O home office se tornou realidade para cerca de 9% dos trabalhadores brasileiros, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Homens e mulheres passaram a exercer suas funções dentro de casa para evitar a transmissão da Covid, mas o impacto da nova realidade laboral é diferente para os dois gêneros.
De acordo com um levantamento feito pela empresa de recrutamento Catho com 6.000 profissionais, 92% das mulheres que estão em home office também são as responsáveis pelo cuidado do filhos.
Ou seja, a maioria dessas trabalhadoras tem de conciliar as demandas da atividade remota com o estudo, a alimentação, a higiene e outras questões das crianças.
Essa é uma realidade vivenciada pela educadora Verônica D’Angeles, 44, mãe de Vinícius, 7, e Murilo, 8. O marido dela, Leandro, também está em home office e divide as tarefas de casa, mas as decisões sobre todos os detalhes da rotina recaem sobre ela.
“Mesmo que os homens sejam muito parceiros, o trabalho tende a ser maior entre as mulheres, pois administramos a casa e as questões familiares. E isso gera um cansaço muito grande”, conta Verônica.
Segundo ela, é difícil se concentrar plenamente no trabalho quando se está em casa: “A gente se divide muito e acaba não se dedicando 100% a nada. Quando um professor está na escola, está focado no trabalho. Mas, em casa, tem que dividir a atenção”.
Um estudo do Fundo Monetário Internacional ratificou que as mães de filhos pequenos foram desproporcionalmente afetadas pelo fechamento de atividades econômicas, especialmente as escolas.
Além disso, um trabalho da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, das Nações Unidas, apontou que a pandemia regrediu em dez anos a participação das mulheres no mercado de trabalho na América Latina.
Sem ter com quem deixar os filhos, muitas são obrigadas a ficar em casa, encontrando formas informais para manter os recursos.
A questão de gênero imposta pelo home office fica mais clara ao se observar uma família homoafetiva.
Carine Rocha, 33, que trabalha como analista de prevenção da fraude em um banco digital, afirma dividir de forma completamente igual todas as tarefas com a mulher, Renata.
As duas estão em home office desde março de 2020 e se dividem nos cuidados das filhas, de 6 e 12 anos.
“Antes, nosso contato com as meninas acontecia com mais intensidade no fim de semana. Agora, é o tempo todo. É muito desafiador, mas sabemos que é um ganho para a família. Procuramos estar junto delas no dever de casa ou na hora do almoço, por exemplo”, relata Carine.
Especialista em diversidade, a palestrante Tânia Chaves afirma que as mulheres em home office têm demonstrado dois perfis: as que estão felizes em poder ver a evolução dos filhos, mesmo que isso exija grande carga de cansaço, e as que não sentem qualidade no tempo em que estão com as crianças – justamente por causa do estresse gerado pelo teletrabalho.
“Muitas vivem a dicotomia. Por um lado, é bom estar perto, mas, por outro, há uma dúvida sobre a qualidade no tempo compartilhado”.
Depoimentos
Fernanda Aparecida dos Reis, 39. Artesã e mãe de Raul, 7 anos, e Marcus, 8, ela disse que a pressão é grande.
“Quando você é um corpo só, você come qualquer coisa. Mas criança, não. Ela quer o leite dela. Quer o achocolatado, os biscoitos. Não adianta explicar: ‘Meu filho, eu não tenho tempo’. Então, tenho que me virar. Só penso se vou dar conta, o que posso fazer, o que posso vender. Teve equipamento meu de trabalho que comprei por R$ 500 e vendi por R$ 200 na hora do aperto. Minha maior dificuldade é sobre a demanda que eu tenho e como vou dar conta dela. A pressão psicológica é imensa. Não tem segunda opção, porque pessoas dependem de você. E tenho que dar conta por mim também, porque eu também preciso me alimentar. E não tenho uma segunda opção”, relata.
Karen Souza Brito, 31. Bancária, mãe de Guilherme, 9 anos, Matheus, Arthur e Gustavo, trigêmeos de 6 anos, ela faz dupla jornada.
“Agora, trabalho na parte da tarde, em home office, e, pela manhã, fico em casa cuidando das tarefas domésticas. Acabo gostando de interagir mais com eles. Pude ficar mais próxima, e, agora, eles ficaram mais sob meu controle, especialmente sobre a alimentação. Antes, a gente se via de manhã e depois só 18h. Agora, está sendo um momento de poder acompanhar mais a rotina deles. Mas não tem sido fácil. Às vezes, estou no telefone com cliente e tenho que avisar: estou em home. Já aconteceu de estar ao telefone e um filho quebrar um copo perto de mim. Está sendo aprendizado muito grande para todos, mas, para mãe dentro de casa, é um serviço dobrado”.
Nayara Ventura, 31 anos. Tatuadora e motorista de aplicativo, mãe de Letícia, 12 e, Eduardo, 5, ela se reinventou:
“Eu acho que não tem uma mãe que não pifa. Porque a gente é ser humano. Eles dizem que a mãe deve ser perfeita. Mas isso não existe. A mãe não vem com manual de instrução. Tem dia em que meu marido fala: “Acorda, vamos lá”. Às vezes, o físico está cansado, e o emocional cansa demais. Não tenho mais a preocupação de levar e buscar menino na escola, mas são outras preocupações que vêm. Como exemplo, meu filho passou mal dia desses. Fiquei louca, pensei: ‘Pegou Covid’. Qualquer coisa me deixa alerta. Essa é uma das preocupações que tenho hoje, fico com medo de trazer (o vírus). Penso: ‘E se eu pegar isso e morrer? E se deixar faltar algo para os filhos?’”.