Calou-se no final da noite deste domingo (15), aos 85 anos, a voz de Cauby Peixoto, há quase sete décadas um dos maiores cantores brasileiros. O artista estava internado desde o último dia 9 no hospital Sancta Maggiore, na zona oeste de São Paulo, com um quadro de pneumonia, informou sua assessoria.
A página oficial do cantor no Facebook também confirmou a morte, publicando a seguinte mensagem: “Com muita dor e pesar informamos aos amigos e fãs que nosso ídolo Cauby Peixoto acaba de falecer as 23:50 do dia 15 de maio. Foi em paz e nos deixa com eterna saudades. Pra sempre Cauby!”
Ao lado da parceira de longa data Ângela Maria, Cauby estava em turnê pelo Brasil com o show “120 Anos de Música”. No repertório, baseado no disco “Reencontro”, músicas que marcaram as trajetórias dos dois artistas, como “Vida de Bailarina”, “Gente Humilde” e “Bastidores”. Eles fariam uma apresentação no Sesc, neste fim de semana, em ocasião da Virada Cultural. A última apresentação do cantor foi no dia 3 de maio, no Theatro Municipal do Rio.
No início de 2015, o cantor chegou a cancelar, devido a problemas e saúde, sua participação no espetáculo “Falando de Amor”.
O velório do artista será na Assembleia Legislativa de São Paulo, próximo ao parque Ibirapuera, a partir das 8h. O enterro deve ocorrer a partir das 17h, no cemitério Congonhas, na zona sul, onde a família de Ângela Maria tem jazigo, informou o marido da cantora.
A carreira de Cauby na música começou quando era ainda menino, na década de 1940, dentro de uma casa de músicos. Foi Moacyr Peixoto, pianista e seu irmão, que o “ensinou a baixar o tom com que eu cantava no coral da escola, alto demais”.
Lançado em boates na adolescência, não tardou para que começasse a tentar a chance como calouro em programas como “A Hora dos Comerciários”, da rádio Tupi. Ganhou mais de dez concursos.
Cauby reinou na feminina música da década de 1950, na era de ouro do rádio, que consolidou a existência de uma música popular brasileira. Seus sambas, marchas, toadas, foxes e baiãos eram das poucas canções a dividir as paradas com músicas de Marlene e de Emilinha Borba.
Foi em 1956 que, com o samba-canção “Conceição”, tornou-se uma estrela nacional. Mas o sucesso não o impediu de se arriscar em um novo estilo: o rock. “Eu tremi todo quando o conheci”, conta Ronnie Von, para quem o cantor era “o pai do rock’n’roll, a primeira voz a cantar esse som em português.”
E em inglês também. Cauby fez duas excursões aos EUA, de mais de um ano cada uma. Adotava o nome de Ron Coby para tentar uma carreira internacional que nunca deslanchou, ainda que tenha sido chamado de “O Elvis Presley do Brasil” pela revista “Time” em uma das temporadas na América. Em comum com Elvis e Frank Sinatra, dizia ter “as meninas que desmaiam quando se canta”.
O empresário Di Veras viu o potencial de ídolo da juventude feminina brasileira e passou a moldar o repertório do músico, confessou Cauby décadas depois. “Como bom aluno, fui fazendo o que ele queria”, disse ao jornal Folha de S. Paulo em 2001. Di Veras bolava também táticas de marketing como costurar os figurinos com pouco esmero “para rasgarem fácil quando as fãs puxassem”.
Mas não opinou na criação do personagem Cauby. “Di Veras não gostava dos penteados nem das roupas extravagantes. Eu é que fui colocando. E cada vez mais coloquei.” Foi a partir dos anos 1980 que a peruca de cachos subiu à cabeça do cantor e seu visual pendeu para a androgenia.
O figurino, bordado de paetês e dourados, não era cênico, e sim para uma vida. “O Cauby é igual na rua e no palco.” Mas pouco se via Cauby nas ruas do bairro de Higienópolis, onde morou nas últimas décadas.
Recluso, gastava tempo ouvindo músicas que iam de Frank Sinatra ao sertanejo Luan Santana, que ele disse ser “muito interessante”, em 2012. Saía de casa só para almoçar com a colega de ofício e “quase namorada” Ângela Maria, com quem lançou uma dúzia de discos, num condomínio na região de São Paulo. “Adoro ela, a voz dela, a família dela, a comida dela”, disse em 2014.
Mesmo nessas pequenas excursões não dispensava o figurino e a peruca, diz o estilista Carlão Saade, que o vestia. “Ele gostava das roupas de show para a vida, e não se importava com o que diziam”, disse Saade.
“Podem me chamar de bicha!”, liberou Cauby em 1985, ao falar das vestimentas. O enigma era sua opção sexual: disse que “até poderia” se apaixonar por homens, por mais que “não tivesse acontecido”, mas nunca se classificou como homossexual. Mais do que entrar numa categoria, preferia escapar completamente ao erotismo. “No amor, sempre o fracasso… Tive que renunciar. Aliás, o maior sentimento do amor é a renúncia.”
O niteroiense também teve de abdicar de parte da fama nas décadas de 1970, quando passou por certo ostracismo. “A mídia me esqueceu”, disse. Mas, em 1980, Caetano Veloso e outros artistas fizeram músicas especialmente para ele gravar, o que chamou de sua volta: o disco “Cauby! Cauby!”. Outras, como “Bastidores”, foram ganhar no uso capião: Cauby a cantou com tanta autoria que criou uma lenda que Chico Buarque
havia escrito a letra, sobre uma vedete apaixonada, para ele. Não tinha.
Nas últimas décadas, enfrentou cantando uma série de problemas de saúde. No começo de 2014, teve uma infecção no ouvido que o deixou longe dos palcos por três meses, mas não sem gravar. Usava um aparelho de audição e pedia que interlocutores falassem alto e pausadamente. Era diabético e na década de 1990 fizera cirurgia para implantar pontes de safena.
Precisava de apoio de duas pessoas para se locomover até o palco e cantava sentado. O que, segundo ele, não comprometia a qualidade da voz. “Tiro o ar do diafragma. Me dá até mais ar [cantar sentado].” Foi sentado que por mais de dez anos lotou às segundas o salão do Bar Brahma, na esquina das avenidas Ipiranga e São João.
Faz alguns anos que Cauby Peixoto passou a responder cumprimentos com trechos de música. Se alguém perguntasse “Como vai, Cauby?”, ele emendava o trecho de algo que tivesse gravado recentemente, como os Beatles: “Imagine all the peopleeee”.