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As empreiteiras contratadas para reformar e administrar o Mineirão desviaram mais de R$ 35 milhões dos cofres públicos somente em 2013 e 2014, de acordo com documentos de uma investigação criminal em curso no Ministério Público de MG. As empresas negam.
Entre outras manobras, a concessionária (formada pelas empresas Construcap, Egesa e Hap Engenharia) teria fraudado números de seus balanços oficiais, como lucro líquido resultante da exploração do estádio e receitas obtidas com a venda de ingressos de jogos de Cruzeiro e Atlético-MG, a fim de tornar maiores os repasses financeiros recebidos pelo governo estadual à concessionária.
Nas próximas semanas, o chamado Procedimento de Investigação Criminal (PIC) do MP-MG deverá gerar denúncias à Justiça para processar os mentores do esquema pelos crimes de apropriação indébita, estelionato, fraude contábil, falsidade ideológica, sonegação fiscal e peculato. A investigação corre sob segredo de Justiça e o MP-MG não informa quais serão as pessoas que buscará responsabilizar pelo crime.
Como é a administração do Mineirão
O Mineirão é propriedade do Estado de Minas e foi reformado a um custo de R$ 677,35 milhões para receber os jogos da Copa do Mundo de 2014 e da Copa das Confederações de 2013. A reforma e a administração do estádio até 2037 estão a cargo da concessionária Minas Arena, que assinou, em 21 de dezembro de 2010, um contrato de PPP (parceria público-privada) de 27 anos com o governo estadual. Duas das empresas que formam o consórcio, a Construcap e a Egesa, são acusadas pelo MPF (MInistério Público Federal) de fazer parte dos esquemas criminosos investigados no âmbito da Operação Lava Jato.
O contrato assinado prevê que pagamentos mensais sejam feitos pelo Estado à concessionária como forma de remuneração pelo gerenciamento do Mineirão. Esses repasses têm valor variável: quanto maior a receita e o lucro obtidos pelas empreiteiras com a exploração econômica do estádio, menor o volume de dinheiro público que deve ser repassado mensalmente à Minas Arena. Assim, ao reduzir fraudulentamente seus resultados financeiros apresentados ao Estado de Minas, a concessionária aumenta os repasses públicos mensais a seus cofres –mais de R$ 35 mi de dinheiro público em dois anos.
As fraudes se dão, segundo as investigações, por duas práticas contábeis distintas para desviar o dinheiro público: redução fraudulenta na forma de declaração dos lucros obtidos no estádio nos relatórios contábeis apresentados ao governo de Minas e adulteração das receitas obtidas com venda de ingressos nos jogos realizados no Mineirão.
Fraude 1: Bilheteria de R$ 3,1 mi vira bilheteria de R$ 1,6 mi
A primeira parte do esquema se daria por meio de alteração fraudulenta dos resultados financeiros obtidos nas partidas de futebol realizadas no Mineirão.
Por força de regras contábeis, todo jogo de futebol profissional realizado no país deve gerar um borderô que contém, dentre outros itens, um detalhamento da quantidade de ingressos disponibilizados e dos vendidos, divididos por setor, com valores e renda total arrecadada, como se pode ver no exemplo abaixo:
O jogo acima, realizado no Mineirão sob gestão da Minas Arena, foi o de maior receita na história do futebol brasileiro, com 100% dos 56.557 ingressos vendidos, incluindo os do “Setor Premium” do estádio. Conforme a imagem acima, no dia 24 de Julho de 2013, foi contabilizada a venda de 7.592 ingressos do “Setor Premium”, somando-se um total de R$ 3.127.246 arrecadados. Este, no entanto, não foi o valor declarado pela empreiteiras ao Governo de Minas.
De acordo com o descrito no Relatório Técnico de Conformidade do Ano de 2013 – RTCA 2013, a receita total com a comercialização de cadeiras premium no mês de julho de 2013 foi de apenas R$ 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil reais) no total. Ou seja, quase metade do valor apurado no boletim financeiro do jogo realizado no dia 24/07.
