FolhaPress
SÃO CARLOS e RIO DE JANEIRO – Tanto o fóssil quanto uma reconstrução do rosto de Luzia estariam sob uma área com escombros. Técnicos do museu não conseguiram acessar o local.
Do vasto acervo que a instituição tinha, as áreas correspondentes a arqueologia, paleontologia, antropologia e invertebrados (com cerca de 5 milhões de insetos) parecem total ou quase totalmente perdidas. O mesmo vale para laboratórios e salas de aula.
Mas, apesar da impressão inicial de destruição completa do prédio histórico, certas peças relevantes podem ter sobrevivido. A esperança de pesquisadores de áreas como arqueologia e paleontologia repousa, por enquanto, nos chamados armários compactadores, adquiridos recentemente, nos quais muitos itens estavam depositados.
O fogo não foi intenso o suficiente para destruir essas estruturas, o que significa que os materiais guardados neles teriam alguma chance de resistir ao incêndio.
Só será possível ter uma ideia mais clara disso, no entanto, nos próximos dias, quando pequenos focos de incêndio que ainda afetam os escombros forem debelados. Também é preciso afastar o risco de desabamento, que impede tentativas mais intensas de resgate por ora.
“Por enquanto, a Defesa Civil retirou todo mundo de lá. Não sabemos se vamos conseguir entrar amanhã [dia 4]”, diz a arqueóloga Denise Maria Cavalcante Gomes.
Também não se pode descartar a possibilidade de que o calor cause deformações ou outros tipos de dano a fósseis, fragmentos de cerâmica e materiais diversos, o que poderia inutilizá-los do ponto de vista científico, mesmo que não tenham sido tocados diretamente pelas chamas.
No entanto, a situação das peças que estavam fora dos compactadores tende a ser bem mais desesperadora.
Gomes provavelmente perdeu material arqueológico (cerâmica e instrumentos de pedra), desenhos e cadernos de campo de escavações realizadas em locais como os sítios Aldeia e Carapanari, na região de Santarém (PA), que estavam em sua sala, sendo analisados para publicação em revistas especializadas.
Trocando em miúdos: trata-se de informação científica inédita que agora desapareceu para sempre.
A perda desses novos dados sobre Santarém é particularmente dolorosa porque o município paraense é um dos locais-chave para uma pequena revolução na arqueologia brasileira. Nas últimas décadas, estudos ali e em outras regiões da Amazônia têm mostrado que, antes da chegada dos portugueses, havia populações densas, com sociedades complexas e hierarquizadas e grande sofisticação artística na região amazônica.
O museu preparava ainda para este ano uma renovação completa de sua mostra sobre a pré-história da Amazônia.
“Infelizmente, o que estava fora da proteção, sendo descrito por alunos e pós-graduandos, provavelmente virou cinza”, diz Taissa Rodrigues, paleontóloga que fez seu mestrado e doutorado no Museu Nacional (de 2005 a 2011) e hoje é professora da Universidade Federal do Espírito Santo.
Dos muitos fósseis importantes que estavam no acervo, ela diz temer especialmente pelo Santanaraptor, um pequeno dinossauro carnívoro de 110 milhões de anos da chapada do Araripe (CE). Só existe um único fóssil conhecido da espécie, contendo tecidos moles (músculo e pele), uma raridade no que diz respeito a dinossauros do Brasil.
Áreas do acervo que ficaram incólumes por estarem armazenadas numa nova instalação incluem as coleções de vertebrados e de botânica. Minérios e meteoritos também teriam resistido ao fogo, entre eles o Bendegó, pedregulho espacial descoberto no sertão da Bahia no século 18 e levado para o museu ainda durante o reinado de dom Pedro 2º.
O fogo começou por volta das 19h30 de domingo (2), depois que o museu já havia encerrado a visitação. Os bombeiros controlaram o incêndio após seis horas, por volta das 2h de segunda (3). Parte do interior do edifício desabou.
A Polícia Federal fez perícia no local e vai investigar a causa do incêndio. Segundo o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, uma das suspeitas é que o incêndio tenha sido causado pela queda de um balão no teto do edifício, baseada em relatos de vigilantes. A polícia não tem indícios que corroborem essa hipótese até agora.
Uma outra possibilidade é que o incêndio tenha começado com um curto-circuito em um laboratório audiovisual da instituição, que passa por dificuldades financeiras por cortes em seu orçamento.
Nos últimos dez anos, pelo menos outro sete prédios com tesouros científicos e culturais sofreram incêndios, mas nenhum dessa magnitude.
Conheça abaixo alguns dos principais itens que faziam do museu um dos mais importantes da América Latina.
OUTROS INCÊNDIOS EM INSTITUIÇÕES HISTÓRICAS
2008 – Teatro Cultura Artística
Foi dizimado por incêndio que durou quatro horas
2010 – Instituto Butantan
Fogo atingiu o laboratório de repteis, destruindo um dos maiores acervos de cobras do mundo
2013 – Memorial da América Latina
Incêndio destruiu o auditório Simón Bolívar, onde havia uma tapeçaria de 800 metros quadrados da artista Tomie Ohtake
2015 – Museu da Língua Portuguesa
Chamas tomaram conta dos três andares e da cobertura da instituição
2016 – Cinemateca Brasileira
Fogo destruiu 270 títulos de forma definitiva