Muita gente ainda não sabe, mas as instituições de ensino superior de Minas Gerais são obrigadas a devolver os valores pagos a título de matrícula aos alunos que, antes do início das aulas, desistirem de frequentar o curso. A escola, no entanto, poderá descontar 5% do montante para cobrir gastos administrativos e terá o prazo de dez dias após o pedido para efetuar a devolução do dinheiro.
A determinação está prevista na Lei 22.915, sancionada pelo governador Fernando Pimentel na primeira quinzena deste mês. Em caso de descumprimento, a instituição poderá sofrer penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), como multa, interdição ou cassação da licença e intervenção administrativa.
A advogada da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Lívia Coelho, lembra que a devolução já estava prevista no artigo 39, inciso V, do CDC, que proíbe o fornecedor de produtos ou serviços de exigir vantagem excessiva do consumidor. E explica que a lei estadual trata exclusivamente dos casos de matrícula em faculdade e dá àqueles que se sentirem lesados mais uma “ferramenta” para cobrar seus direitos.
“Considerando-se que antes do início das aulas não houve efetiva prestação do serviço, e ainda existe a possibilidade de a vaga ser preenchida por outro aluno, a devolução deveria ser integral. Porém, a escola pode reter parte do valor se isso constar no contrato ou em outro documento assinado pelo consumidor. Nesse caso, ela precisa justificar as despesas administrativas com a contratação e o respectivo cancelamento”, explica a especialista. A solicitação da devolução dos valores pagos, segundo ela, deve ser feita por escrito e protocolada na instituição.
Avaliação. Tendo em vista as duas legislações tratando do tema, a advogada da Proteste dá uma dica. “É preciso avaliar as duas opções e ver qual é a mais vantajosa. Em alguns cursos, como medicina, onde a mensalidade é muito alta, a retenção de 5% definida pela lei mineira, mesmo que devidamente justificada pela instituição, pode ser considerada abusiva. Nesse caso, é mais vantajoso basear a ação no Código de Defesa do Consumidor. É preciso dar opções ao consumidor, para que não haja cobrança indevida”, completa.
O que fazer
Processo. Antes, o consumidor deve procurar a escola e pedir a devolução. Caso não tenha sucesso, deve procurar os órgãos de defesa do consumidor. A Justiça deve ser a última alternativa.
Cinco meses de pura enrolação
Caso a legislação mineira estivesse em vigor há mais tempo, com certeza, o psicólogo clínico Marcelo Amorim Amaral Castro, 57, não teria feito a via-crúcis que fez, que durou pelo menos cinco meses. Ele conta que, em julho de 2016, tentou reaver os cerca de R$ 1.100 pagos na matrícula de sua filha Isadora Martins Amaral Castro, 21, no curso de arquitetura de uma tradicional faculdade da capital, já que posteriormente ela conseguiu uma vaga na UFMG.
“Foi um processo doloroso. Fiz requerimentos, protocolei o pedido na secretaria da faculdade, e eles ficaram protelando, me enrolando, afirmando que o procedimento era mesmo ‘moroso’. Até que, indignado, fui ao Procon Assembleia. Na mesma hora, um funcionário do órgão ligou para a escola, que prometeu devolver o dinheiro, integralmente, em 48 horas, o que realmente aconteceu”, diz ele. “Mas, foram cinco meses de batalha. Fiquei muito decepcionado, principalmente porque ela passou no primeiro lugar geral e em primeiro em seu curso”, completa.
Com a experiência de quem oferece orientação vocacional para estudantes que prestam o Enem ou o tradicional vestibular, Castro lembra que vários deles tentam a vaga em diversas faculdades, e fazem a matrícula quando são aprovados em alguma delas só para garantir a vaga.
“Um deles, por exemplo, passou em ciências biológicas numa escola particular de Belo Horizonte e depois na UFMG. Com certeza, ele vai pedir o ressarcimento do dinheiro na primeira instituição. É um direito dele”, afirma, lembrando que no caso do curso de medicina, por exemplo, os gastos podem chegar a R$ 7.000. “É muito dinheiro”, conclui o psicólogo.
Escolas prometem ir à Justiça
A entrada em vigor da lei que obriga as faculdades a devolverem o dinheiro da matrícula àqueles que, antes do início das aulas, desistirem do curso, foi bastante criticada pelo Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), que promete entrar na Justiça contra a legislação. “Somente uma lei federal pode determinar a devolução. A lei estadual é inconstitucional. O governo estadual não pode querer gerenciar uma instituição particular”, afirma a presidente da entidade, Zuleica Reis Ávila.
Por isso, o Sinep-MG entrará com ação conjunta com a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), que também diz que o assunto é de competência exclusiva da União. Segundo a associação, o tema é regulado pela Lei Federal 9.870/99, que trata do valor total das anuidades escolares. “No entanto, a normativa não determina a devolução da taxa de matrícula pelas Instituições de Educação Superior (IES) particulares aos alunos que desistirem de cursar a graduação”, alega a instituição.
Ainda conforme a ABMES, “a legislação mineira ignora o fato de que a matrícula consiste na garantia de vaga para o aluno, retirando de outros a oportunidade de ingressar na educação superior, até porque, caso a convocação ocorra na iminência do início das aulas, seguramente o aluno será prejudicado”, diz a associação, em nota.
Regra tem suas exceções
Apesar de discordar da nova legislação estadual, a presidente do Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG), Zuleica Reis Ávila, garante que muitas faculdades e universidades de Minas Gerais, entre elas instituições de grande porte, já devolvem o dinheiro da matrícula em caso de desistência do curso antes do início das aulas. “A maioria delas retém uma parte, que varia de 5% a 50%, para cobrir despesas administrativas”, explica.
Fonte: O TEMPO