Não é conversa de pescador. A reportagem de O Tempo, depois de várias tentativas, flagrou moradores da comunidade do entorno do Parque Jornalista Eduardo Couri, mais conhecido como Barragem Santa Lúcia, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, de vara na mão e apenas uma preocupação na cabeça, na tarde de ontem: se o peixe iria, de fato, morder o anzol. A prática, segundo a população local e dos bairros limítrofes, é bem antiga. Mas, com a pandemia, tornou-se muito mais frequente e o volume de peixes nas águas, maior.
A pesca farta explica-se por uma iniciativa capitaneada pelo comerciante Matheus de Sousa, 26, nascido e criado no local e dono de um bar em frente ao campo de futebol da vila. Empreendedor nato, coordenador do projeto Sou da Favela, ele também é adepto da pesca esportiva do tucunaré e praticante do esporte na represa de Três Marias. Junto com outros colegas, eles criaram um grupo para arrecadar recursos e comprar filhotes de peixes para jogar na lagoa da barragem. A estratégia, iniciada há pouco mais de um ano, tem dado certo. “Na comunidade, tem muitos pescadores, de verdade, não é história. Criamos a vaquinha entre nós para fazermos a soltura dos peixes”, conta o comerciante.
Matheus diz que a Prefeitura de Belo Horizonte já foi contatada e não aconselhou o manejo, porque, a cada quatro anos, a lagoa é esvaziada para limpeza e o investimento se perde. Contudo, a possibilidade de prejuízo não desincentivou os amantes da pescaria. “No momento, estamos fazendo o rateio para introduzir um milheiro de uma espécie de couro, o mandi”, adianta. Procurada, a PBH limitou-se a dizer que “no local, há sinalização com orientações que proíbem as práticas de mergulho e pesca no local”.
Porém, entre os pescadores, às margens da lagoa, o papo corria leve. Os moradores do aglomerado comentavam que, em momentos de crise como o vivido agora, para muita gente o peixe retirado dali é uma ajuda para completar a mesa e garantir uma proteína de qualidade. “Eu mesmo às vezes, pego a vara de farra e pesco uns com os meninos. O peixe é limpo, saudável. Tem muita tilápia e serve como alimento, sim, para muitas famílias”, acrescenta. Matheus.
E quando ocorre o esvaziamento da represa, os pescadores garantem que é possível pegar os peixes com a mão e é tanto peixe que muitos precisam de carrinho de supermercado para carregar traíras e até carpas de cinco quilos. “Juro, não é conversa. Estava pescando na beiradinha com minha mãe, uma vez, e pequei um peixinho pequeno, joguei de novo e veio uma traíra grande, de mais de quatro quilos. O povo fala que traíra morde, então minha mãe subiu com ela e foi bater com chinelo, para depois tirar do anzol”, lembra o pintor Luiz Henrique Mendes, 28.
A cuidadora de idosos Flaviana Mendes, 33, observa também o aumento dos adeptos da pescaria na barragem. “Tem dia que aqui fica lotado. Há quem venha pescar para distrair, porque fica cada um no seu canto, é ao ar livre. Outros, precisam mesmo, para comer. Eu gosto, foi-se o tempo que era coisa de homem”, garante.