Cinco mulheres foram assassinadas em menos de quatro dias na região metropolitana de Belo Horizonte, em crimes marcados pelo machismo e pela desigualdade de gênero. Duas delas foram mortas pelos ex-companheiros, que não aceitavam o término do relacionamento. Outras duas foram vítimas do próprio estuprador, que, depois de condenado na Justiça pelos abusos, voltou para se vingar, matando ainda a mãe delas.
Só de janeiro a março deste ano, 346 mulheres morreram ou ficaram feridas em tentativas de homicídio em Minas, de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). Em Belo Horizonte, foram 31 vítimas. Os números deste ano são ainda maiores se somados os casos de feminicídio motivados especificamente por violência doméstica, que ainda não foram divulgados. Nos últimos três anos, houve um aumento de 29% desse crime – de 335 casos em 2015 para 433 em 2017 no Estado.
Vítima. O mais recente é o da diarista Aureni Andrade Sousa, 44, morta a facadas pelo ex-marido, às margens do Anel Rodoviário, no bairro João Pinheiro, na região Noroeste da capital. Ela tinha se separado de Jesuíno Cesário, 44, há dois meses e estava feliz por, enfim, ter liberdade para coisas básicas, como cuidar da aparência. “Ela não podia pintar o cabelo. Se cortasse, ele quebrava a casa toda. Ela me disse: ‘Agora eu posso fazer tudo. Nunca dormi tão bem como agora’. Aureni tinha medo que ele a matasse enquanto dormia”, contou a cunhada da vítima, Carmem Lopes de Oliveira, 38.
No dia 1º de abril, já separada, a diarista registrou queixa de ameaça na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Belo Horizonte. Na Justiça, conseguiu uma medida protetiva que impedia o ex-marido de se aproximar dela.
Nessa sexta-feira (18), porém, por volta das 6h30, Cesário ficou esperando Aureni passar a pé pelo Anel a caminho do serviço e a atingiu com várias facadas no tórax e nas costas. Em seguida, ele fugiu e, até o fechamento desta edição, não havia sido localizado. Segundo familiares da vítima, após a separação, Cesário foi viver em São Paulo, mas, constantemente, ligava para a ex-mulher pedindo para reatar o casamento. Após o crime, militares fizeram buscas na rodoviária para tentar localizá-lo, caso ele tentasse voltar para a capital paulista.
“Ele não queria a separação porque vivia às custas da mulher, que sustentava a casa e os filhos”, disse o irmão da vítima, Adilson Andrade. Aureni deixou dois filhos adultos. “Ele acabou com a família toda. Não pensou nos filhos”, concluiu a cunhada.
Outro caso. Uma mulher de 36 anos foi agredida e estuprada pelo companheiro, na noite de quinta-feira, após se negar a se prostituir. Segundo a PM, ele queria dinheiro dela para comprar drogas.
Botão de alerta não sai do papel
A diarista Aureni Andrade e muitas outras mulheres poderiam ter sido salvas se o Projeto de Lei (PL) 4.087/2017 já tivesse saído do papel. A proposta, de autoria do deputado estadual Fred Costa (Patriotas) em parceria com a Polícia Civil, prevê a criação de um aplicativo gratuito com um botão de alerta, que poderá ser acionado pelas vítimas com apenas um clique para acionar autoridades de segurança durante as situações de emergência.
O PL está na Comissão de Legislação e Justiça da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), e não há previsão para que seja votado. Um projeto piloto da Polícia Civil seria colocado em prática em setembro do ano passado, mas foi adiado, e não há previsão para ser implantado. Segundo a corporação, policiais estão sendo treinados para atuar nesses casos.
De acordo com o PL de Fred Costa, a mulher poderá acionar a viatura da Polícia Militar (PM) mais próxima, por meio de um aplicativo com geolocalizador. Ela também poderá avisar até cinco amigos, por meio de uma rede de amigos, quando se sentir insegura.
Para a Justiça, o botão de alerta seria a melhor forma de evitar o descumprimento de medidas protetivas. Atualmente, um dos mecanismos de proteção é a tornozeleira eletrônica, colocada nos agressores que são denunciados ao Judiciário. Nesses casos, a mulher recebe alerta quando o agressor se aproxima.
A ONG Defesa Social criou, em 28 de março, lançou o aplicativo Eva, em que a mulher aciona a aba “botão do pânico” ao se sentir ameaçada. O pedido de socorro é automaticamente repassado à PM. O app pode ser baixado gratuitamente no celular pelo Google Play.
PM visita vítimas e agressores
Mulheres vítimas de violência doméstica que moram em Belo Horizonte e em outros 23 municípios mineiros também podem contar com o Programa de Prevenção à Violência Doméstica da Polícia Militar (PM). A corporação faz uma análise de todos os boletins de ocorrência e, nos casos de maior gravidade e reincidência, equipes vão à casa da vítima e oferecem o serviço de monitoramento. Se ela aceitar, passa a ser acompanhada pelos militares.
No entanto, nenhuma das mulheres assassinadas nesta semana em Belo Horizonte e região metropolitana era acompanhada pelo programa. De acordo com a major Cleide Barcelos, coordenadora da ação, de janeiro a maio deste ano, 500 casos foram acompanhados pela PM na capital. Ao todo, 16 equipes fazem as visitas às mulheres agredidas, com medida protetiva ou não, e também vão à casa do agressor, nesse caso para apresentar a Lei 11.340/ 2006 (Maria da Penha).
Ciclo. A major fala da necessidade de expansão das ações. “A rede de enfrentamento à violência contra a mulher precisa se fortalecer cada vez mais para o combate a esse tipo de crime”, comentou a major. Segundo ela, o trabalho das equipes só termina quando o ciclo da violência é quebrado.