Desde o início da vacinação em Belo Horizonte, no dia 18 de janeiro, até o fim da última semana (13 de maio), a prefeitura recebeu 301 denúncias sobre possíveis irregularidades na campanha – uma média de 2,6 por dia. A maioria delas (228) refere-se a supostos fura-filas, mas usuários também registram outros transtornos, como falhas no atendimento nos postos de saúde.
Trabalhadoras da campanha em BH ponderam que orientações incertas da prefeitura, na perspectiva delas, e a complexidade das orientações do Plano Nacional de Imunizações (PNI) abrem brechas para irregularidades. Uma técnica de enfermagem que atua com vacinação há 26 anos em BH e pediu para não ser identificada conta que os profissionais têm tido incertezas sobre quem pode se vacinar e em que locais as vacinas estão disponíveis para cada grupo.
“A orientação no site da prefeitura deixa dúvidas até para a gente. Ela coloca que pessoas que trabalham nos laboratórios podem ser vacinadas como trabalhadoras da saúde, por exemplo. Mas chegou uma menina aqui com a carteira assinada como operadora de telemarketing querendo se vacinar. A chefe dela disse que a pessoa trabalha no segundo andar de um laboratório e passa pelo hospital. A pessoa vai em um posto, ouve um ‘não’, e vai tentando se vacinar em outros. Às vezes, no cansaço e pelo processo burocrático, o profissional deixa passar. Em alguns momentos, o PNI é mais um complicador, porque a descrição das comorbidades, por exemplo, é difícil de interpretar”, relata.
Outra técnica, com 20 anos de experiência na vacinação, destaca que o treinamento dos profissionais que estão atuando na campanha deveria ser reforçado pela prefeitura. “Parece que estou contra o trabalhador, mas não estou. Um treinamento técnico e humanizado é necessário. Um dia, recebemos um usuário que foi em outro centro de saúde e não tinha motivo para não ser vacinado, mas, por falta de informação, o posto o enviou para o nosso. Por outro lado, tem quem se vacine sem o critério necessário”, diz. Por meio de nota, a prefeitura afirmou que os profissionais que atuam na vacinação receberam treinamento e que “reforça as orientações aos profissionais de saúde”, sempre buscando “a qualidade e a segurança nos atendimentos”.
Mesmo conseguindo se vacinar, há relatos de pessoas que passam por embates até receber a dose. A aposentada Creusdete dos Santos, 66, conta que foi a um posto de saúde na última terça-feira (18), data marcada para receber a segunda dose já atrasada da Coronavac, e foi informada de que não poderia se vacinar naquele dia e que receberia uma ligação “se sobrasse”.
“Quando fui lá, elas desconversaram. Para mim, é má-fé com os idosos. Trabalho de manhã, tive que mudar o horário do serviço e trouxe minha sogra às 11h no posto”, diz a nora de Creusdete, a artesã Elaine de Souza, 43, que formalizou denúncia à PBH e disse ter recebido o retorno de que o caso seria averiguado. À reportagem, a prefeitura alegou que a informação da idosa não correspondia à atendida naquele dia, o que é descartado por Creusdete e sua nora.
Escassez de vacinas
A presidente do Conselho Municipal de Saúde, Carla Anunciatta, que representa os usuários na entidade, diz que problemas nos postos de vacinação são pontuais e que o cerne das dificuldades na vacinação é a escassez de imunizantes em todo o país. “Esses casos (de possíveis irregularidades) são a exceção, não a regra. O governo federal é que deveria ter reservado e distribuído vacinas em tempo hábil”, diz.
O epidemiologista e consultor científico de vacinas do laboratório Hermes Pardini, José Geraldo Ribeiro, concorda: “Como a prefeitura vai fazer um planejamento se não sabe quando e quantas vacinas vai receber?”, pondera.