A operação para prender o hacker Silvonei José de Jesus Souza, que furtou arquivos de um celular da primeira-dama, Marcela Temer, em abril do ano passado, teve aspectos cinematográficos, com 33 policiais civis envolvidos, entre delegados, investigadores e peritos, e escutas telefônicas em tempo real.
Em meados de abril, Souza ameaçou divulgar um áudio de WhatsApp furtado do celular de Marcela caso não recebesse R$ 300 mil. À época, Michel Temer era vice de Dilma Rousseff e o impeachment ainda seria votado na Câmara dos Deputados.
A Folha publicou reportagem com detalhes da tentativa de extorsão contra Marcela na sexta-feira (10), mas foi censurada por ordem judicial, a pedido do Planalto, e suprimiu o texto de seu site na manhã de segunda-feira (13). O jornal recorreu.
Após a invasão do hacker, o irmão de Marcela, Karlo Augusto, que também havia sido contatado pelo criminoso, registrou queixa na polícia de Paulínia (SP), onde mora.
À época, especialistas em segurança apontaram, com a condição de anonimato, que seria atribuição da Polícia Federal investigar crime contra familiares do vice-presidente. Naquele momento, a PF estava subordinada ao ministro José Eduardo Cardozo, do PT.
Temer levou o caso ao então secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Moraes, já que a polícia paulista também teria competência de apurá-lo, com base no local da ocorrência.
Sob comando de Moraes, a investigação ficou a cargo da Delegacia Antissequestro do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), unidade especializada que cuida de crimes que envolvem ricos e famosos –como os sequestros de Silvio Santos e do empresário Abilio Diniz.
AÇÃO
O número de homens mobilizados pela polícia foi semelhante ao que atuou na investigação da maior chacina já registrada no Estado, que deixou 17 mortos em Osasco e Barueri, em agosto de 2015.
Em 11 de maio, após cerca de 20 dias de investigação, policiais civis à paisana foram ao prédio de Souza, na zona sul de São Paulo. Viram a caminhonete da família do hacker, uma Santa Fe, sair da garagem. Seguiram-na até uma escola, onde a mulher do suspeito foi buscar os filhos. Souza não estava junto.
Uma equipe de PMs que fazia ronda desconfiou dos policiais civis descaracterizados e os abordou na porta da escola. Enquanto os policiais se apresentavam aos PMs, a mulher do hacker telefonou para ele, avisando sobre o cerco.
Souza fugiu do apartamento sem ser visto. Na fuga, telefonou para uma série de pessoas, mas seu celular estava sendo rastreado e grampeado. Foi preso ao pedir para um amigo ir buscá-lo.
Também ligou para seu advogado, revelando que os HDs que continham os arquivos estavam em cima de seu guarda-roupa. A polícia ouviu a ligação e, com mandado de busca e apreensão, levou todos os equipamentos encontrados na casa.
Além de Souza, sua mulher e outras duas pessoas foram detidas e liberadas após a investigação descartar o envolvimento delas no crime.
Antes, porém, elas também tiveram todos os seus celulares e computadores apreendidos, para que não restassem eventuais cópias de arquivos furtados do celular clonado. Ao todo, foram apreendidos mais de 20 aparelhos.
O paradeiro do áudio é incerto. A Folha perguntou à Secretaria de Segurança Pública e ao Tribunal de Justiça onde está. A secretaria diz que tudo o que era importante para comprovar os crimes foi entregue à Justiça. A Justiça disse que julgou com base nas provas que recebeu. Silvonei foi condenado em outubro a 5 anos e 10 meses de prisão por extorsão e estelionato.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Onde está o áudio usado na chantagem?
Ele não está entre as 1.109 páginas do processo que condenou Silvonei Souza. Foi ouvido por poucas pessoas ligadas à investigação e não deu entrada no Instituto de Criminalística. Polícia e Justiça não informaram seu paradeiro
O processo contra o hacker foi rápido?
Entre o início da investigação (abril) e a sentença (outubro) passaram-se seis meses. Estudo recente do Conselho Nacional de Justiça mostra que o tempo médio para que haja sentença de primeira instância na Justiça paulista, a partir do recebimento da denúncia, é de 4 anos e 6 meses. O tribunal informa, porém, que cada caso é um caso
A pena foi muito dura?
Souza pegou 5 anos e 10 meses de prisão. Dois criminalistas consultados disseram que o tempo está na média, considerando que ele era réu primário
Que arquivos o hacker furtou?
