Enviado especial
Capitólio e São José da Barra – O fluxo de embarcações e turistas em cânions que margeiam o Lago de Furnas, no Sul de Minas, foi quase completamente retomado com medidas de segurança adotadas depois que o desabamento de uma encosta matou 10 pessoas e feriu 27, em 8 de janeiro de 2022, em Capitólio. Mas o perigo não foi definitivamente afastado. Segundo geólogos e a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), o tipo de rocha quartzítica que forma os paredões continua em processo de erosão.
Mais partes dos paredões podem se desprender a qualquer momento, o que exige monitoramento diário, avaliam especialistas. No próprio Cânion de Capitólio, onde ocorreu o acidente, há seções em que as falhas e o pronunciamento de rochas é visível, por uma garganta que permite a passagem em larguras que variam de 30 a 50 metros de margem a margem.
“A erosão das rochas é contínua, um processo natural. A tendência é mesmo que venham a cair, só não se sabe quando. Por isso, é importante o monitoramento diário que os geólogos das prefeituras fazem, o controle das embarcações que entram, o impedimento de acesso (de embarcações e turistas) com chuvas ou condições desfavoráveis”, afirma o delegado regional da Polícia Civil, Marcos Pimenta.
O policial presidiu o inquérito que apurou o acidente e concluiu, a partir de escaneamentos, medições, testes, perícias e levantamentos geológicos, que o desabamento foi natural. “Mas, a partir disso, pudemos ver que as coisas estavam muito desorganizadas e apareceram outras irregularidades. Por isso, sugerimos 10 medidas para trazer mais segurança aos turistas”, destaca o policial.
Com o monitoramento diário, tanto a Prefeitura de São José da Barra quanto a de Capitólio informam não terem sido detectados movimentos das rochas que se encontram fraturadas, como a que desabou. “Vamos encomendar um novo estudo geológico, mais aprofundado, para saber ainda mais sobre as condições dos cânions e se é preciso alterar, intensificar ou abolir algumas das exigências de segurança”, diz o secretário de Turismo de Capitólio, Samuel Maia.
Segundo ele, os paredões estão seguros, e qualquer movimento ou condição adversa determina a suspensão da entrada de embarcações. “Pode até ter um desmoronamento, que é algo da natureza, mas é praticamente impossível que haja alguém no cânion nessa hora”, completa o secretário.
Segundo as prefeituras de São José da Barra e de Capitólio, o retorno dos turistas após o episódio de janeiro foi da ordem de 80%. Representantes dos municípios creditam isso ao aprimoramento das medidas de segurança e de organização das visitações. “Diariamente os geólogos avaliam se ocorreu alguma movimentação das rochas. Até hoje, (não se moveram) nem um centímetro. Se chover, não passa ninguém. Temos um posto de controle que só permite uma embarcação por vez no cânion e ela não pode permanecer lá. Chega, já manobra para sair e outras vêm atrás”, descreve o secretário Maia.
Desafio
Na entrada da garganta rochosa foi posicionado um posto de controle e uma primeira linha de boias que impede o ingresso de mais de uma embarcação por vez, segundo a Prefeitura de Capitólio. Dali até a segunda linha de boias há um canal de 450 metros e larguras de 30 a pouco mais de 50 metros, até a barreira flutuante que impede que se chegue a menos de 70 metros do paredão que desabou e das duas cachoeiras que o ladeiam. Ainda segundo a prefeitura, todos os ocupantes de embarcações devem usar capacetes e coletes flutuantes, desde a entrada até a saída, com multas e penalidades para quem desobedece.
Contudo, a equipe do Estado de Minas registrou que, após a passagem pelas boias do posto de controle, a remoção de capacetes ocorre de forma indiscriminada. Começa com uma pose para uma selfie, para as mulheres ajeitarem os cabelos ou os homens limparem rapidamente o suor da cabeça, mas o equipamento de segurança acaba não sendo recolocado.
Em nenhuma das situações foram vistos fiscais ou integrantes da tripulação cobrando o reposicionamento do equipamento de segurança. Algo que só ocorreu quando funcionários do parque que funciona acima do cânion gritaram e gesticularam, para alertar que era necessária a proteção.
Ronda diária
Em São José da Barra, uma das principais atrações é o Vale dos Tucanos, onde medidas de segurança também passaram a vigorar. Diariamente, geólogos percorrem as atrações, entre 6h30 e 8h, antes de liberar o acesso de turistas. “São realizadas observações visuais em escala macro de todo o ambiente e também avaliados quaisquer relatos de fiscais, marinheiros ou visitantes”, afirma a secretária de Turismo do município, Lyvem Kelly de Avelar Lára. Segundo ela, foram estabelecidos pontos específicos de controle e registros fotográficos diários, realizados com imagens de alta resolução, de forma que seja possível verificar detalhes de eventuais alterações.
Perfil de visitantes muda após medidas
A retomada do turismo com mais regras de segurança tem atraído um público diferente e que não faz questão de fundear as lanchas debaixo da cachoeira, na beira dos paredões dos cânions e nem de ficar sob áreas arriscadas. “Antes, eram 14 barcos dentro dos cânions, tocando música, gente nadando, fazendo churrasco. Agora a coisa se organizou mais, abrindo espaço para outros perfis de visitantes”, observa o delegado regional da Polícia Civil, Marcos Pimenta.
“Nosso turismo agora tem sido de muitas famílias e de casais. Principalmente de visitantes de São Paulo, Rio de Janeiro e de outras cidades de Minas, seguidos pelos do Rio Grande do Sul”, detalha o secretário de Turismo de Capitólio, Samuel Maia.
O policial acredita que ainda mais mudanças de perfil estejam por vir, com a instalação de um grande empreendimento de hotelagem e parque aquático, previsto para os próximos três anos para as proximidades do Cânion de Capitólio.
Uma outra forma de admirar o visual natural e as belezas do cânion é pelos mirantes, trilhas, passeios e tirolesa do Cataguá Parque Mirante dos Cânions. A proposta de aliar a contemplação e o ecoturismo com a adrenalina de se dependurar em cabos de aço suspensos sobre a garganta do cânion, cruzando a passagem de um lado a outro, também experimenta uma quase retomada turística em níveis pré-acidente e anteriores à pandemia do novo coronavírus.
“Antes, o som alto das lanchas e a desorganização afastavam o tipo de turista que hoje nos procura, que quer ver a natureza, ouvir o canto dos pássaros e apreciar o cânion”, afirma o gerente de aventura Matheus Turri. “Passamos por tempos difíceis e escassos depois da tragédia. Mas o ano novo e o carnaval foram muito bons. Mudou o público. As excursões de ônibus vêm menos e chegam mais carros particulares. Os turistas do Sul do Brasil também estão vindo mais”, disse o gerente operacional Bruno Teixeira.
Os turistas parecem confiantes na segurança. Vindo de Florianópolis, o casal formado pelo analista de sistemas Alexandre Saito e pela auxiliar administrativa Márcia Saito, ambos de 49 anos, sabia do acidente de janeiro. Mas eles afirmam que isso não contou negativamente na escolha dos passeios.
“Primeiro, fomos a Ouro Preto e depois descemos para Furnas. A gente sabia da tragédia que ocorreu, mas fizemos o passeio de barco e vimos que estava muito mais organizado, os procedimentos nos passaram muita segurança. Agora estamos explorando a parte terrestre dos cânions. Gostamos muito e recomendamos”, disse Alexandre.