Enquanto a máscara deixa de ser obrigatória nos Estados Unidos e o Reino Unido já desfruta da acentuada queda no número de internações e mortes por Covid, o Brasil ainda custa a acelerar a imunização da população adulta. A realidade poderia ser menos dura se o país tivesse se planejado ainda em 2020 para a aquisição de um grande número de doses.
Caso o governo federal já tivesse fechado acordo com a Pfizer em agosto, quando houve a primeira reunião com a farmacêutica, o país poderia ter pelo menos 9% a mais nas 50 milhões de doses já aplicadas no país – pois pelo menos 4,5 milhões de unidades da vacina norte-americana teriam sido entregues até março.
Conforme depoimento do gerente geral da Pfizer na América Latina, Gabriel Murillo, na CPI da Covid, a empresa norte-americana havia prometido a entrega de 18,5 milhões de vacinas até junho de 2021.
Segundo levantamento feito pelo epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o Brasil teria evitado pelo menos 5.000 mortes nos últimos meses, se esses imunizantes tivessem sido usados desde dezembro no país. O cálculo estima que 14 mil óbitos poderiam ter deixado de ocorrer, considerando uma margem de erro que varia de 5.000 a 25 mil óbitos, chamado intervalo de confiança.
Outro levantamento multidisciplinar, feito por pesquisadores de diferentes instituições brasileiras, indicou que pelo menos 3.500 idosos com mais de 80 anos poderiam ter sido salvos em março deste ano, caso 750 mil pessoas tivessem recebido as duas doses da Pfizer entre janeiro e fevereiro.
De acordo com o advogado Ricardo Barretto, participante do projeto, o Brasil poderia ter começado a vacinação ainda em dezembro, pois certamente a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) agiria com celeridade se a negociação estivesse formalizada. “Não tenho dúvida de que a agência trataria o processo como um caso de urgência maior. A FDA, que é a agência mais rigorosa do mundo, aprovou em dezembro o uso da Pfizer. Por que a Anvisa não faria o mesmo? Até porque a vacina passou por testes clínicos com participantes do Brasil”, disse.
Sufoco no sistema de saúde
Durante o depoimento de Carlos Murillo à CPI da Covid, os senadores governistas Marcos Rogério e Ciro Nogueira bateram na tecla de que a compra da Pfizer só poderia ser feita após a publicação da lei que regulamenta a compra das vacinas e possíveis eventos adversos pós-imunização (ocorrida somente em março). Mas, para Ricardo Barretto, as questões jurídicas que envolviam as exigências da Pfizer poderiam ser resolvidas facilmente de forma antecipada.
“Conforme as negociações com a Pfizer em agosto indicaram uma questão jurídica a ser resolvida, cabia ao presidente editar uma medida provisória para resolver o problema, o que não foi feito. Também poderia levar a pauta para a bancada do governo”, explica o advogado.
Segundo o infectologista Carlos Starling, 5 milhões de doses da Pfizer não teriam evitado um pico da Covid em março, mas poderiam ter evitado mortes. “Se tivéssemos mais pessoas vacinadas, teríamos tido muito menos sufoco no sistema de saúde em março e abril e, consequentemente, menos sofrimento na economia”, diz.
Vale lembrar que há outros entraves na oferta de vacinas. As produções dos imunizantes da AstraZeneca, pela Fiocruz, e da Coronavac, pelo Butantan, foram impactadas por atrasos na chegada da matéria-prima, o ingrediente farmacêutico ativo (IFA). Além disso, o Brasil não pode contar com 47 milhões de doses da Sputnik V porque não houve aprovação da Anvisa. A agência aguarda documentos do Instituto Gamaleya para retomar o processo de avaliação do imunizante russo. Até o momento, o Brasil recebeu 46,7 milhões de doses da Coronavac, 35,4 milhões da AstraZeneca e 1,6 milhão da Pfizer/BioNTech.