Cuparaque. Cuparaque é daqueles municípios que cabem nos versos do poema “Cidadezinha Qualquer”, de Carlos Drummond de Andrade: “Um homem vai devagar. / Um cachorro vai devagar. / Um burro vai devagar. / Devagar… as janelas olham.” Nas ruas de calçamento, a vida parece não ter pressa de acontecer. Mas basta uma conversa com os moradores para perceber que, apesar de eles gostarem da tranquilidade, não hesitariam em trocá-la pela agitação de uma cidade grande dos Estados Unidos, por pelo menos alguns meses, se fosse para melhorar de vida e, principalmente, dar um futuro digno para os filhos.
“Quem está bem de vida aqui hoje é porque já trabalhou nos Estados Unidos. Dificilmente alguém fica rico só aqui na cidade”, diz uma moradora de 29 anos que prefere não ser identificada. Ela trabalha em um supermercado que pertence à sogra. O desejo de ir para o exterior, juntar dinheiro e voltar é o que mais faz com que os moradores saiam da cidade, mesmo que isso signifique arriscar suas vidas nas mãos de atravessadores.
“A maioria das pessoas não consegue o visto”, afirma a fiscal da vigilância sanitária Joelma Rosa, 32, explicando o porquê de muita gente optar pela imigração de forma ilegal.
Conseguir um futuro mais confortável para os três filhos foi o que motivou Jaene Silva de Miranda a deixar o país. Recém-separada, sua fonte de renda girava em torno de R$ 400 mensais – que ela conseguia dando faxina na igreja católica de Cuparaque. “A Jaene sempre foi uma pessoa muito bem conceituada na comunidade e ajudava na igreja. E ela veio trabalhar devido a sua separação”, comenta o pároco da cidade, Valdenir Souza Coutinho.
“O ser humano sempre busca o sonho, o ser humano vive do sonho. Ainda mais pessoas que vivem em situações precárias, como é em Cuparaque. Então, devido a esse sonho, acredito que ela planejou uma vida melhor para os filhos. Inclusive, a grande motivação dela para ir para os Estados Unidos foi o desejo do filho mais velho de estudar e trabalhar lá”, avalia o padre.
Mas Jaene despertou do sonho quando foi detida nos Estados Unidos e separada dos três filhos. Assim como aconteceu com Wagna Rodrigues, 35, que atravessou a fronteira internacional com o filho de 9 anos.
Segundo a professora do menino, que pediu para não ser identificada, Wagna contou a ela que almejava um futuro melhor para a criança. “Ela só me contou que sairia do Brasil um dia antes da partida, no fim de maio”, disse a professora. “O Arthur mesmo não sabia, a mãe tinha falado que eles fariam um passeio”, afirma a educadora.
Por causa disso, a educadora registrou o dia da partida de Arthur em selfies que ela mostra no celular. “Ele gostava muito de matemática, é muito inteligente. Se ele não tivesse ido, faria o papel principal de uma peça que estou montando”, conta, emocionada.
Itamaraty
Ações. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil está atuando para identificar as crianças, estabelecer contato entre elas e os pais, averiguar os abrigos e reunir as famílias separadas.
Esquema “cai-cai” ficou pior
Os moradores de Cuparaque que tentam entrar ilegalmente nos Estados Unidos preferem o esquema “cai-cai”, que é “mais barato” e confortável, mas, desde que Donald Trump assumiu a Presidência, a estratégia para alcançar o sonho ficou mais complicada e sofrida.
“No cai-cai, nós pegamos um avião e somos levados de carro até a fronteira pelo coiote”, explica Joelma Rosa, 32, fiscal de vigilância sanitária. Quando chegam aos EUA, os pais apresentam-se à polícia e entregam os filhos. Como no país menores não podem ser deportados imediatamente, os adultos vão para um centro de detenção e, depois de pagarem fiança, saem de lá com os filhos.
Com a política adotada por Trump, porém, os imigrantes ilegais passaram a ser entregues à Justiça para responder por processo penal e encaminhados para prisões federais, e os filhos, para abrigos. A política, entretanto, caiu por terra na última segunda-feira devido à falta de recursos. Mas o cônsul geral adjunto do Brasil em Houston, Felipe Costi Santarosa, explica que a suspensão do decreto não mudou muita coisa na prática. “Daqui para frente, as famílias não serão mais separadas, mas não está muito claro como será com os que já foram distanciados. Estamos trabalhando nisso, mas o governo norte-americano não apresentou nenhum plano”, analisa.
Para tentar chegar aos Estados Unidos pelo esquema “cai-cai”, os moradores de Cuparaque pagam cerca de US$ 13,5 mil (aproximadamente R$ 54 mil na cotação de sexta-feira). Outra opção é atravessar a fronteira pelo deserto ou a nado, pagando algo em torno de US$ 22 mil (cerca de R$ 88 mil).
Brasileiras foram liberadas no Texas
Anteontem, 18 das 21 mulheres brasileiras detidas em um centro para famílias imigrantes no Texas, fronteira entre Estados Unidos e México, já haviam sido liberadas. Elas estavam acompanhadas dos filhos – um total de 24 crianças. A informação é do cônsul-geral do Brasil Felipe Santarosa.
As outras três mulheres continuam presas, aguardando avaliação sobre sua situação legal, enquanto há pelo menos outras 58 crianças brasileiras apreendidas em todo o país, de acordo com o Itamaraty. Essas mulheres são de Governador Valadares e região, no Rio Doce, e estão, cada uma, com pelo menos um filho.
A liberação das 18 mulheres aconteceu após pedirem asilo em postos de imigração na fronteira.