Em 20 anos de cultivo do trigo em Minas Gerais, o crescimento da cultura surpreende, graças ao interesse dos produtores e ao avanço das pesquisas da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e dos parceiros: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Universidade Federal de Lavras (Ufla). A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG) também tem sido fundamental para disseminar as vantagens do trigo.
Há duas décadas, o estado produzia cerca de 20 mil toneladas de trigo, o que representava de 1% a 2% da demanda. A cultura estava concentrada no Triângulo, Alto Paranaíba e Noroeste. Hoje, ela está distribuída também para outras regiões, com destaque para o Sul.
Com o passar dos anos, a área plantada registrou aumento de 27 vezes, passando de 3,3 mil hectares para mais de 84 mil hectares, o que fez a Associação dos Triticultores do Estado de Minas Gerais estimar uma produção de 300 mil toneladas nos próximos anos, embora o consumo esteja entre 900 mil e 1 milhão de toneladas.
A partir de 2009, a Epamig e a Embrapa intensificaram as pesquisas de manejo cultural e melhoramento genético do trigo na Fazenda Sertãozinho, em Patos de Minas (Região do Alto Paranaíba) para estimular o plantio na entressafra e a rotação de culturas. Nesse período, as empresas de pesquisa começaram a levar experimentos para outras regiões aptas ao cultivo do trigo com diferentes condições de clima e de solo, pois uma cultivar que se adapta bem ao solo e ao clima do Alto Paranaíba pode não se desenvolver bem no Campo das Vertentes ou no Sul de Minas, por exemplo.
“Nesse contexto, tínhamos o panorama e o desafio de avançar, mas precisávamos de parceria”, afirma o pesquisador Maurício Coelho, com graduação em Agronomia, mestrado e doutorado em Fitotecnia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) na área de trigo. Segundo ele, que desde 1997 trabalha com o cereal, atualmente a base das pesquisas com a cultura do trigo na Epamig estão concentradas no Campo Experimental de Sertãozinho, em Patos de Minas, e em Lavras, na unidade da empresa dentro da Ufla, na Região Sul.
Panorama mineiro e nacional
De acordo com dados de julho de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a área total cultivada no estado é de 84.064 hectares e produção de 235.760 toneladas. Os municípios de Ibiá, Perdizes, Madre de Deus de Minas, Três Corações e Rio Paranaíba são os cinco primeiros colocados na produção mineira e concentram 37,98% do trigo.
No levantamento do IBGE, a produção em Minas Gerais foi registrada oficialmente em 77 municípios. Nas regiões com temperaturas mais elevadas e altitudes mais baixas não há registro do cereal.
O crescimento foi impulsionado pelos esforços conjuntos de ações governamentais da pesquisa e assistência técnica, da indústria e dos produtores. A cultura se expandiu dentro das regiões que habitualmente já plantavam trigo e avançou para outras regiões.
Tradicionalmente, Minas Gerais é um importador de trigo, pois a demanda de quase 1 milhão de toneladas é muito superior à produção. Entretanto, a produção local não é comercializada obrigatoriamente no estado. Entre outros fatores, a alta qualidade do trigo mineiro atrai compradores de São Paulo e Goiás, que também não são autossuficientes na produção.
O Brasil consome de 10 a 11 milhões de toneladas de trigo por ano, enquanto a produção nacional oscila entre 4 e 5 milhões. Os maiores produtores são Paraná e Rio Grande do Sul. Minas Gerais ocupa atualmente o terceiro lugar.
O restante da produção brasileira está diluído entre São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal. A demanda não atendida pela produção nacional é preenchida com a compra do produto em diversos países, entre eles a Argentina.
Com o Programa de Desenvolvimento da Competitividade da Cadeia Produtiva do Trigo (Contrigo) – criado pelo Governo de Minas Gerais e coordenado pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) -, foi possível estabelecer as parcerias para o crescimento da pesquisa e da cultura no estado. Houve aproximação com as universidades federais de Viçosa e Lavras, Embrapa Trigo (Passo Fundo – RS), Sindicato dos Moinhos de Trigo de Minas Gerais e sindicatos de produtores.
“O programa está se ajustando para responder aos novos desafios que vêm sendo apresentados à cadeia produtiva do trigo. Em setembro, o conselho foi reformulado e estão previstas reuniões para definição de estratégias alinhadas à nova realidade da cultura no estado”, observa o superintendente de Desenvolvimento Agropecuário da Seapa, Leonardo Kalil.
Nessa trajetória, a unidade da Embrapa Trigo e a Epamig perceberam o potencial de Minas Gerais para aumentar a produção, pois existia demanda e clima adequado ao plantio em boa parte do estado.
Ao longo dos anos, foram traçadas metas pelo Contrigo e levadas informações técnicas a produtores mineiros, mostrando a eles que a cultura do trigo era possível e vantajosa sem competir com a soja e o milho, que são plantados e colhidos em período diferente do ano. “Ou seja, quando termina a colheita da soja e do milho, começa-se o plantio do trigo, tempo ideal para não deixar a terra descoberta”, orienta o especialista Maurício Coelho.
