MATÉRIA DE Daniela Nogueira
Colar na prova da escola. Furar fila. Não devolver aquele troco que foi entregue a mais. Aproveitar o contato de alguém que pode agilizar a burocracia para conseguir algo. Dirigir sem carteira. Dirigir depois de consumir bebida alcoólica. Sonegar impostos. Tentar sair do País com dinheiro não declarado. Roubar dinheiro público ou se aproveitar da máquina pública em benefício próprio. Qualquer um desses atos, ou qualquer outro “jeitinho brasileiro”, pode ser considerado corrupção. Cada um a seu nível, mas o objetivo final é o mesmo: conseguir algo em benefício próprio de maneira ilícita ou fora das regras de conduta prejudicando outras pessoas em curto, médio ou longo prazo.
Segundo especialistas, esse é um comportamento cultural que é explicado pela história brasileira. Mas o Brasil não é o único a ter esse problema de desvio de conduta. Segundo a Transparência Internacional – organização não governamental que tem como principal objetivo a luta contra a corrupção -, o Brasil é o 69º colocado no ranking sobre a percepção de corrupção no mundo, dentre 175 países.
Para o historiador e professor de Antropologia Sebastião Vianney, sempre houve na história do Brasil uma confusão da coisa pública com a coisa privada. “Desde a colonização do País, quando houve exploração de ouro, já havia corrupção. Ou seja, o tráfico de ouro e de diamante do Brasil foi maior do que a colônia exportava para Portugal. A origem dessa confusão da coisa pública com a coisa privada é macropolítica e também macroeconômica”, afirmou.
De acordo com a socióloga Débora Regina Pastana, algumas práticas já são institucionalizadas da sociedade brasileira, como não aderir à igualdade, estabelecer limites para a democracia, achar que a lei é só para alguns e não para todos. Exemplos disso são frases do tipo “você sabe com quem está falando?”, ou o famoso dito atribuído ao ex-presidente Getúlio Vargas: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. “Esses tratamentos desiguais que existem historicamente na sociedade brasileira e que consolidam a desigualdade social são pano de fundo para a corrupção”, disse.
Para a socióloga, o pouco tempo de democracia brasileira também influencia a prática da corrupção por toda sociedade. “Desde a Independência, vivemos menos de 50 anos de democracia. Essa é uma palavra que ainda não tem um sentido tão forte, que ainda não produz uma identidade tão grande no brasileiro. Então, a gente ainda não tem tão solidificado que todos nós somos iguais e temos os mesmos direitos e obrigações, impedindo que a gente fure filas e dê carteiradas.”
Segundo o filósofo Paulo Irineu Barreto, também se vê no País, por meio destes atos ilícitos, falta de ética, cuja origem vem da língua e cultura grega e está aplicada a um costume e ao caráter. “A falta de ética vivenciada no Brasil, hoje, acredito que seja por desconhecimento do que é ética e confusão do que é ética, moral e legal”, disse.
Para historiador, Estado estimula irregularidades
O maior exemplo de boas condutas deveria vir do Estado, nas esferas Federal, Estadual e Municipal, segundo o historiador e professor de antropologia Sebastião Vianney. “Entendo que o Estado é o principal contagiante da corrupção, é o pior exemplo que o cidadão pode ter. Então, se aquele que deveria dar o bom exemplo acaba sendo mau exemplo, isso vai contagiar a sociedade, principalmente, uma sociedade que não foi educada para exercer a cidadania”, disse.
Vianney usa a história para reforçar sua análise. “Fazendo uma apologia à época da exploração do ouro e do diamante, o Brasil é um País ‘santo do pau oco’. Naquela época, o tráfico das riquezas se dava por meio desses santos que eram ocos e preenchidos com ouro e diamantes. A cidadania brasileira é assim, um santo do pau oco.”
Para a socióloga Débora Regina Pastana, toda regra quebrada no dia a dia é uma forma de corrupção. “Toda forma de sociabilidade – escola, igreja, casa, trabalho – vai ter suas regras específicas e o descumprimento delas pode ser considerado um desvio, perversão similar ao que os políticos fazem. Não são tão graves quanto as que o Congresso produz constantemente, mas são similares na sua origem. A tolerância a esses pequenos deslizes é uma forma de reprodução dessa ideia que a gente ainda não está suficientemente maduro para entender que nós devemos respeitar aquelas regras que democraticamente foram construídas para nos organizar.”
Ilegalidades estão mais visíveis
O Brasil atualmente não está mais corrupto que já era, mas, sim, a corrupção está mais visível. A afirmação é do historiador e professor de Antropologia Sebastião Vianney. “Estamos vendo gente rica indo pra cadeia, coisa que não se via antes. A gente não pode dizer que o País está mais corrupto. O que a gente pode dizer é que agora mais pessoas vão para a cadeia por causa da corrupção”, afirmou. “Por quanto tempo vão ficar lá e se vão fazer uso de artifícios para se safar é que a gente não sabe. Mas está tendo maior seriedade com o trato da coisa pública”, disse.
Para o filósofo Paulo Irineu Barreto, é importante trazer os eventos de corrupção à tona. “Mas também é importante saber encaminhar essas discussões, deixando bem claro o que são esses comportamentos, o que eles representam, de que maneira podemos aprender com esses maus comportamentos e valorizar ações positivas”, afirmou Barreto. “A punição também é um exemplo, porque a impunidade acaba sendo um incentivo para que as pessoas se habituem a buscar atalhos”, disse.
“Hoje, a gente vê tanto julgamento de corrupções, que se assusta com a quantidade. Mas não pensa que no passado isso tudo sequer virava notícia, muito menos julgamento”, disse a socióloga Débora Regina Pastana. “A gente não tem que se assustar diante de tamanha corrupção explicitada. Ótimo que estamos tendo acesso a isso. O País está aprendendo a fiscalizar sua gestão pública, mas isso é um processo.”
Especialistas apontam educação como o melhor caminho para mudança
Entre os especialistas, o caminho para a mudança do comportamento corrupto da sociedade brasileira é unânime: educação. “Não só com a disciplina que fale de ética, mas com exemplos. Se a sociedade valoriza mais comportamentos éticos do que os que se desviam dos padrões de conduta, ela se transforma em uma sociedade que transfere valores éticos. Mas se acontece o contrário, vai ser isso que vai ser passado para as crianças”, disse o filósofo Paulo Irineu Barreto.
Segundo a socióloga Débora Regina Pastana, a melhoria da sociedade está no fato de compreender o que é democracia, o que é cidadania e de como exercê-la. “Conforme a gente desenvolve essas questões, diminui a corrupção. A sociedade brasileira caminha para isso, mas ainda lentamente. E é o ensino de base, na escola e na família, que vai fortalecer a democracia e a cidadania”, afirmou.
Já para o historiador e professor de Antropologia Sebastião Vianney, a sociedade será mais ética ao passo que as crianças aprenderem a ser realmente cidadãs. “É preciso educar dando o entendimento, discernimento e respeito entre a coisa pública e a coisa privada. Essa formação cívica hoje no País não existe. Além disso, é preciso ter um Estado que respeite realmente a constituição, no sentido de garantir a punidade”, afirmou Vianney.
Correio de Uberlândia