Do corredor, Samantha Duque só via dezenas de braços magros entre as barras de ferro e outros tantos adolescentes como ela deitados em camas de concreto. O chão – assim como os colchões – estava coberto por papel higiênico encharcado de urina. As paredes com infiltrações deixavam no ar um insuportável cheiro de mofo. A sede? Era saciada com a água de uma garrafa PET de dois litros que passava de boca em boca.
Hoje com 27 anos, Samantha lembra que ficou pouco tempo no centro de internação provisória até que sua pena fosse convertida para serviços comunitários, mas a sensação, dez anos depois, permanece congelada na memória dela: “Foram 15 dias até meu julgamento, mas o tempo não passava. Eu gritava, chorava pedindo minha mãe”, desabafa. Samantha nega qualquer envolvimento com tráfico de drogas. Hoje é casada e tem sua própria empresa.
As condições nos centros de internação de menores hoje em dia não são muito diferentes. Segundo o promotor de Direito das Crianças e dos Adolescentes de BH, Marcio Rogerio de Oliveira, o Ministério Público recomendou o fechamento de três das nove unidades da capital – Lindeia, Santa Terezinha e Santa Helena. “São imóveis inadequados, prédios e casas muito antigas, adaptadas. No geral, muitos desses locais não têm espaço; o alojamento é precário, alguns não têm janelas”, pontua. Em acordo com o governo, os menores das três unidades serão transferidos para um novo centro a ser construído.
Destinados à recuperação dos adolescentes em conflito com a lei, os centros socioeducativos e as casas de semiliberdade de Minas estão lotados. Com 1.485 vagas, as 36 unidades têm 21% a mais de adolescentes em regimes de internação, internação provisória e semiliberdade, de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). Ao todo, são 1.800 jovens sob a tutela do governo. Já para o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo de Minas, Alex Gomes, todas as unidades do Estado apresentam superlotação de 100%.
Segundo o promotor Oliveira, o sistema é incapaz de cumprir as exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Falta até auto de vistoria – espécie de alvará – do Corpo de Bombeiros e, como consequência, o alvará da Vigilância Sanitária. De acordo com o Corpo de Bombeiros, apenas sete unidades têm o auto de vistoria, e outras sete estão em processo de regularização. “Desde 2012, foram emitidas 39 advertências contra 28 unidades”, diz o capitão Frederico Pascoal.
Faltam agentes, e os que existem não têm capacitação regular
Segundo o promotor de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes de Belo Horizonte, Marcio Rogerio de Oliveira, existe muito improviso por parte do poder público quando o assunto são os jovens infratores. De acordo com ele, a demanda real no Estado é de 3.000 vagas, e o número de agentes socioeducativos é deficitário, além de as condições de trabalho serem precárias. “Não existe uma capacitação adequada desse servidores, porque o Estado não tem um plano de capacitação inicial e continuada, tampouco dispõe de estrutura. Temos hoje um quadro muito preocupante, grave, e um atendimento muito deficitário”, afirma Oliveira.
De acordo com o promotor, nos últimos três anos, foram instauradas 31 investigações referentes a irregularidades nos centros de internação e nas casas de semiliberdade da capital: foram 17 inquéritos civis, cinco procedimentos preparatórios e nove procedimentos administrativos para apuração e acompanhamento de irregularidades na infraestrutura dos imóveis, no déficit de recursos humanos e na inadequação da alimentação, do transporte e das visitas de familiares.
Agentes
Lotação. Segundo o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo de Minas, Alex Gomes, todas as unidades do Estado abrigam ao menos o dobro de sua capacidade.
“Aquilo lá é pior que cadeia”
Recém-liberado de um centro socioeducativo, L.S., 16, não via a hora de deixar a unidade. O garoto, que responde por tráfico de drogas, chegou com a sensação de que seria só uma passagem rápida. Contudo, depois de sete meses, o desejo de mudar de vida se confundia com a vontade de sair o mais rápido possível da internação. “Às vezes, acho que aquilo lá é pior que a cadeia. Já fiquei muito na rua, mas nunca fiquei em um lugar tão ruim. Moro nas quebradas e lá é melhor, tem mais respeito”, diz o garoto, que tenta um recomeço.
Segundo o especialista em direito penal José Santiago, a falta de condições é estrutural. “Falta estrutura digna e qualidade nos presídios tanto para os maiores quanto para os menores”, afirma.