Na “varanda” da casa improvisada na calçada da rodoviária de Belo Horizonte, Júlio*, 35, divide-se entre esquecer o passado e entregar currículos. Sem endereço, longe da família e com saudade da filha de 1 ano e 5 meses, o padeiro compõe um cenário de miséria cada vez mais comum na capital nos últimos anos. Nas praças e debaixo de viadutos e marquises, abrigos de papelão e carrinhos de supermercado competem com os pedestres.
Um levantamento da prefeitura feito em 2014 apontava 1.800 pessoas vivendo nas ruas. Três anos depois, o município fez uma recontagem com base nos dados do Cadastro Único da Assistência Social (Cecad) e chegou ao número de 4.553 moradores em situação de rua. Como a metodologia não foi a mesma, não é possível certificar o aumento real de pessoas nessas condições. Além disso, como o Cecad é formado por pessoas que se autodeclaram moradoras de rua e utilizam algum programa social, o número pode ser ainda maior.
Segundo um dos coordenadores do projeto Abrace o Próximo – que, há 12 anos, oferece apoio material a essa população – Romeirik Gomes, nos últimos dois anos houve um crescimento de 40% dessa população. Quinzenalmente, o grupo formado por 50 pessoas leva quatro horas para distribuir de 450 a 500 marmitas e 1.000 kg de roupas e cobertores pelas ruas da capital. Para ele, a crise é um dos principais responsáveis pela miséria. De acordo com o IBGE, falta trabalho para 27,7 milhões de pessoas. Esse é o maior contingente desde o início da série histórica, em 2012. Desses, 13,7 milhões procuraram emprego, mas não encontraram.
“Se distribuíssemos mais 200 marmitex, teríamos gente (para receber). Todos os dias, são pessoas novas. Faltam oportunidades. Desse jeito, a tendência é piorar”, afirma Romeirik.
Para a gerente de Serviços de Média Complexidade da Subsecretaria de Assistência Social, Sandra Regina Ferreira, a conjunção de dificuldades do momento atual ajuda a explicar o cenário. “Vivemos uma crise econômica muito séria no país. Claro que esse aumento impacta nossa capacidade de atendimento, mas a questão da crise, infelizmente, não está ao nosso controle. Estamos trabalhando com a proteção dessas pessoas e ampliando o olhar e a abordagem desses moradores, que, por várias gestões, ficaram esquecidos”, destaca.
Sem saída. Nas ruas, Júlio já tinha ficado desempregado antes, mas sempre aparecia “alguma coisa”. Agora não. Ele usa uma tornozeleira eletrônica – devido a um ato que cometeu ao se ver desempregado e desesperado, sem conseguir manter a mulher e a filha. Júlio não conta o que houve, mas diz que nunca se imaginou dormindo na rua e revela que a família não sabe onde ele mora. “Só quero uma oportunidade para poder sair desta vida. Com o trabalho, a gente pode se manter, tocar nossa vida e diminuir essa visão das pessoas em relação aos moradores de rua. Falta oportunidade”, desabafa.
* Nome fictício