Todos os arquivos de contas de e-mail e aplicativos (como WhatsApp) que estavam armazenados em nuvem
O que o Planalto alegou para censurar a Folha?
Que divulgar dados do celular da primeira-dama viola a intimidade dela, que já foi vítima de um crime.
Temer afirma que não é inimigo nem censor da imprensa
O presidente Michel Temer afirmou nesta terça-feira (14), por meio de nota oficial, que tem compromisso permanente e inarredável com a defesa e a promoção da liberdade de imprensa.
“O Presidente da República notou que no dia de hoje tentou-se imputar-lhe a pecha de inimigo e censor da imprensa”, diz trecho de nota divulgada por seu porta-voz, Alexandre Parola.
O presidente refere-se ao episódio em que o juiz Hilmar Raposo Filho, da 21ª Vara Cível de Brasília, concedeu liminar na sexta (10) proibindo a Folha e o jornal “O Globo” de publicar informações sobre chantagem sofrida pela primeira-dama, Marcela Temer, de um hacker.
“Sua atuação e seus votos ao longo da Assembleia Constituinte de 1988 revelam e confirmam tal compromisso. O Presidente da República sempre esteve em linha, portanto, com os movimentos das entidades representativas da imprensa brasileira na defesa desses princípios e valores. O que se discute na Justiça é tema distinto”, diz a nota do Palácio do Planalto.
O pedido de liminar foi assinado pelo subchefe para Assuntos Jurídicos, Gustavo Vale do Rocha. No site do jornal, o texto sobre o assunto, publicado na sexta, foi suprimido após a notificação. A Folha recorreu da decisão.
A reportagem teve acesso a informações tornadas públicas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. O hacker Silvonei de Jesus Souza foi condenado em outubro a 5 anos e 10 meses de prisão por estelionato e extorsão e cumpre pena em Tremembé (SP).
Souza usa um áudio do celular de Marcela clonado por ele para chantagear a primeira-dama e menciona o nome do presidente Michel Temer. Todo o conteúdo de um celular e contas de e-mail da primeira-dama foram furtados pelo hacker.
“Trata-se, na verdade, dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal quando, em seu artigo quinto, inciso décimo, estabelece, e cito, que são invioláveis, ‘a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas’. Este preceito constitucional foi reiterado pela Lei que se veio a conhecer como Lei Carolina Dieckmann, a qual jamais foi contestada no que determina”, diz a nota de Temer.
Segundo a nota, o presidente “aguarda com serenidade a decisão judicial” sobre o assunto.
O recurso da Folha diz que a liminar concedida pelo juiz de Brasília “consubstancia inaceitável censura”. O jornal “se limitou a reproduzir fatos verídicos e de evidente interesse público, no regular exercício da atividade de imprensa”, segundo a advogada Tais Gasparian, que assina o documento.
“A decisão que proíbe sua divulgação importa em censura e contraria os princípios de liberdade de imprensa e informação, assegurados pela Constituição Federal”, diz trecho do recurso.
Leia abaixo a íntegra da nota divulgada pela Presidência da República
“O Presidente da República notou que no dia de hoje tentou-se imputar-lhe a pecha de inimigo e censor da imprensa.
A vida política, profissional e pública do Presidente Michel Temer é reveladora de seu compromisso permanente e inarredável com a defesa e a promoção da necessidade central da liberdade de imprensa para a democracia.
Sua atuação e seus votos ao longo da Assembleia Constituinte de 1988 revelam e confirmam tal compromisso.
O Presidente da República sempre esteve em linha, portanto, com os movimentos das entidades representativas da imprensa brasileira na defesa desses princípios e valores. O que se discute na justiça é tema distinto.
Trata-se, na verdade, dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal quando, em seu artigo quinto, inciso décimo, estabelece, e cito, que são invioláveis, “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.” Este preceito constitucional foi reiterado pela Lei que se veio a conhecer como Lei Carolina Dieckmann, a qual jamais foi contestada no que determina.
Estando o caso no judiciário e observador do princípio da separação de Poderes, o Presidente da República aguarda com serenidade a decisão judicial.
Desde seu primeiro momento à frente da Presidência da República, o Presidente Michel Temer tem pautado as ações de seu governo pela busca do diálogo e da pacificação nacional, sobre a base de uma defesa férrea dos preceitos constitucionais e convencido de que a liberdade de expressão é uma das condições para que melhor prospere o diálogo dentro dos marcos de nossa constituição democrática”.
Folha de S.Paulo