O primeiro impacto está na beleza da construção, com as colunas clássicas conduzindo o olhar aos elementos decorativos da fachada em estilo arquitetônico eclético e detalhes “art nouveau”. Portas abertas, reina o poder da história entranhada no ambiente, onde, em mais de um século, famílias, amigos e visitantes desfrutaram de salas, móveis, objetos. E por último, mas não menos importante, vem a força da imaginação, que permite até a presença de alguns fantasmas. Fantasmas? Isso mesmo, eles povoam, imersos em fervilhante cultura, a Residência Eduardo Borges da Costa, sede da Academia Mineira de Letras (AML).
Localizado na Rua da Bahia, 1.466, ao lado da Basílica Nossa Senhora de Lourdes, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, o casarão foi construído na década de 1920 com projeto (1915) de Antônio da Costa Christino, recebendo modificações e intervenções, seis anos depois, do também arquiteto Luiz Signorelli. Sob tombamento estadual (1988) e municipal (1998), serviu originalmente de consultório e residência do médico carioca Eduardo Borges da Costa (1880-1950) e sua clínica particular, conforme o Guia de Bens Tombados do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).
O guia do Iepha informa que Beatriz Borges Martins, filha de Borges da Costa, relata em seu livro “A vida é esta” que a construção abrigou inicialmente a clínica particular de seu pai. “Naquele espaço”, diz o documento do Iepha, “o médico atendia, realizava pequenas cirurgias e internava pacientes de menor risco. A pequena clínica abrigava uma recepção, consultórios, dois quartos para internação de pacientes, além de um laboratório, uma biblioteca e um banheiro”.
O tempo passou até que, em 1987, o palacete se tornou sede da AML, presidida desde 2019 pelo jornalista Rogério Faria Tavares, estando perto de ter à frente o acadêmico Jacyntho Lins Brandão – a posse será em 25 de maio. Quem trabalha desde a transferência para a imponente construção é a assistente do Núcleo de Acervo, Carmen Elizabeth Moura dos Santos, conhecedora de cada palmo da casa e sensível aos movimentos de personagens reais e alguns “memoráveis” – o que só aguça a curiosidade do repórter, amplia o interesse pela atmosfera literária e leva a descobertas por entre corredores, quartos e porões.
PASSADO PRESENTE “Quem está aí?” Carmen já perguntou inúmeras vezes ao ouvir o bater de uma porta, a queda de um livro, os passos nos pisos de madeira de lei. Com um sorriso de intimidade com toda a ambiência, ela sabe as respostas.
“Dependendo de onde vem o ruído, sei que pode ser o dr. Vivaldi, o Murilo Badaró ou o dr. Borges”, afirma em referência a Vivaldi Moreira (1912-2001), eleito para a AML em 1959 e seu presidente perpétuo; o advogado, escritor e político Murilo Badaró (1931-2010), ex-presidente da academia; e o primeiro morador – o único que ela não conheceu pessoalmente – Eduardo Borges da Costa, um dos fundadores (1911) da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte e patrono da Cadeira 47 da Academia Mineira de Medicina.
“Trabalhar aqui é muito prazeroso. Aprendi e aprendo muito com todos”, afirma Carmen ao lado da coordenadora do Núcleo de Acervo, Soraia Lara Carvalho, pouco antes de ambas mostrarem as dependências da edificação de dois pavimentos, com um pé de romã e uma roseira no jardim e uma atmosfera que convida não só à visita ao patrimônio da cidade como a uma viagem no tempo.
“Esta casa mantém um nível de preservação tão bom que é possível visualizar como vivia a família no início e meados do século 20. A sala de jantar, por exemplo, onde os acadêmicos tomam o chá, está do mesmo jeito, assim como a copa e a cozinha”, diz a gestora-geral da entidade, Ines Rabelo.
