laís diz que a situação prejudica o desenvolvimento da pesquisa, que pode gerar uma série de benefícios: ela estuda como atender mais pessoas que precisam de medicamentos, gastando menos recursos públicos. “A gente não tem a mesma concentração para desenvolver a pesquisa. Eu quero fazer doutorado, mas tenho medo de receber bolsa da Fapemig de novo e ter os mesmos problemas por mais quatro anos”, pontua.
Um doutorando da Faculdade de Letras da UFMG, que pediu anonimato, contou que paga com atraso o aluguel e o cartão de crédito, e os juros consomem boa parte da bolsa. Nascido no interior do Estado, ele precisa se virar sozinho na capital e chegou a ter dificuldades para custear alimentação e transporte. “Fica difícil pensar em pesquisa tendo que se preocupar com as contas que não param de chegar”, lembrou. Ele disse ter colegas que desistiram da pesquisa.
O representante da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) em Minas, Thiago Dias, diz que a entidade mantém diálogo com a Fapemig, mas entende que falta capacidade financeira para solucionar o problema. “O pesquisador deveria ser encarado pelo governo estadual com prioridade máxima. As pesquisas são essenciais e contribuem para o desenvolvimento do país”, alertou.
Sem previsão
Bolsa. A Fapemig afirmou que aguarda liberação financeira da Secretaria de Estado da Fazenda para efetuar o pagamento das bolsas referentes a junho, mas não informou data.
Resultado é saída de estudantes
Em um país que quer crescer e se tornar independente, a pesquisa deve ser mais valorizada, afirma a secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professora da UFMG, Adelina Reis. Ela afirma que a ciência é importante para o desenvolvimento do país em várias áreas.
“A pesquisa gera inovação, que gera independência econômica no país. Senão, a gente vai ficar eternamente dependente do que é produzido fora, tendo que importar tecnologia, quando muita coisa pode ser feita no Brasil”, afirmou. “A pesquisa também forma recursos humanos. A descoberta do pré-sal, por exemplo, só foi feita porque o Brasil tinha competência para fazer a exploração”, disse.
Segundo a professora, a falta de investimento em pesquisa acaba levando estudantes para o exterior, e o país perde. “O aluno não está trabalhando para ele, está fazendo pesquisa para servir à sociedade”, lembrou.
Saiba mais
Resposta. A Fapemig informou, em nota, que o atraso no pagamento das bolsas se deve à situação do Estado. “É de conhecimento público que Minas Gerais, assim como outras unidades da Federação e a própria União, passam por severa crise fiscal, o que, inclusive, motivou a decretação de calamidade financeira em Minas Gerais”.
Menos investimento. O Orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações equivalia, em 2010, a cerca de R$ 10 bilhões (valor corrigido). Em 2017, foram empenhados R$ 4,5 bilhões. Neste ano estão previstos R$ 4,1 bilhões.