Grupos, páginas e perfis no Facebook anunciam e vendem armas de fogo, munições e acessórios controlados pelo Exército e pela Polícia Federal em um mercado paralelo sem fiscalização. Na lista de ofertas feitas na rede social há revólver, fuzil, cano, silenciador, máquina de recarga e até um kit importado que transforma uma pistola em submetralhadora de uso restrito das forças militares. Tanto o comércio sem autorização legal quanto a publicidade de armamento são crimes com pena de até oito anos de prisão e multa.
A reportagem do jornal Estado de S Paulo constatou a prática em ao menos dez grupos fechados ou secretos no Facebook, nos quais o acesso de um membro é controlado pelo administrador da página e as informações são bloqueadas ao público externo. A maioria foi criada nos últimos dois anos e os integrantes se identificam como caçadores, atiradores e colecionadores de armas, os chamados CACs, que têm certificado de registro (CR) do Exército para comprar e portar arma e munição para a prática de tiro esportivo.
Os anúncios dos produtos são feitos pelos próprios membros, por vendedores ilegais ou por despachantes de armas que vendem aos frequentadores serviços para conseguir tirar a posse ou o porte de arma na PF ou no Exército “sem burocracia”. Fotos dos equipamentos com os respectivos preços e especificações do produto são postadas na timeline do grupo com o pedido para que os interessados na compra façam contato “inbox” (conversa reservada), por e-mail ou WhatsApp, cujos dados são divulgados na página.
A partir daí não é possível saber se a negociação foi feita dentro ou fora da lei. O artigo 17 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) define como crime, entre outras coisas, “vender” ou “expor à venda” arma de fogo, acessório ou munição sem autorização ou em desacordo com determinação legal. Pela lei, o comércio só pode ser feito por fábricas e lojas cadastradas, ou entre pessoas que tenham posse ou porte de arma em dia e somente após o deferimento da transferência do registro pela PF ou pela Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército, dois órgãos que controlam o registro de armas no País.
O diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, afirma que, caso o repasse da arma seja feito sem aval, as pessoas envolvidas poderão incorrer no crime de posse e porte ilegal, com punição prevista de até seis anos, dependendo do tipo de arma. “A falta de institucionalidade de uma venda pela internet, por não ter uma unidade física para fiscalização, pode facilitar a venda ilegal de arma, que é um produto com alto potencial destrutivo.”
A Polícia Federal, a Polícia Civil de São Paulo e o Exército brasileiro se eximiram de responsabilidade pela investigação do comércio de armas de fogo pelo Facebook. O Exército apontou genericamente para “órgãos de segurança pública”, a PF disse que o assunto deveria ser tratado com a Civil, que respondeu que o monitoramento cabe aos agentes federais. Para especialistas, a situação demonstra a falta de integração para combater crimes nessa área.
Apreensões
Policiais do País apreenderam 118.379 armas de fogo em circulação ilegalmente em 2014. O dado é o mais recente de abrangência nacional e foi divulgado no 9º Anuário elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O relatório apontou ainda que a maioria (91%) dos equipamentos foi retirada de circulação por ação das polícias estaduais (Militar e Civil). Em dois Estados (Piauí e Rio Grande do Norte), a participação da Polícia Federal nas apreensões é tão ou mais significativa do que a dos demais agentes.
O relatório pede análise sobre a origem das armas. “É desejável que a melhor compreensão do perfil das armas apreendidas, por meio do rastreamento sistemático, fosse usada para o desenho das estratégias mais eficazes para retirada de armas ilegais de circulação.”