Das portas de jacarandá, na entrada, à escadaria de 31 degraus de acesso ao andar superior, passando antes pelo porão, dá para apreciar cada detalhe com muito gosto. Lustres, móveis de madeira escura, cristaleira, piso parquet e forros atraem as atenções. Como desviar o olhar do revestimento das paredes da sala de jantar em couro artisticamente prensado, com molduras de jacarandá? E do forro do mesmo ambiente, fruto de “um complexo trabalho geométrico e volumetria exuberante”, de acordo com o livro “Casa Nobre – Significado dos modos de morar nas primeiras décadas de Belo Horizonte”, organizado por Celina Borges Lemos e Karla Bilharinho Guerra.
E mais: os vitrais, entre eles um gigantesco entre o primeiro e segundo pavimento, os interruptores de metal e os livros, muitas obras raras catalogadas, ocupando todos os espaços físicos e do pensamento. A cada passo, especialmente no porão, as palavras dão lugar aos sentimentos: de reverência aos antigos habitantes, de afeto pela conservação do acervo, de respeito pela AML, de confiança na integridade de coleções tão valiosas.
BELEZA INTERIOR No livro “Casa Nobre”, há informações detalhadas sobre o imóvel: “A fachada principal apresenta alto nível de sobriedade quanto à sua composição, cuja elaboração geral é, predominantemente, ordenada pela presença dos elementos estruturais. Contudo a volumetria da casa e seu partido conferem às principais elevações grande dinamicidade, principalmente em função dos terraços frontal e superior, os quais estão inseridos no segundo pavimento. Sua estrutura é arrematada por ornamentação de linguagem clássica mediante a admissão de colunas com capitéis coríntios e fuste canelado”.
No Guia do Iepha há a informação de que trabalharam na obra importantes artistas, a exemplo do escultor austríaco Mucchiutti, responsável por muitos serviços na cidade, e os marmoristas irmãos Natalii. A execução ficou a cargo de Antônio Mias.
O guia traz ainda uma “curiosa passagem” relatada por Beatriz Borges referente ao processo de produção dos estuques colocados nos tetos da residência, cujo serviço esteve nas mãos de dois portugueses. “Eles faziam as fôrmas conforme os desenhos dos ornatos, enchiam-nas de gesso, esperavam dias para secarem e, depois, retiravam delas os ornatos, com todo cuidado. Terminada essa parte, quebravam as fôrmas, alegando que era para ninguém tirar cópias”.
Está documentado pelo instituto estadual que a construção foi planejada para receber ampliação e abrigar a residência da família do médico carioca, uma vez que a estrutura do prédio foi projetada para suportar um segundo andar. “Após a ampliação, o casarão passou a reunir 44 cômodos, incluindo os pertencentes à clínica do Dr. Borges da Costa. Desde o início, a residência tornou-se ponto de referência de políticos, médicos, poetas e outras pessoas de renome que formavam a elite intelectual e política da nova capital”.
SERVIÇO
Interessados em visitar a sede da Academia Mineira de Letras devem enviar email para [email protected]
A sede da AML fica na Rua da Bahia, 1.466, no Bairro Lourdes, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.
Por dentro do palacete
» O casarão pertence ao Conjunto Urbano Rua da Bahia e Adjacências e ao Conjunto Urbano Praça da Liberdade e Adjacências, sob tombamento municipal.
» Antes de 1915 existia, no local, outra construção com as seguintes plantas aprovadas: projeto de uma casa datado do final do século 19 (1897/1898). Depois foi registrada uma modificação em 1900. Estes projetos foram feitos para o antigo proprietário Victorino Arcanjo Ferreira pelo arquiteto João B. Carneiro.
» E ainda: planta de aumento para o prédio construído para o proprietário Augusto Halfelo, pelo arquiteto Luiz Olivieri; e depois planta de aumento pelo arquiteto João Morandi.
» Para o atual imóvel, está registrado o projeto, de 1915, para o proprietário Dr. Eduardo Borges Ribeiro da Costa, pelo arquiteto Antônio da Costa Christino. E de remodelação e aumento da residência, em 1926, pelo arquiteto Luiz Signorelli.
» A casa tem estilo arquitetônico eclético, primeira fase, com influência neoclássica.
Fonte: Fundação Municipal de Cultura/Prefeitura de Belo Horizonte