Em Belo Horizonte, o uso dos canudos de plástico em estabelecimentos comerciais ainda não é proibido. Até 2022, existiam dois projetos de lei sobre o assunto tramitando na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), porém ambos foram arquivados.
Em outras cidades de Minas já existem leis que impedem a utilização dos produtos e a adoção de canudos biodegradáveis. Em Contagem, na grande BH, restaurantes, lanchonetes, bares e vendedores ambulantes são proibidos de usar ou fornecer canudos de plástico desde julho de 2019, após o prefeito sancionar o texto aprovado na Câmara Municipal. Juiz de Fora, na Zona da Mata, também aprovou, no mesmo ano, uma lei impedindo o fornecimento do produto em hotéis, restaurantes, bares, padarias, por vendedores ambulantes, além de outros estabelecimentos comerciais.
Na cidade de São Paulo, uma lei publicada em julho de 2021 prevê multa de até R$ 8 mil ou interdição de estabelecimentos que comercializarem canudos de plástico. No estado, a distribuição dos produtos é proibida desde julho de 2019. O Rio de Janeiro foi a primeira cidade no Brasil a proibir, em 5 de julho de 2018, a circulação dos canudos plásticos. Lá a multa em caso de descumprimento é de até R$ 3 mil.
Perigo do microplástico
A principal preocupação com o uso dos canudos é o impacto ambiental gerado por eles. A bióloga e professora da UNA, Fernanda Raggi Grossi, explica que os plásticos são feitos de um material chamado polipropileno. Segundo ela, esse material demora cerca de 200 anos para se decompor.
Além da questão do tempo, os produtos não se acumulam apenas nos lixões, ficando restritos ao solo. Eles também são levados pela chuva ou vento e acabam se acumulando no ambiente aquático. “Principalmente em cidades litorâneas. Quando cai no mar, o plástico se transforma em micro plástico.” De acordo com ela, o resíduo seria um fragmento do plástico.
“O plástico que sai da nossa mesa ou dos bares vai direto para os lixões. Se tem algum problema com chuva, alagamento, enchentes, ele vai parar nas lagoas e nos mares. Em contato com a água, esse plástico se degrada, mas não de forma biológica e sim artificial”, explica. O processo de degradação, segundo ela, é o material se desfazer em pequenas partículas. Este desgaste da estrutura industrial ocorre por ação do sol ou da água, por exemplo.
O micro plástico é uma pequena partícula de plástico. Ele é o principal poluente, atualmente, de lagoas e oceanos. As partículas podem ter de 1 a 5 mm. A professora afirma que o problema é a quantidade do produto que chega ao meio ambiente. “Se esses materiais de plástico fossem totalmente reciclados não haveria problema. Mas, não tem como reciclar um canudo, por exemplo.”
Ela diz que o volume individual é tão pequeno que não há interesse comercial. Assim, os canudos acabam indo direto para o lixo ou parando no fundo de lagoas e oceanos.
“Se há descarte regular, ele é reciclado. Mas a maioria das pessoas e dos estabelecimentos acaba jogando junto com o lixo comum.” Outro problema elencado pela professora é o descarte industrial dos canudos.
“Em muitos casos, as indústrias têm o processo de gestão da qualidade. Se o produto não passa no teste de qualidade (mesmo tamanho ou padrão), muitas vezes ele também é descartado de forma incorreta”, destaca.
Impactos e alternativas
O micro plástico que chega ao meio ambiente se acumula no organismo dos animais. “Eles acabam absorvendo esse material com a água ou acreditando que é algum tipo de alimento. Isso gera uma mortandade em grande escala.”
A professora cita um estudo da Organização Internacional de Conservação dos Oceanos mostrando que um Kg de plástico leva à morte de um Kg de peixe no mar. Em lagoas, a proporção é de um Kg do produto para ½ Kg de peixes. “Os peixes de lagoa acabam não identificando o material que se deposita no fundo. No mar com a maré e a movimentação, ele percorre grandes distâncias”, explica.
Uma alternativa para substituir o plástico seriam os canudos de papel, feitos de material biodegradável. “O papel para a fabricação desses produtos é feito de fibra de celulose e se dissolve muito rápido”, diz. Segundo Fernanda, ele se dissolve completamente e não gera impactos ao meio ambiente.
Ela reforça que, apesar disso, o papel biodegradável que se dissolve mais rápido tem um custo maior. “Na fabricação é acrescentado amido de milho ou caldo de cana. Os dois componentes atraem bactérias que se alimentam e degradam a estrutura de celulose do canudo. Por isso ele é mais caro”, ressalta.
A professora afirma que outros tipos de papel, mais baratos, não se dissolvem tão rápido. Porém, ainda assim, demoram menos tempo para se decompor que os de plástico. O plástico demora cerca de 200 anos, já o papel entre um e dois anos e meio.