O RTCA é a peça contábil que baliza os pagamentos mensais do Estado à concessionária. Ao informar valores inferiores ao efetivamente obtidos, a Minas Arena reduz seu lucro anunciado, aumentando, assim, a remuneração mensal que recebe do Estado.
E o jogo do dia 24 é apenas um exemplo. A prática de informar valores falsos ao governo estadual se tornou comum para a Minas Arena, de acordo com os documentos da investigação do MP-MG. Uma tabela mostra a que ponto chegou a fraude. O cruzamento entre os boletins financeiros (borderôs) e o Relatório Técnico mostram que a concessionária fraudou em mais de R$ 2 milhões as receitas que obteve com 18 jogos de futebol no Mineirão em 2013.
Em todos eles, há diferença entre os valores dos borderôs de arrecadação com ingressos. Ao todo, a Minas Arena, segundo os borderôs, faturou R$ 4,85 milhões. Já de acordo com os números apresentados ao Estado, foram R$ 2,79 milhões. Veja na tabela abaixo.
O cálculo das autoridades é que fraudes como essa, incluindo outras fontes de renda do estádio, como camarotes, estacionamento e bilheteria de shows eventos levaram ao desvio de mais de R$ 10 milhões dos cofres públicos.
Fraude 2: Maquiagem de lucros e crime tributário
De acordo com a investigação do MP, a concessionária usou uma manobra contábil para evitar a divisão de seu lucro operacional com o Estado de Minas Gerais, embolsando indevidamente dezenas de milhões de reais.
Pelo serviço de gerenciar o Mineirão e os jogos e eventos ali realizados, a administradora recebe uma parcela mensal do Estado na casa de R$ 3,6 milhões. De acordo com o contrato entre MG e as empresas, os eventuais lucros da PPP com o Mineirão deveriam ser compartilhados igualmente entre a concessionária e o Estado, por meio da redução do repasse mensal. Ou seja, quanto mais faturar a arena, menor é a “mensalidade” paga pelo Estado para a Minas Arena.
É aí que teria início a fraude. De acordo com os balanços anuais publicados pela concessionária, em 2013, a Minas Arena teve um lucro operacional de R$ 38,3 milhões. Já em 2014, o resultado líquido da operação foi de R$ 16,8 milhões, um lucro total nos dois anos de R$ 55,1 milhões. Por contrato, o Estado deveria dispor de 50% desses ganhos, ou seja, deveria ter abatido nos valores que transfere às empreiteiras o valor de R$ 27,5 milhões, ou metade do lucro total no período. Tal valor, no entanto, jamais foi abatido, e o governo continuou a pagar a “mesada” de, em média, R$ 3,6 mi, gerando um dos desvios milionários que está sendo investigado.
Para fugir da divisão do lucro com o Estado, a concessionária alocou os R$ 55,1 milhões, nos documentos de prestação de contas ao Estado de 2013 e de 2014, como “reservas de subvenção” –e não lucro operacional. A manobra tem ainda um segundo efeito: o lucro operacional é passível de tributação; já as “reservas de subvenção” são verbas (repassadas pelo Estado) livres de quaisquer impostos, como prevê a legislação tributária, para incentivar que empresas a invistam nos equipamentos que operam.
Assim, ao classificar seu lucro operacional – de R$ 55,1 milhões – como reserva de subvenção, além de não dividi-lo com o Estado, a Minas Arena deixou de pagar Imposto de Renda e CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido) sobre este montante. Juntos, os tributos ultrapassam 40% do valor total de lucro, sendo correspondentes, neste caso, a R$ 22,9 milhões. Esses impostos nunca foram pagos.
