Não há limite de idade para começar a empreender nem para encerrar o esforço de bancar a sobrevivência familiar por conta própria. O exemplo vem de Teresa Batista Silva Souza Santos, de 66 anos, 40 deles pilotando um carrinho de pipoca em frente a uma escola perto da casa onde mora, no Aglomerado Cidade Cristo Rei, em Montes Claros, no Norte de Minas. Um pequeno negócio que sempre alimentou uma numerosa família, hoje composta por seis filhos, 13 netos e uma bisneta, parte deles ainda dependente da renda de Teresa.
“Esse carrinho, pra mim, significa pai e mãe. Representa o sustento da minha vida e dos meus filhos”, afirma a mulher, que integra a fatia dos 7,3% dos empreendedores brasileiros de 65 anos de idade ou mais detectada pelo Sebrae em levantamento baseado nos últimos dados disponíveis da Pesquisa Nacional por Amostra por Domicílios Contínua (PNADC/2021) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pipoqueira de Montes Claros é também parte da legião de mulheres que mora em áreas carentes mineiras e vive do próprio negócio ou da prestação de serviços, cujo perfil foi traçado pela pesquisa “Empreendedorismo nas Favelas de Minas Gerais”, realizada pelo Sebrae Minas em parceria com o Data Favela /Instituto Locomotiva, como mostra a segunda reportagem da série “As vencedoras”.
De acordo com a pesquisa, 45% das mulheres empreendedoras nas favelas tem entre 30 e 45 anos, mas, segundo pesquisas, uma parcela crescente de idosos vem se lançando em negócios próprios para realizar sonhos acalentados desde a juventude. No caso de dona Teresa, entretanto, a atividade de pipoqueira complementa a renda por necessidade mesmo, marcando a continuidade de uma luta árdua iniciada muito cedo. Ela recebe aposentadoria de um salário mínimo (R$ 1.320 a partir deste mês), valor insuficiente para cobrir os gastos. “Se for viver somente da aposentadoria, a gente passa fome”, lamenta.
Para dona Teresa, a vida sempre foi uma batalha, marcada por sofrimento e superação. Integrante de uma família de 11 irmãos, dos quais cinco morreram antes de completar 5 anos de idade, ela nasceu na zona rural de São João da Ponte (Norte de Minas), onde começou a trabalhar na roça ainda pequena. Pegou na enxada nas lavouras, “ajudando os pais” – o que prejudicou os estudos. “Na época do plantio de arroz, a gente não ia para a escola”, relata. E mesmo depois do plantio, a frequência escolar era incompleta: “A gente ia para a escola uma semana sim, uma semana não. Não tive infância”.
Aos 11 anos, mudou-se para Montes Claros e começou a trabalhar em casas de família, fazendo serviço doméstico. “Vim trabalhar na casa dos outros para ganhar roupa. Também recebia uma remuneração, mas muito baixa. “Se o salário hoje em dia é R$ 1.300, eles me davam algo como R$ 200, só para dizer que estavam me dando (pagando). Aí, eu fazia uma feirinha e mandava pro meu pai, que nem sempre tinha como trabalhar, pois na época da seca quase não havia serviço pra ninguém”, recorda.
Aos 16 anos, Teresa se casou e, “querendo vencer na vida”, deixou o serviço doméstico. “Eu não estava aguentando mais trabalhar na casa dos outros. Era muito sofrido. Não era como hoje. Hoje em dia é melhor, a pessoa trabalha e tem a lei (trabalhista) que protege (o trabalhador). Antigamente, não tinha nada não. Teve casa onde trabalhei que nem comida tinha pra mim”.
O primeiro negócio próprio veio logo depois do casamento: a venda de cana descascada e cortada (em “rolete”) à beira de campos de futebol amador da cidade e no Ginásio Darcy Ribeiro (Praça de Esportes). Pouco tempo depois, passou a trabalhar com o carrinho de pipoca. E não faltaram dificuldades. “Meu carrinho era de madeira e nem vidro tinha”.
A moradora afirma que o suado dinheirinho que ganha com venda de pipoca ajuda a pagar todas as despesas de sua casa, incluindo alimentação e contas de água e luz. “Sei que não é muito, Mas todo pouco que a gente ganha é sagrado. A gente quer agradecer a Deus e tocar o barco pra frente”.
A dona do carrinho de pipoca continua ajudando os filhos já adultos. “Na época da pandemia (da COVID-19), todos meus filhos ficaram sem serviço e não arrumaram bicos nem nada. A única coisa de que eles se valeram foi junto comigo aqui e comer o que eu tinha para oferecer”, revela Teresa. Atualmente, ela cria três netas e uma bisneta, além de contribuir no sustento dos filhos. O marido dela mora em um pequeno sítio, no município de Capitão Enéas (na mesma região). “A pessoa tem que ter boa vontade e coragem para lutar e trabalhar. Se cruzar os braços e ficar esperando as coisas caírem do céu, não consegue nada”, ensina.