Melhoramento genético
Para ampliar as informações no universo dos produtores rurais foram realizados “dias de campo” com as cultivares ideais, bem como as demais informações técnicas indispensáveis ao ingresso em uma nova cultura. As condições climáticas ideais foram amplamente disseminadas para o desenvolvimento do trigo. As regiões onde as temperaturas são mais elevadas facilitam o surgimento e a proliferação da brusone, doença que afeta a planta quando aparecem as espigas.
Conforme o pesquisador, o melhoramento genético precisa de continuidade, pois sempre surgem novos desafios, tais como novas doenças, novas pragas, além da constante busca pela melhoria na qualidade e produtividade.
Nos últimos anos, a doença conhecida como brusone se tornou o principal problema para o trigo que é plantado em áreas tropicais ou com temperaturas mais elevadas.
“Em 2010 e 2011 começamos a perceber que a patologia se desenvolve quando o trigo está na fase do espigamento. Por isso, o ideal é que as espigas possam aparecer numa fase mais fria com temperaturas abaixo de 15 graus”, revela Coelho.
A interferência do clima é direta para o aparecimento da doença. Quando o produtor verifica o problema, a recomendação técnica é que se aplique fungicida três vezes.
Em algumas regiões como no Sul de Minas, onde as temperaturas ficam mais baixas, a doença pode nem aparecer. Por outro lado, nas regiões mais quentes, como o Alto Paranaíba, a orientação é que se faça o monitoramento das temperaturas mínimas na época do espigamento.
Nessas regiões mais quentes uma estratégia é efetuar a semeadura depois de 15 de março, fazendo coincidir o espigamento de maio em diante, quando as temperaturas mínimas já estão mais baixas, eliminando a necessidade de aplicação de fungicidas para controlar a doença. A Epamig tem levado essa importante informação ao conhecimento dos produtores, principalmente nas palestras realizadas em eventos técnicos e dias de campo.
Vantagens para o plantio
Maurício Coelho faz algumas considerações capazes de convencer o produtor das vantagens de produzir trigo em Minas Gerais. A primeira delas é a de que não haverá dificuldade para o produtor vender o grão, pois há liquidez imediata no estado e em todo o país, diferentemente de culturas que têm os preços reduzidos quando há excesso de produção.
Apesar de ser uma commodity e o preço regulado pelo mercado internacional, nos últimos anos o preço do trigo tem estado bem acima da média histórica. Maurício Coelho observa que é imprescindível ao produtor saber qual a cultivar a ser plantada, pois devido a características ligadas à qualidade industrial do grão algumas cultivares são mais demandadas pela indústria.
A segunda vantagem é o fato de o plantio ocorrer na entressafra das outras culturas tradicionais, o que traz a oportunidade ao produtor de ganhar um dinheiro a mais, produzindo grãos o ano inteiro. Nas áreas em que se cultiva o trigo, praticamente não ocorre desenvolvimento de plantas daninhas, deixando a área totalmente limpa para implantação da cultura de verão, reduzindo drasticamente os custos de implantação, principalmente de milho e soja, entre outras.
Por último, após a colheita do trigo, a palhada deixada sobre a área protege o solo contra erosão e mantém por mais tempo a umidade do próprio solo. A palhada do trigo, por ter uma relação carbono/nitrogênio alta, demora a se decompor no solo, reduzindo a capacidade de multiplicação de uma série de doenças fúngicas que atacam as culturas de verão.
“Além de tudo isso, o cultivo do trigo é uma ótima opção de rotação de culturas que, entre outras vantagens, evita que as doenças principais das culturas de verão sejam potencializadas na agricultura”, conclui o pesquisador.
Presente e futuro
De acordo com documento de projeções da Seapa, a expectativa é a de que Minas Gerais passe dos atuais 84,7 mil hectares de trigo para 232 mil hectares na safra de 2026/2027. A produção se elevaria de 236 mil toneladas, em 2017, para 307 mil toneladas daqui a dez anos, com variação de 30,53% e crescimento anual de 2,70%.
Para o Brasil — no mesmo período projetado para Minas Gerais – a produção saltaria dos atuais 5,2 milhões de toneladas para 6,8 milhões de toneladas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O estudo, que conta também com informações do IBGE, ressalta ainda que existem entraves a serem superados no sistema de produção do trigo. Entre eles estão: infraestrutura de armazenamento adequada para manter a qualidade do grão; segregação das cultivares colhidas; logística de transporte; e suporte financeiro continuado para apoio técnico na pesquisa, na transferência de novas tecnologias e assistência técnica à produção.
Mais informações:
Fazenda Experimental de Sertãozinho, rodovia Patos/Presidente Olegário, km 18, distrito de Sertãozinho – Patos de Minas (MG)
Informações: (34) 3821-8699