Há duas maneiras de fugir de uma penitenciária: pagando ou se arriscando. “Se o detento tiver R$ 50 mil na mão, consegue deixar a cadeia pela porta da frente, misturado com as visitas”, revelou à reportagem uma fonte que é ligada ao sistema prisional e pediu para ter o nome preservado. No entanto, como a maioria dos sentenciados não tem esse montante disponível, muitos se arriscam para deixar o “xadrez”. Foi assim, de forma improvisada e arriscada, que dez presos fugiram em dois dias da última semana da penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana. Apenas um foi recapturado. “Eles (fugitivos) não têm dinheiro e estão desesperados”, avalia.
Desde dezembro de 2017, 31 pessoas fugiram da unidade, que já foi considerada de segurança máxima – apenas oito foram recapturadas. Na última sexta-feira, o local foi parcialmente interditado pelo juiz Wagner Cavalieri. Ele determinou que a cadeia só pode receber mais internos quando tiver menos de 2.000 – a lotação máxima. Hoje o local abriga cerca de 2.300.
Para a fonte, os destinos dos fugitivos são casas de parentes. “Eles serão facilmente recapturados”, considerou. A fuga em um pavilhão costuma, inclusive, afetar os outros detentos. “Todos são castigados. Em uma oportunidade, os outros daquele pavilhão vão querer fugir”, considera a fonte.
Os fugitivos, presos perigosos, parecem não ter ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC). “A tendência é jogar a culpa no PCC, mas a fuga teria sido organizada, já que a facção tem poder. Quem foge são os mais desesperados”, concluiu.
Os fugitivos deixaram a cadeia com ajuda de uma tereza – corda feita com lençóis amarrados. “Eles aproveitaram os vacilos. São poucos agentes para tanto preso”, revelou a presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Maria Tereza Santos.
Ao fugir, os sentenciados aceitaram riscos como os de cair ou ser baleado em perseguição. “A situação está tão ruim que qualquer preso que tiver a oportunidade vai fugir da cadeia. Não há atendimento médico, a comida é ruim e os familiares esperam cinco horas na fila para ficar meia hora com eles”, diz Maria Tereza.
Riscos. O juiz Cavalieri considerou, no documento que determinou a interdição parcial do presídio, que a situação na Nelson Hungria pode ficar ainda pior se nada for feito. “Espera-se que não seja necessária a ocorrência de um banho de sangue ou de rebeliões para que algo concreto seja feito pelo poder Executivo”, escreveu.
O magistrado lembrou que o perfil dos presos que estão abrigados no local é “diferenciado”. A unidade abriga em dois pavilhões, segundo ele, detentos faccionados, lideranças de outras organizações criminosas, presos federais e de alta periculosidade.
Vice-presidente da Associação Mineira dos Agentes e Servidores Prisionais, Luiz Gelada afirma que desde 2012 não há rebeliões no presídio, mas não deve demorar para os detentos decidirem demonstrar o poder que têm. “Por enquanto, querem só a fuga”, disse.
Frase
“A gente fica com medo e acha estranho uma penitenciária daquele tamanho ter tanta fuga. Algo deve estar errado. Moramos aqui e vemos que (a cadeia) não tem efetivo, as guaritas estão sempre vazias, a iluminação é pouca. Da minha casa, a gente vê que nada tem segurança. Eles não estão presos, estão hospedados, saem de lá a hora que querem. Isso é uma pensão: comem e bebem, e a família recebe. É Deus que nos guarda.”
Moradora da região
‘Segurança máxima’ não existe
Devido à estrutura do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, a unidade é classificada como de grande porte, segundo informou, em nota, a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap). Conforme o texto, a prisão ficou conhecida de forma “oficiosa pela população e pelos meios de comunicação, ao longo de anos, como uma unidade de ‘segurança máxima’”, classificação que não existe formalmente. O local recebe somente presos do regime fechado.
A Seap informou que todas as fugas são alvo de investigação e todas as denúncias de facilitação também são objeto de rigorosa apuração. A secretaria informou que todas as áreas competentes foram acionadas (sobre as fugas recentes) e estão sendo tomadas providências para que a situação se normalize e a ordem se restabeleça na unidade. Ainda segundo a pasta, o indivíduo que foge é imediatamente lançado no sistema de informação policial como foragido da Justiça.
Questionada sobre a lotação, a estrutura e o número de agentes de unidades específicas, a Seap informou que, por segurança, não fornece os dados. Quanto ao número de agentes, a secretaria ressaltou que está trabalhando focada em gestão operacional de pessoas e que o sistema prisional mineiro atende recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – um agente de segurança para cada grupo de cinco presos. De acordo com a pasta, atualmente há um agente para cada grupo de 3,9 presos.
Minientrevista
Robson Sávio
Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas
Como o senhor avalia o perfil das recentes fugas na penitenciária Nelson Hungria?
A gente sabe que tem jogo sério em relação ao sistema prisional, uma série de disputas, interesses políticos. O sistema prisional sempre é utilizado como forma de pressão política quando existem governos enfraquecidos em anos eleitorais. O que me causa certa estranheza é que, em uma unidade de grande porte, essas fugas não são algo bem articulado. Quando há grandes grupos, facções, como é o caso da Nelson Hungria, era para haver fugas em massa.
Como seria uma fuga organizada por uma facção? Quais são as características?
Seriam situações mais violentas, com reféns, estratégias muito mais articuladas. O que tudo indica é que isso (as fugas recentes da Nelson Hungria) representa um problema de gestão local, não é algo dos presos, mas do próprio sistema de segurança.
Qual é a situação atual do sistema carcerário de Minas Gerais e do país?
O sistema prisional realmente está lotado, isso não é um problema apenas no Brasil, além da precarização das condições de segurança. O sistema inchou, e o Estado não consegue continuar a política de aprisionamento, até porque existe uma grande indústria dos presos, com empresas de serviço e alimentação etc.
Como o senhor avalia as reivindicações que os agentes penitenciários fazem?
Há um interesse corporativo. As reivindicações da categoria podem ser legítimas, mas são enviesadas.