Quando, em junho do ano passado, o empresário e ex-apresentador de TV Donald Trump, 70, desceu a escada rolante da Trump Tower (seu QG em Nova York) para anunciar que estava entrando na corrida à Casa Branca, poucos o levaram a sério.
Na madrugada desta quarta (9), ele se tornou o 45º presidente dos Estados Unidos, após derrotar a ex-secretária de Estado Hillary Clinton e derrubar a maioria das pesquisas que, até a linha de chegada, o pintavam como uma zebra.
Trump derrotou praticamente todo o establishment americano, a começar por caciques do seu próprio partido. Prevaleceu sobre uma rara união entre empresários, artistas e intelectuais renomados, além de grandes veículos de mídia, que deram apoio à democrata Hillary Clinton.
O empresário será o primeiro presidente dos EUA sem uma carreira política e o mais velho já eleito.
A confirmação da vitória veio com as projeções de vitória do republicano nos Estados da Pensilvânia e de Wisconsin, por volta das 5h30 (horário de Brasília). Às 6h45, Trump tinha 288 votos no Colégio Eleitoral, segundo projeção da CNN, contra 215 de Hillary. A votação nos EUA é indireta; entenda aqui como funciona.
Antes mesmo de anunciado o resultado final, frente ao bom desempenho do republicano, o nervosismo ganhou força nos mercados mundiais.
Na Ásia, as Bolsas tiveram perdas agravadas com o avanço de Trump. Às 6h45 (horário de Brasília), Tóquio tinha queda de 5,36% e Hong Kong, de 2,16%.
O México, tradicional parceiro americano, também foi castigado. O peso (moeda local) caia 10,2%, um tipo de queda que não era visto desde a crise global de 2008. O temor é que a chegada de Trump ao poder dê fim ao acordo de livre-comércio com o país.
Os mercados futuros americanos (espécie de espelho sobre como as Bolsas dos EUA vão reagir pela manhã, quando as operações tiverem início) recuaram com força. O índice futuro do S&P 500, que engloba 500 grandes empresas americanas e, portanto, é um bom indicador da maior economia mundial, recuava 4,5%.
A virada de Trump começou com a apuração dos votos em alguns dos Estados-chave da costa leste do país, que apareciam como mais disputados nas pesquisas, ainda que com alguma vantagem para Hillary.
A surpresa começou com Trump à frente na Flórida e na Carolina do Norte, dois dos Estados em que os candidatos fizeram campanha mais intensamente nas últimas semanas.
Logo depois, o republicano abriu vantagem sobre a democrata em Ohio, Estado essencial para que ele abrisse caminho para a vitória.
Mesmo derrotada, Hillary poderia ainda superar Trump no voto popular, algo possível no sistema eleitoral americano, que prioriza o Colégio Eleitoral. É algo raro, mas que já aconteceu quatro vezes em eleições presidenciais dos EUA, a última em 2000, quando George W. Bush teve menos votos populares que Al Gore, mas foi derrotado no Colégio.
No hotel em Nova York onde foi preparada a festa da vitória republicana, a poucas quadras do Trump Tower, o clima era de velório no início da noite, quando as primeiras projeções negativas sugeriam vitória de Hillary.
Aos poucos, porém, a euforia foi tomando conta do ambiente, à medida que a contagem dos votos em Estados importantes como Flórida e Ohio indicava que o bilionário estava no caminho da vitória.
Um dos convidados da festa, o produtor de TV Alan Sands, 54, era um dos que se agarravam a cada número positivo. “Vamos ganhar com o voto de americanos que jamais foram às urnas e se sentiram inspirados por Trump”, disse. A uma possível vitória de Hillary Clinton, ele reagiu com uma careta: “Jamais a chamaria de presidente”.
O primeiro sinal mais forte de que a confiança havia tomado conta do campo trumpista surgiu com a chegada ao evento do ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani, que apareceu com um sorriso triunfante quando a apuração ainda estava indefinida. “É uma grande noite”, disse Giuliani, que foi um dos mais ferozes defensores de Trump e está cotado para ser ministro da Justiça no próximo governo.
Diferentemente do ato de encerramento da campanha de Hillary, que foi aberto a seus eleitores, a festa da vitória de Trump foi fechada para convidados. “É um evento íntimo para amigos”, explicou à Folha um assessor da campanha no início da noite, dando a impressão de que não havia no lado de Trump confiança suficiente na vitória que justificasse algo maior.
AGRESSIVIDADE
O desfecho das eleições premia uma das campanhas mais agressivas e não convencionais da história, e a ambição de um empresário que nasceu em berço de ouro, multiplicou sua fortuna entre vários negócios controversos e venceu na política explorando ao máximo a frustração do público com a política tradicional.
Mais velho candidato já eleito para a Casa Branca –Ronald Reagan tinha 69 anos quando assumiu, um a menos que ele–, Donald Trump venceu prometendo mudança e vendendo-se como o forasteiro político capaz de desafiar um sistema corrupto que tem na veterana Hillary Clinton seu maior símbolo de decadência.
“Hillary trapaceira” foi o apelido com que se referiu à ex-secretária de Estado durante toda a disputa, encontrando ressonância num público que a via como a imagem da desonestidade.
Sua ascensão improvável desafiou o consenso entre os analistas de que não chegaria longe devido à inexperiência na política, às promessas vagas e ao linguajar vulgar. Mas ele foi hábil em usar o repúdio a seu favor, afirmando que era mais uma prova de que incomodava um establishment temeroso de mudanças.
Nem a guerra civil gerada em seu partido, que gerou o movimento “Nunca Trump” deteve o empresário, que derrotou 16 pré-candidatos para se tornar o candidato republicano mais votado na história das prévias da legenda.
Na reta final, sua campanha parecia ter afundado, depois da divulgação de um vídeo de 2005 em que usava linguagem vulgar para se referir às mulheres e sugerir que podia fazer o que quisesse com elas por ser famoso.
“Pegue-as pela xoxota”, disse ele na gravação, causando indignação e choque em boa parte do público.
O naufrágio de sua candidatura continuou depois que uma dúzia de mulheres o acusaram de assédio sexual, o que o bilionário negou, afirmando que elas eram trapaceiras a serviço de Hillary.
Mas o empresário que baseou sua campanha no slogan “Faça a América grande novamente” deu a volta por cima, contando com o apoio de uma legião fiel de seguidores e de eleitores ocultos que passaram a perna nas pesquisas.