“Essas e outras fraudes estão presentes em todos os relatórios apresentados pela Minas Arena ao Estado. As comparações entre os números dos borderôs dos jogos e dos relatórios de atividade mostram que também foram fraudados os valores cobrados por ingressos e aluguel de camarotes”, afirma o deputado estadual Iran Barbosa (PMDB-MG), que entregou aos promotores um relatório baseado em balanços e documentos públicos referentes à operação da arena mineira. Segundo ele, as fraudes geraram um prejuízo a Minas Gerais que chega próximo a R$ 40 milhões.
Para ele, a discrepância dos números efetivos da operação em relação ao que foi apresentado ao Estado é de tal forma expressiva e evidente que não pode ter passada despercebida pelas autoridades públicas responsáveis pela análise dos resultados. “Os indícios mostram que não houve apenas fraude por parte das empreiteiras, e sim um conluio com agentes do Estado, que não foram capazes sequer de comparar os números que recebiam com os que estão presentes nos borderôs das partidas e balanços públicos da concessionária”.
Procurado pela reportagem, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais não quis comentar o assunto, afirmando tratar-se de objeto de investigação criminal sigilosa.
Minas Arena nega fraude; Governo de MG investigará documentos
Já a concessionária Minas Arena afirmou que não cometeu nenhuma ilegalidade e tudo não passa de confusão com os números e má interpretação de regras contábeis. “Com relação aos números apresentados nos borderôs das partidas e no Relatório de Conformidade, vale deixar claro que cada um dos documentos possui uma finalidade. Portanto, com uma leitura correta, constata-se que não ocorre de maneira alguma adulteração dos números. O borderô é um fechamento financeiro da partida enquanto o relatório financeiro apresenta o fluxo de caixa da empresa naquele ano”, diz nota das empreiteiras.
Em relação à suposta maquiagem dos lucros, a Minas Arena afirma: “Todos os balanços financeiros da Minas Arena são auditados por empresa internacionalmente conhecida (PriceWaterhouseCoopers) e podem ser acessados aqui http://estadiomineirao.com.br/o-mineirao/estrutura/, onde é possível verificar o demonstrativo de resultado da empresa. Importante ressaltar que está ocorrendo uma falta de entendimento relacionada entre lucro contábil, presente nas Demonstrações Financeiras/balanço, e a base calculada para divisão do resultado com o Estado.”
“A fórmula, presente em contrato, utilizada para calcular a divisão do resultado com o Estado está atrelada ao cálculo da Margem Operacional (MO). Este cálculo é apresentado pela concessionária e verificado por uma empresa independente (Ernst & Young), contratada pelo Estado, por meio de licitação. Somente após a verificação pela empresa especializada, o valor do repasse é validado pelo Estado.”
“Vale lembrar que a Minas Arena, até o presente momento, não foi oficiada pelo MP com relação a esta investigação e que está à disposição deste órgão, como sempre esteve, para que sejam feitas as devidas apurações e constatado que as informações levantadas acerca do contrato estão incorretas.”
Por fim, o Governo do Estado de Minas Gerais, por meio da Secretaria Estadual de Esporte e Lazer, diz estar ainda analisando a possibilidade de existir qualquer irregularidade nas contas apresentadas e aprovadas:
“A Secretaria de Estado de Esportes analisará as denúncias sobre os relatórios apresentados pela concessionária para se posicionar e tomar as medidas cabíveis. A Controladoria-Geral do Estado realiza, concomitantemente, auditorias em diversas parcerias público-privadas.”
“Em novembro de 2015, foi emitida Ordem de Serviço (OFÍCIO GAB/CGE Nº 384/2015) que deu início aos trabalhos que visam verificar a regularidade do pagamento da contraprestação pecuniária no contrato de concessão da PPP Mineirão, por meio da análise das receitas e despesas realizadas pela Minas Arena. Os trabalhos estão em andamento e, tão logo concluídos, o relatório será remetido aos órgãos responsáveis e disponibilizado no site da CGE.”