Especialistas ouvidos pelo Terra observaram mudança na dinâmica do debate com a ausência do ex-presidente Lula, mas sem foco em propostas
Cientistas políticos apontaram as candidatas Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) como destaques do debate presidenciável realizado neste sábado, 24, pelo Terra em parceria com SBT, Nova Brasil, Estadão/Eldorado e Veja.
O candidato Padre Kelmon (PTB), por outro lado, foi apontado como exemplo de mal desempenho no debate. O motivo foi o que analistas chamaram de postura “vergonhosa”, como um “cabo eleitoral explícito” do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
Além dos candidatos já mencionados, participaram do encontro Ciro Gomes (PDT) e Felipe D’Avila (Novo). O ex-presidente Luiz Inácio Lula do Silva (PT) foi convidado, mas alegou compromissos de campanha e não compareceu, o que impactou a dinâmica do debate, analisam ainda os especialistas.
Destaques positivos e negativos
Para o cientista político e professor da FGV Eduardo Grin, a candidata Simote Tebet teve a melhor performance do debate ao fazer perguntas sobre fome, desemprego, inflação e a merenda escolar.
“Acho que Simone Tebet mais uma vez mostrou-se muito contundente, muito assertiva nas perguntas. Ela fez perguntas de questões sérias hoje no Brasil e tem um foco muito claro que é falar com a mãe brasileira, com as pessoas pobres e que passam muita dificuldade. Acho que ela conseguiu acertar bem na agenda dos temas que abordou”, avaliou, em conversa com o Terra.
Já com relação ao pior desempenho da noite, o especialista apontou Padre Kelmon. Grin classificoou como “atuação vergonhosa” a participação do candidato do PTB.
“Candidato que saiu do nada, atuando não como linha auxiliar do Bolsonaro, mas como um cabo eleitoral explícito”, afirmou, acrescentando que a postura do candidato pode até prejudicar Bolsonaro, por indicar que havia um “jogo combinado” entre os dois.
Risco também de Bolsonaro perder votos do eleitorado feminino. Apesar de bastante orientado pela sua campanha, ele mais uma vez atacou Tebet e Thronicke durante o debate.
“A segunda questão, que fica claro no discurso de Bolsonaro, é com quem ele quer dialogar para tirar votos do ex-presidente Lula: os pobres que vivem no Nordeste”, acrescenta.
Segundo o cientista político, por esse motivo o presidente enfatiza tanto o Auxílio Brasil, ao comparar o valor da renda com o do Bolsa-Família e ao afirmar que seu governo é o que mais ajudou os pobres.
“Bolsonaro se deu conta que não vai ganhar a eleição com eleitor acima de dois salários mínimos. Ele precisa tirar o voto de Lula. Então, nesse sentido acho que ele buscou esse tipo de diálogo, mas, a meu juízo, não é convincente, porque as pesquisas dizem e seguem mostrando que a população sabe que ele fez esse tipo de política para fins eleitoreiros. O debate era talvez uma das últimas oportunidades para ele tentar colocar algo novo pra reverter uma tendência de voto que lhe é muito desfavorável”, analisa.
Ausência de Lula altera dinâmica
Segundo Eduardo Grin, não é incomum que presidenciáveis que disputam as eleições no Brasil faltem a debates. Fernando Henrique fez isso, Lula também já fez isso, assim como Collor e Bolsonaro em 2018.
“E é normal que todos os presidentes apanhem, digamos assim, na ausência do debate. Lula hoje mais uma vez teve essas críticas”, observa.
O cientista político afirma que a presença do ex-presidente seria importante para que se mostrasse disponível para alguém que pode vir a ocupar um cargo público. No entanto, pondera Grin, é essencial avaliar por dois prismas.
Um desses lados é o que chamou de “cálculo político pragmático”.
“Nesse momento, com a dianteira que ele está nas pesquisas, sabendo que seria a principal vidraça para apanhar e sabendo que a sua ausência também seria criticada, fez-se um cálculo de perdas e ganhos e por alguma avaliação política, a coordenação de campanha julgou que aqui seria mais prejudicial do que benéfico”, analisa.
Além disso, o especialista aponta que, no debate da Band, Lula não conseguiu responder de maneira assertiva perguntas sobre corrupção colocadas pelo presidente Bolsonaro.
“O que temos que avaliar agora é se os outros candidatos vão usar as imagens do debate do púlpito vazio e das suas falas contra o Lula na TV; se a estratégia de Lula foi correta ou se os candidatos conseguirão usar isso em seu favor”.
Debate teve corrupção como foco
O cientista político Fábio Pereira de Andrade afirma ao Terra que, em seu ponto de vista, o tema predominante no debate contraria as expectativas do público. Para ele, os eleitores não querem só saber sobre corrupção, mas gostariam de ouvir propostas.
“Estamos em um cenário que, mesmo que a inflação esteja em queda, ela é alta. Em que mesmo que esteja se recuperando na criação de emprego, a renda do brasileiro é baixa”.
Segundo Andrade, apesar do cenário econômico preocupante do País, não foram apresentadas propostas para enfrentar essa situação. Assim como Eduardo Grin, o cientista político também criticou a postura de Padre Kelmon. “Um candidato que claramente veio para ser linha auxiliar na pauta dos costumes, da moral e do aborto”, diz.
Por outro lado, o destaque positivo para o especialista foi Soraya Thronicke.
“Ela se comunicou de uma maneira muito desenvolta, com figuras de linguagem muito populares, provocando risos aqui e, acredito, em quem estava assistindo também. Será suficiente para atrair votação? Não, mas a política não acaba em 2022. Então, temos políticos jogando para 2026. Ciro Gomes também pode impressionar, mas acho que ele tem dificuldade de criar vínculos com os populares”, avalia.
Sem tom agressivo
A cientista política Juliana Fratini destaca que o debate não chegou a ser agressivo e os candidatos agiram de forma correta ao cobrar a presença de Lula na discussão. No entanto, faltou ao debate propostas para temas caros ao brasileiro, como saúde e segurança pública, além de agronegócio.
“Temas ecológicos também não ouvimos falar, e é um dos mais importantes em relação ao Brasil, já que o País está no olho internacional”, acrescenta a especialista, que também chama a atenção para os ataques ao feminismo e a importância de se discutir igualdade de gênero.