O que ocorrerá no dia seguinte à votação do impeachment? A segunda (18) será de reações nos mercados, seja qual for o resultado, mas o desfecho da crise política e econômica levará mais tempo, prevê Christopher Garman, 45, diretor da Eurasia.
Consultado por todos os grandes bancos, consultorias e multinacionais que operam no Brasil, ele prevê que Dilma não terminará o mandato, mesmo que sobreviva à votação deste fim de semana.
Apostar em nova eleição, diz ele, é admitir um aprofundamento da recessão atual, uma piora tamanha que levaria o TSE a decidir pelo cancelamento da eleição de 2014.
Folha – Vocês estimam que haja 60% de chance de impeachment. Como calculam isso?
Christopher Garman – É uma maneira de comunicar aos clientes o grau de confiança que temos em um evento; 60% significa que é um evento provável, mas que ainda assim não é fácil antecipar.
Vocês contam votos?
Temos uma pessoa no Congresso que conversa com parlamentares todos os dias. Recebemos avaliações dos dois lados, mas não fazemos contagem. Optamos por não fazer, porque é difícil mensurar a propensão à traição.
O resultado da votação dependerá das expectativas de sobrevivência deste governo. Se houver a percepção de que há caminho de sobrevivência, a barganha que o governo faz com o “centrão” tem mais êxito e, assim, se consegue costurar uma coalização anti-impeachment razoável.
Mas, se a expectativa é que o governo vai cair cedo ou tarde, o valor que se está prometendo em cargos é menor.
Acompanhamos as variáveis que influem nesse jogo de expectativas: a Lava Jato, o êxito da narrativa de Lula em dizer que vai salvar este governo, as manifestações populares. A batalha está aí.
O que ocorrerá na segunda (18), com ou sem impeachment?
O ambiente político ainda estará muito polarizado.
A Lava Jato terá muitos capítulos, com potencial de chegar a uma parcela relevante da classe política. Isso mina as condições de governabilidade independentemente do resultado. Ao mesmo tempo, temos uma crise econômica que tende a se aprofundar no mercado de trabalho.
Dito isso, as repercussões e as expectativas serão diferentes em cada um dos cenários.
Se o vice Michel Temer vier a assumir a Presidência temporariamente –não ocorrerá na segunda, porque depende de votação no Senado–, isso gerará expectativa muito positiva no mercado financeiro.
O preço dos ativos se valorizará e haverá a expectativa de que uma nova equipe econômica terá políticas mais amigáveis ao mercado e possa entregar ajuste e reformas.
Um governo Temer escalará boa equipe econômica, mas terá dificuldades em entregar reformas estruturantes. Não só pelo fato de o PT se tornar oposição mas também por causa da Lava Jato. O PMDB tem passivo grande na Lava Jato, como o PT.
Um governo Temer poderia ser bem-sucedido em uma agenda microeconômica, em temas como o pré-sal, reforma das estatais e a autonomia do Banco Central. Essa agenda não enfrenta resistência.
A que enfrenta é a de reformas que reduzem benefícios, porque vai contra as expectativas da nova classe média, por mais serviços e gastos públicos. É difícil esperar grandes avanços de um governo não eleito.
E se Dilma vencer?
Vamos ter um dia ruim no mercado, desvalorização do real e da Bolsa e uma grande incerteza sobre por quanto tempo a crise política pode durar. Um novo pedido de impeachment não virá rápido, e os olhos se voltarão ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A Lava Jato ganhou massa crítica, e as evidências podem levar o TSE a chamar novas eleições. Caso isso não seja bem-sucedido, outro pedido de impeachment pode vir. Achamos que Dilma não termina o mandato.
Dilma pode superar a crise?
Se ela sobreviver e terminar o mandato, será um cenário em que o governo na prática será liderado pelo ex-presidente Lula. Ele tem mais capital político para fazer uma repactuação para o centro. Mas não achamos que vá ser bem-sucedido. A Lava Jato continua, e a crise econômica se aprofunda.
A culpa da crise é só da Dilma?
Decisões na gestão econômica fragilizaram esse governo. O primeiro mandato de Dilma bateu de frente com o setor privado, com uma gestão econômica altamente intervencionista. Isso foi minando as pontes com o setor privado e o ambiente para novos investimentos. A crise fiscal se agravou com isso.
Mas existe um componente estrutural. Os gastos públicos vêm crescendo como proporção do PIB desde o governo FHC e foram cobertos pelo aumento de receita. Quando se entra em um período recessivo, há descompasso entre gastos e receitas.
O desequilíbrio estrutural apareceria, mas foi exacerbado pela má gestão.
Eu diria o mesmo da crise política. O governo tinha uma interlocução com o Congresso muito fraca. Dilma é uma uma tecnocrata que chegou à Presidência porque outras lideranças do PT foram decapitadas pelo mensalão. Ela pecou por não costurar alianças, ter baixa lealdade com as lideranças políticas, e isso lhe tirou poder de ação quando as coisas ficaram difíceis.
Qual a chance de uma radicalização à esquerda de Dilma?
É improvável. Um micropopulismo, como baixar o preço da gasolina, é possível, mas é difícil o governo abandonar a convicção fiscal por inteiro porque isso levaria a um ambiente de piora das expectativas de inflação, câmbio desvalorizado, preocupações sobre a dinâmica da dívida, e isso entra numa espiral ruim e pode fragilizar o seu governo. Ela não sobrevive a uma radicalização.
Qual seria a saída desejável para curar a crise política e retomar a economia?
Ter nova eleição seria mais salutar a médio prazo. Mas pressupõe uma crise mais longa, pois só ocorreria após uma recessão mais profunda. A crise econômica e política chegaria a tal ponto que o TSE seria levado a chamar nova eleição.
A tendência é o tribunal não querer tomar essa decisão, cancelar uma eleição é uma decisão dramática. Então, se isso ocorrer, será porque a classe política e econômica vê na eleição a única saída. Uma nova eleição significa que a situação terá de piorar nos próximos quatro, cinco meses.
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RAIO X
Christopher Garman, 45
Cargo
Diretor da Eurasia, consultoria global de risco político (desde 2006)
Formação e carreira
Trabalhou na consultoria Tendências (2001-06). Pós-graduado pela Universidade da Califórnia (EUA)