Em 2018, enquanto a Igreja Mundial do Poder de Deus enfrentava quase dois anos de cobranças judiciais por aluguéis atrasados de um templo em Cotia (SP), seu fundador, Valdemiro Santiago, gastava R$ 12 milhões em um avião particular. Este episódio, embora tenha ocorrido há seis anos, continua a ser um símbolo das controvérsias que cercam a instituição.
A Igreja Mundial atravessa sua pior crise financeira, com dívidas e uma enxurrada de processos judiciais. Um levantamento exclusivo do UOL revela que, só no estado de São Paulo, a igreja enfrenta pelo menos 686 ações de cobrança, a maioria por inadimplência nos aluguéis de seus templos.
A crise e a confusão de patrimônios
Nos processos, é comum a dificuldade dos credores em receber os valores devidos. Em muitos casos, os juízes identificaram indícios de confusão entre os bens pessoais de Valdemiro Santiago e os da igreja, levando a crer que a instituição oculta seus patrimônios em nome do fundador para dificultar a satisfação dos credores.
“É irretorquível a confusão decorrente da ausência de separação de fato entre os patrimônios”, declarou o desembargador Guilherme Ferreira da Cruz em janeiro de 2023. “Tudo leva a crer que a executada [a Igreja] oculta seu patrimônio na pessoa do réu [Valdemiro]”, corroborou o juiz Armando da Silva Júnior em agosto de 2022.
A defesa de Valdemiro Santiago
Valdemiro Santiago nega veementemente qualquer confusão entre seus bens pessoais e os da igreja, afirmando que não possui mais ligação com a administração da Mundial, atuando apenas como fundador e prestador de serviços espirituais. Atualmente, a presidência da igreja é ocupada pelo bispo paraense Roberto Santana da Silva.
Apesar das declarações, a quebra do sigilo bancário de Valdemiro em 2021, autorizada pela juíza Mônica Di Stasi, revelou movimentações financeiras que sugerem o contrário. Em um dos casos, a igreja pagou uma dívida de cerca de R$ 55 mil antes que a medida fosse concretizada, levando ao encerramento do processo.
Um patrimônio luxuoso
Apesar da crise financeira da igreja, Valdemiro Santiago mantém um estilo de vida luxuoso. Em 2020, seu salário líquido mensal foi de R$ 100 mil, e ele encerrou o ano com um patrimônio avaliado em R$ 21 milhões. O Ministério Público Federal listou diversos bens em nome do pastor, incluindo lanchas, motos aquáticas, e o avião de R$ 12 milhões comprado pela Intertevê Serviços Ltda., empresa da qual é sócio junto com sua esposa, a bispa Franciléia de Oliveira.
A propriedade de Valdemiro se estende a seis empresas, mais quatro filiais, abrangendo produção televisiva e musical, táxi aéreo e locação de aeronaves. Sua família também está envolvida nos negócios, com a esposa e a filha, Raquel Santiago, figurando como sócias.
Dívidas e ações judiciais
A igreja enfrenta inúmeros processos por inadimplência, incluindo uma ação da Prefeitura de Ilhabela por não pagamento de IPTU de uma mansão usada por Valdemiro. Em fevereiro de 2023, foi firmado um acordo para pagamento da dívida de R$ 349 mil, que corrigida, chegou a R$ 2,5 milhões.
A estratégia de não pagar aluguéis é recorrente, conforme relatos de ex-integrantes da igreja. A orientação vinha dos líderes regionais e bispos, que priorizavam o envio de todo o dízimo arrecadado para São Paulo, principalmente para pagar transmissões televisivas.
A “Igreja Fantasma”
Diante das inúmeras ações judiciais, a igreja passou a usar um CNPJ diferente para receber doações, registrado sob o nome “Mais que Vencedores”. Advogados de credores alegam que essa instituição foi criada para evitar a penhora de bens durante as cobranças.
A reportagem do UOL tentou entrar em contato com a Mundial e Valdemiro Santiago para obter comentários sobre as dívidas e as acusações, mas não obteve resposta. Nos processos, Valdemiro afirma não ser responsável pelas dívidas da igreja, classificando-se apenas como um prestador de serviços espirituais.
A resposta da igreja
Mesmo com a troca de presidência, Valdemiro Santiago continua sendo a principal voz da Igreja Mundial do Poder de Deus. A instituição segue enfrentando novas ações judiciais, com três processos abertos por credores somente na primeira quinzena de junho de 2023.
A situação da Igreja Mundial do Poder de Deus evidencia um complexo cenário de confusão patrimonial e gestão financeira questionável, que continua a desafiar a credibilidade e a estabilidade da instituição.