Carne vencida, armazenada em temperaturas inadequadas, sem inspeção e com uso de produtos cancerígenos ou em excesso com objetivo de ocultar as características que deveriam impedir o consumo. Essa é a conclusão a que chegou a investigação de quase dois anos da Polícia Federal, que levou à realização da maior operação da história da corporação nesta sexta-feira, batizada de Carne Fraca.
Na mira da PF, estão gigantes do setor de carnes no país, como a BRF Brasil, dona das marcas Sadia e Perdigão, e a JBS, dona da Friboi, Seara e Swift, entre outras marcas, além de frigoríficos menores. Na conclusão do juiz federal Marcos Josegrei da Silva, todas as empresas investigadas cometeram ao menos uma das irregularidades apontadas acima. “Parece realismo mágico. Infelizmente, não é”, escreveu o magistrado.
No frigorífico Peccin, do Paraná, por exemplo, a investigação atestou, entre diversas irregularidades, a utilização de quantidades de carne muito menor do que a necessária na produção de seus produtos, que eram complementados com outras substâncias, e a utilização de carnes estragadas na composição de salsichas e linguiças. Conforme o juiz, a “maquiagem” dos alimentos podres era feita com ácido ascórbico, substância cancerígena cujo efeito é a melhora da cor e o aspecto de alimentos impróprios.
Na mesma empresa, uma escuta telefônica confirmou que era utilizada carne de cabeça de porco na composição de embutidos. Mesmo cientes de que isso é proibido, um funcionário ordena a compra de duas toneladas do produto para a fabricação de linguiças.
Há ainda, flagrante de trocas de etiquetas nas carnes, para alterar a validade, e enxerto de papelão no frango. Em mais de momento no despacho, o juiz cita casos de salmonela, bactéria que causa infecção intestinal graves, envolvendo a BRF. Além da direção saber da contaminação e negociar a liberação de frigoríficos com servidores, a empresa teve uma carga barrada em um porto da Itália, porque a bactéria foi identificada em pelo menos quatro contêineres. A planta da empresa, porém, continua em operação, segundo a PF, por interferência ilícita de fiscais do Ministério da Agricultura, que recebiam propina da empresa.
“A conclusão a que se chega é a de que a menor das preocupações que possuem é a de inspecionar a adequação aos parâmetros de qualidade dos produtos que depois serão consumidos por brasileiros e, nos casos de exportação, por estrangeiros”, apontou o juiz.
A OPERAÇÃO
Considerada a maior operação já realizada pela PF na história, cerca de 1,1 mil policiais federais cumprem 309 mandados judiciais, incluindo 27 de prisão preventiva, 11 de prisão temporária, 77 de condução coercitiva e 194 de busca e apreensão nas casas e nos locais de trabalho dos investigados.
Os mandados judiciais foram expedidos pela 4ª Vara da Justiça Federal de Curitiba e são cumpridos no Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Paraná, em Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
Diretores e donos das empresas estariam envolvidos diretamente nas fraudes, que contavam com a ajuda de servidores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no Paraná, Goiás e Minas Gerais, que facilitavam a produção de produtos adulterados, emitindo certificados sanitários sem fiscalização.
Através de monitoramento telefônico, a PF descobriu que os servidores envolvidos pediram benefícios de todos os tipos: desde propinas em dinheiro, como pagamento de R$ 300 mil para campanha eleitoral, até pedidos de caixas de carnes, frango, pizzas, ração para animais e embutidos, além também de favores, como a obtenção gratuita de botas e roupas de trabalho, apoio para familiar fazer teste em escola de futebol e viagens.
“Dedo”, “luva” e “documento” eram alguns dos termos usados pelos fiscais agropecuários para o pedido de propina.
A investigação apontou que, inclusive, um executivo da BRF tinha acesso ao login e à senha do sistema de processos administrativos do Mapa, que é de uso exclusivo dos servidores.