Bancos públicos foram na contramão da concorrência e ajustaram gradualmente o juro cobrado dos clientes nos últimos meses. O movimento foi suficiente para mudar radicalmente o ranking do crédito do Banco Central. Se no passado recente Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal operavam os juros mais baixos, agora as duas instituições já cobram algumas das maiores taxas. Entre os cinco grandes, o BB tem o maior juro no financiamento de veículos e a Caixa opera o segundo maior no crédito rotativo do cartão de crédito.
Após o estouro da crise em 2008, bancos estatais foram protagonistas quando os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff incentivaram o consumo via queda de juros. O plano, porém, mudou. No ano passado – ainda no governo Dilma – os dois bancos federais começaram a elevar lentamente os juros em reação à subida da taxa Selic e diante de necessidade de melhorar a estrutura de capital, como revelou o Estado no início do ano.
Com a chegada de Michel Temer ao Palácio do Planalto, o movimento ganhou velocidade. Em maio, o peemedebista indicou Paulo Caffarelli para a presidência do BB e Gilberto Occhi para a Caixa. Sob o novo comando, os dois bancos adotaram o discurso de recompor receitas para recuperar a rentabilidade perdida nos anos de ação mais agressiva. Pouco mais de quatro meses com a nova chefia e as instituições já exibem juros bem próximos dos concorrentes. Às vezes, até maiores.
Para o economista Roberto Troster, sócio da Troster & Associados, a mudança da política do BB e Caixa é o reconhecimento de que a persistência dessa ação mais agressiva poderia colocar em risco o futuro dos próprios bancos estatais. “Essa recomposição acontece porque o governo viu que, se não mudasse, os bancos iriam quebrar. Afinal, precisam de lucro para continuar emprestando”, disse.
Carros. Um dos símbolos dessa guinada está no crédito para veículos. No fim de 2015, o Banco do Brasil tinha juro médio de 26,5% ao ano, o menor entre os cinco grandes bancos – BB, Itaú, Bradesco, Caixa e Santander. Com a atual crise no setor automotivo, a demanda despencou e concorrentes reagiram com redução das taxas.
O juro médio do Santander, por exemplo, caiu quase 5 pontos e atualmente, perto de 24%, é o mais competitivo do grupo, segundo dados do BC de 15 de setembro. Bradesco e Itaú reduziram taxas entre 1 e 2 pontos no mesmo período. Já o BB, na contramão, subiu ligeiramente o juro para 27,2% e, diante da queda dos demais, agora concede o crédito com o maior juro médio. Na Caixa, o custo ficou praticamente estável e atualmente é o terceiro mais caro.
Outro exemplo aparece no crédito rotativo do cartão. No fim de 2015, clientes da Caixa que não quitavam a fatura integral tinham de pagar 350,4% ao ano. Na época, era a menor taxa entre os cinco grandes. Desde então, o número tem subido de elevador: 412% em março, 433% em maio, 459% em agosto e 508,2% em 15 de setembro. Com a escalada, a Caixa deixou de ser a mais barata para ocupar o posto de segunda mais cara. O banco federal está apenas atrás do Santander, pratica o maior juro rotativo: 581% ao ano.
Entre as demais linhas acompanhadas pelo BC, o BB é o segundo mais caro no crédito consignado para aposentados, a Caixa é a segunda mais cara no consignado para empregados de empresas privadas e, no cheque especial, a opção mais barata deixou de ser do BB e passou a ser do Bradesco.
PARA LEMBRAR
Em 2012, na véspera do Dia do Trabalho, o governo elevou o tom na briga contra os juros altos cobrados pelos bancos. A presidente Dilma Rousseff aproveitou um pronunciamento, em cadeia nacional de rádio e televisão, para orientar os clientes a exigirem “melhores condições” de financiamento.
No discurso, Dilma classificou como “inadmissível” o custo dos empréstimos no Brasil e recomendou às instituições privadas seguirem o “bom exemplo” dos bancos estatais, que já haviam feito pelo menos duas rodadas de corte de juros nas principais linhas de financiamento.
“É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com os juros mais altos do mundo”, afirmou a presidente, em seu pronunciamento aos trabalhadores.
Na avaliação da presidente, havia espaço para cortes, e ela recomendou às instituições privadas que seguissem a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. “A Caixa e o Banco do Brasil escolheram o caminho do bom exemplo e da saudável concorrência de mercado, provando que é possível baixar os juros cobrados dos seus clientes em empréstimos, cartões, cheque especial, inclusive no crédito consignado”, afirmou.