Um caminhão carregado de produtos piratas e drogas segue do Paraguai para o Brasil. Policiais civis do Paraná, que fica na fronteira entre os dois países, identificam a carga e comunicam a polícia de Minas Gerais, por onde o carregamento deve seguir, na já conhecida rota do contrabando e do tráfico de entorpecentes. Quando a carga chega ao Triângulo Mineiro, é facilmente apreendida em barreiras de fiscalização. Mas o crime não acaba aí. O produto é revendido pelos policiais para lucro próprio e proveito de organização criminosa formada justamente por eles, que deveriam coibir a ação de bandidos.
É assim que, segundo o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), funcionava o esquema que envolvia delegados, investigadores e escrivães da Polícia Civil do Triângulo Mineiro. Na quinta-feira (1), o Gaeco prendeu pela segunda vez o delegado Samuel Barreto, que na época dos crimes era o chefe do 9º Departamento de Polícia Civil de Uberlândia, responsável por 20 delegacias em uma área que tem quase 1 milhão de habitantes.
Além dele, foram presos também o investigador Guilherme Ferreira Guimarães e o advogado de Patrocínio, na mesma região, Rômulo de Oliveira Rezende. Todos já tinham sido detidos na primeira fase da operação Fênix, deflagrada em dezembro passado. Na ocasião, foram cumpridos 200 mandados de prisão preventiva contra 136 pessoas em Minas, Paraná e Mato Grosso. Entre eles estavam dez delegados, dois escrivães e 45 investigadores da Polícia Civil, além de sete advogados.
Em fevereiro, pelo menos dez policiais já tinham sido soltos. Mas o Gaeco recorreu na Justiça contra a liberdade provisória dos suspeitos, para que pudesse se manifestar nos autos, e a decisão foi anulada. “Ao todo, 29 denúncias compõem o processo. Contra o delegado Barreto, são duas denúncias de obstrução de Justiça e outros crimes. Para proteger seus colegas, investigações deixaram de ser realizadas”, afirmou o promotor e coordenador do Gaeco, Daniel Marotta.
Os crimes. Em uma das denúncias, a organização criminosa é acusada de apreender e se apropriar de uma carga de 4,6 toneladas (t) de maconha, além de colete à prova de balas, armas e munições. Pelo menos 1 t teria sido desviada e vendida por parte do grupo. “Samuel (delegado), mesmo ciente do desvio de parte significativa da droga apreendida, manteve-se completamente inerte, deixando de praticar atos próprios do seu ofício”, declarou o Gaeco.
Em outra denúncia, a organização criminosa é acusada de realizar investigações para que, na fase de apreensão e prisão dos envolvidos, fosse cobrada propina para que o inquérito fosse arquivado. A Polícia Civil declarou, em nota, que lamenta o acontecido e não compactua com desvios de conduta.
Sindicato e OAB são contra as prisões
O Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (Sindpol-MG) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) se manifestaram na quinta-feira contra as prisões da operação Fênix, deflagrada pelo Gaeco em dezembro. A entidade que representa os policiais informou, inclusive, que vai recorrer na Justiça.
“Queremos que seja apurado qualquer tipo de irregularidade, mas esses delitos podem ser equacionados sem prisão preventiva, já que a liberdade dos acusados não coloca em risco a segurança e a ordem pública nem compromete a efetivação da lei penal”, declarou o presidente do Sindpol, Denilson Martins. Ele alega ainda que as provas do Gaeco são frágeis, obtidas por meio de delação.
A OAB também lamentou as prisões. “Na defesa das garantias constitucionais, cumpre ressaltar o princípio da inocência e, por tal, não se pode nem se deve fazer juízo de valor contra tais advogados, incumbindo, a priori, exigir respeito às prerrogativas garantidas por lei, até que as investigações tenham desfecho legal”, declarou a entidade em nota.
Outra ação prende membro do PCC
Um ano e seis meses após a morte de um agente penitenciário em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) prendeu na quinta-feira o suposto executor do crime, que seria membro da organização criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC). Outro suspeito, que também tem mandado de prisão, está foragido.
De acordo com o Gaeco, os dois integram os quadros do PCC e teriam fornecido a arma de fogo utilizada no homicídio, em 17 de agosto de 2016, além de dar apoio logístico e material. A motivação do crime não foi informada.
O suspeito preso é conhecido no PCC pelos apelidos de Dimitri e Escobar, enquanto o foragido é chamado de Fazendeiro ou Miagui. A investigação ganhou o nome de operação Sintonia, termo utilizado pela facção criminosa em referência a suas células internas.
Polícia Civil informou que apoia investigações
A Polícia Civil de Minas Gerais informou que participou das investigações contra policiais, por meio da Corregedoria Geral, e que continua apoiando os trabalhos do Gaeco. Além disso, a chefia da corporação determinou que o órgão corregedor instaure sindicâncias administrativas para apuração dos fatos, respeitando sempre os princípios constitucionais vigentes.
A Polícia Civil não informou se os policiais presos e afastados em decorrência da investigação foram substituídos. Além do delegado Samuel Barreto, outro delegado que assumiu, depois dele, o 9º Departamento de Polícia Civil de Uberlândia, Hamilton Tadeu Lima, também é investigado por envolvimento no esquema.
Saiba mais
Crimes. Entre os crimes praticados pela organização criminosa e denunciados na operação Fênix, estão corrupção ativa e passiva, associação criminosa, tráfico de drogas, roubo, falsidade ideológica, obstrução de Justiça, fraude processual, prevaricação, lavagem de dinheiro e tortura.
Peculato. O Gaeco também deflagrou na quarta-feira (28) a ação Poseidon para prender seis suspeitos de peculato, que teriam dado um prejuízo superior a R$ 8 milhões no Departamento Municipal de Água e Esgoto de Uberlândia, em benefício de uma empresa de engenharia.