O acordo homologado entre o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e a Cervejaria Três Lobos, dona da Backer, nessa quinta-feira (20/7), com o intuito de indenizar as vítimas do caso de intoxicação por dietilenoglicol ao consumir a cerveja Belorizontina, só contempla nove pessoas em um primeiro momento. A decisão resultou na extinção da ação civil pública que tratava da indenização dos intoxicados.
Os termos firmados prevêem um pagamento de danos extrapatrimoniais individuais na casa dos R$ 500 mil para cada vítima e mais R$ 150 mil para cada familiar de primeiro grau, mas até o momento se tem o registro de pelo menos 29 pessoas que foram intoxicadas e morreram ou tiveram sequelas pelo consumo.
O promotor de Justiça de Defesa do Consumidor de Belo Horizonte, Fernando Ferreira Abreu, explicou que a maior parte das vítimas entraram com ações individuais, mas ainda podem aderir ao acordo caso queiram, desde que a perícia comprove nexo de causalidade entre a contaminação e os danos à saúde causado aos indivíduos e seja reconhecida pela Central de Apoio Técnico (Ceat) do MPMG.
“Na ação civil pública nós temos 15 pessoas, nove de fato reconhecidas e aptas a aderir ao acordo. Uma foi expressamente afastada, tanto pela perícia judicial quanto pela perícia realizada pelo MPMG. Sobre outras cinco pessoas consta informação que acaba trazendo uma certa dúvida, sem elementos para afirmar ou negar, quadro compatível, algo que deve ser resolvido na esfera individual de cada processo", pontuou.
Essas vítimas, no entanto, precisam se adequar a um marco temporal de causalidade, fixado em setembro de 2019. Em termos mais simples, precisa constatar na perícia que elas consumiram o produto e foram contaminadas naquela data.
Abreu ainda destacou que pela ação ser pública, cada atingido pode decidir se aceita o acordo. Em caso de discordâncias, as vítimas podem entrar com ações individualmente. “Aqueles que não foram contemplados num primeiro momento pelo acordo, seja por divergência pericial ou necessidade de outras provas, não estão excluídos de buscar o seu direito individual por meio de ação própria”, disse, afirmando que o acordo é o máximo que poderia ser dado pela Justiça, de acordo com pedido do MPMG.
A empresa ainda terá que pagar um valor correspondente ao último salário recebido pela vítima antes da intoxicação, enquanto seus problemas de saúde o impedirem de voltar ao trabalho, além de valor correspondente a todas as necessidades médicas desde o primeiro dia de internação até o fim do tratamento.
Também estão previstos o pagamento de coparticipações de planos de saúde, custeios de medicamentos, acompanhantes e tratamento psicológico suportados pelas vítimas, acompanhamento de familiares de primeiro grau, transporte, alimentação, lucros cessantes e todos os demais gastos incorridos. Danos que são de natureza material.
Familiares protestam
O acordo celebrado gerou revolta em familiares de vítimas que foram intoxicadas no início de 2019. Na sede Ministério Público, em Belo Horizonte, Eliana Faria Reis e Aline Valadão de Oliveira externaram o descontentamento em não serem contempladas no acordo firmado.
As vítimas não entram no marco temporal estabelecido em setembro, mas seus familiares sofreram com a contaminação desde janeiro de 2019. Eliana falou em nome do marido, José Osvaldo de Faria, que morreu aos 66 anos, em julho de 2020, após mais de 400 dias internado com graves problemas neurológicos e renais.
“Não é justo! Se é justo com outras vítimas eu não sei, não falo nada em relação a elas, de forma alguma. Mas ninguém sofreu como meu marido”, disse Eliana que afirma ter laudos médicos que comprovam a contaminação do marido.
Já a pedagoga Aline Valadão, que fala em nome do marido Vanderlei de Paula Oliveira, contaminado em fevereiro de 2019, reclamou do marco temporal. “Havia todo o relatório para tanto o marido dela (Eliana), quanto o meu. Tínhamos todas as provas, fomos incluídos como vítima e agora eles colocaram um marco temporal a partir de um furo de um tanque”, disse Aline.
O MPMG afirma que os familiares podem entrar com ações individuais, mas as duas vítimas destacam que esse tipo de processo perde força a partir do momento em que um acordo foi homologado. O advogado pontuou que irá se manifestar após analisar os termos firmados com a Três Lobos.
Recuperação judicial
Recentemente a Cervejaria Três Lobos entrou em um processo de recuperação judicial e o MPMG entrou com termos para se precaver das dificuldades financeiras que possam ser enfrentadas pela empresa. Entre as medidas tomadas está a garantia de 244 lotes de propriedades da Empreendimentos Khalil LTDA, que tem em seu quadro societário os sócios da Backer.
“Eles estão utilizando parcela do patrimônio de outra empresa para dar como garantia a essas indenizações. […] Não tenho como prosseguir com um processo sem poder olhar para amanhã e ter um mínimo de segurança. Se amanhã a cervejaria tem a sua recuperação judicial, por exemplo, transformada em falência, nós temos uma situação extremamente complexa, onde teremos que sair buscando patrimônio de sócio”, disse o promotor Fernando Abreu.
Segundo o membro do MPMG a informação preliminar é que a dívida da Três Lobos fique entre 50 e 60 milhões de reais. O acordo ainda obriga a cervejaria a incluir no plano de recuperação, a manutenção de um fundo correspondente a 5% do seu faturamento. “Todo mês a empresa deve depositar como forma de garantir essa indenização”, ressaltou o promotor.
A empresa também deve pagar uma condenação em danos morais e sociais coletivos ao Fundo Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor, em um valor de R$ 1.500.000,00, que fica sob gestão do Governo de Minas Gerais. Inicialmente o pagamento seria de R$ 30 milhões, mas segundo Fernando, este foi o único item que o MPMG abriu mão.
“Indenização de tamanho volume para ser depositada em um fundo que fica sob a gestão do Estado, seria como retirar parte dos recursos que destinados a socorrer as vítimas de forma adequada”, disse.
Três anos de espera
O acordo de indenização é celebrado quase quatro anos após os primeiros casos de intoxicação serem notificados, no início de 2019. Pelo menos 29 pessoas teriam sido contaminadas ao consumirem uma cerveja Belorizontina com dietilenoglicol, uma substância altamente tóxica que era utilizada no processo de resfriamento da cerveja.
Das vítimas, 10 pessoas morreram e dezenas de outras ficaram com sequelas. O caso, no entanto, é investigado desde o fim daquele longínquo ano, quando o maior número de intoxicações apareceu.
Em janeiro de 2020 a Polícia Civil começou a investigar as internações, que ocorreram após o vazamento de um tanque da fábrica que teria sido notificado em setembro de 2019. Naquele momento, as pessoas já passavam por problemas de saúde.
Em outubro de 2020, o Ministério Público ofereceu denúncia contra 10 pessoas, incluindo os sócios-proprietários da cervejaria e o inquérito criminal corre desde então, ouvindo testemunhas de acusação e defesa.
O acordo encerra o processo civil de indenização. Na área criminal, sete funcionários da Backer foram indiciados e os sócios da cervejaria, Ana Paula Silva Lebbos, Hayan Franco Khalil Lebbos e Munir Franco Khalil Lebbos, também respondem ao processo.
Em março deste ano uma nova fase de depoimentos ouviu especialistas que acompanharam o desenvolvimento da cervejaria e testemunhas de defesa dos dez acusados. De acordo com a acusação do Ministério Público de Minas Gerais, cada um responde por um tipo de crime, entre eles homicídio culposo, lesão corporal e intoxicação de alimentos.