Ela cita outros materiais como vidro, metal e bambu. Porém, para estabelecimentos que atendem um grande número de pessoas, eles não seriam funcionais. “Dá um trabalho maior para higienizá-los. E os de bambu também tem funcionalidade mais complexa.”
Iniciativa sustentável
Apesar de ainda não haver proibição na capital, em alguns estabelecimentos comerciais os canudos de plástico já foram substituídos por alternativas mais sustentáveis. Redes de fast food, como Mcdonald's e Subway, adotam os canudos de papel biodegradável. Já o bar Redentor, localizado na Savassi, usa canudos de macarrão grano duro. De acordo com a professora, o produto foi escolhido por não alterar o sabor da bebida, ao contrário dos de papel. Após o uso, os produtos viram adubo.
As duas unidades do restaurante Néctar da Serra, na Savassi e no Bairro Mangabeiras, usam desde 2019 canudos biodegradáveis à base de milho. “Tentamos ser o mais ecológicos possíveis. Tudo que vejo que tem de inovação, conseguimos e colocamos em prática”, afirma a proprietária Júnia Quick. Ela conta que pesquisa até encontrar alternativas mais sustentáveis. “Existem canudos biodegradáveis, mas que vêm em uma embalagem de plástico.” Já os adotados pelo restaurante têm uma embalagem de papel.
Os canudos biodegradáveis são mais caros que os de plástico, apesar disso, a empresária afirma que a troca compensa. “É um caro que justifica. Nossa característica é ser saudável, só trabalhamos com produtos naturais, tentamos comprar de produtores locais, frigoríficos menores, frango de granjas locais e ovos caipiras.”
Segundo a empresária, a troca foi bem aceita pelos clientes. “Todo mundo percebe. Mesmo sendo biodegradáveis, sempre perguntamos se eles preferem usar canudo ou não.” De acordo com ela, 50% dos clientes preferem não usar canudos. “As pessoas que frequentam nossos restaurantes sabem que temos essa pegada.”
Ainda assim, Quick acredita que a troca não deve se limitar aos canudos e sim a todas as embalagens. “Antes da pandemia, tinha conseguido um fornecedor de copos biodegradáveis. Mas, com a pandemia, a fábrica não se manteve.” Para a empresária, a pandemia trouxe um retrocesso. “A impressão que tenho, é que voltamos 20 anos em termos de meio ambiente e uso de plástico.”
Ela destaca ainda que não adianta existir a lei e não haver um produto para substituir o plástico. “O canudo não é um item essencial, mas não há uma alternativa viável economicamente para ele. O canudo é uma coisa muito simbólica. Temos que caminhar para esse lado, começar um movimento. Mas com a pandemia retroagimos, com o uso de muitas embalagens. Agora precisamos retomar esse processo.”
Discussão simplista e cautela
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas Gerais (Abrasel-MG) afirma que iniciativas com intuito de diminuir impactos ambientais são muito bem-vindas, mas precisam ser melhor estudadas para que os resultados sejam, de fato, efetivos. De acordo com a entidade, no Brasil, a discussão sobre o consumo de plástico de uso único se deu de forma “simplista” e basicamente em torno da comercialização dos canudos. Para a associação, isso minimiza um problema que é muito maior e mais complexo, além de atrapalhar a causa em vez de ajudá-la.
Em nota, a Abrasel diz que “vê com muita cautela o caminho encontrado para ‘solucionar’ a questão. O legislativo colocou o problema nas mãos dos empresários que atuam no setor de bares e restaurantes. Em curto prazo, esses estabelecimentos são culpabilizados e obrigados a encontrar uma solução às pressas, mas não há oferta suficiente de produtos que atendam à legislação.”
A entidade acredita que a ineficiência dessas leis ainda esbarra em outro fator relevante: 65% dos estabelecimentos de alimentação fora do lar são informais e não têm sequer CNPJ. “Se o Estado não consegue nem fiscalizar/combater a informalidade, como espera acompanhar a questão do uso do canudo plástico?”, questiona.
Para a associação, o Estado tira o foco da questão principal: educar a população para o uso único do plástico como um todo. "Em vez de investir na educação (resposta mais eficiente e duradoura), busca uma solução que não tem impacto nenhum a não ser trazer prejuízo econômico e dificuldades operacionais”, diz outro trecho da nota.
A Abrasel ressalta que “esses pontos precisam ser levados em conta nessa discussão para que soluções bem intencionadas, mas simplistas e de curto prazo, não marginalizem parte de quem empreende no Brasil.”
A associação conclui afirmando que é preciso investir em campanhas educativas voltadas para toda a população – desde crianças até idosos – para que uma nova consciência ambiental seja criada de maneira eficiente, mudando efetivamente hábitos de consumo.