Em contraposição ao apurado pela reportagem com servidores que trabalham nos centros de ressocialização de menores infratores e com autoridades ligadas diretamente à execução das medidas socioeducativas, o governo de Minas Gerais informou que todas as unidades do Estado possuem escolas e contam com o ensino integral, além de fornecerem cursos profissionalizantes, atividades esportivas e oficinas de arte, de cultura e de lazer regularmente. O grande problema, no entanto, segundo a pesquisadora do Núcleo de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro Juliana Vinuto, é que não existem parâmetros bem definidos na legislação de como devem ser as atividades.
Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), o Estado deve prever um projeto pedagógico que contemple minimamente metas relativas a escolarização, profissionalização, cultura, lazer e esporte, oficinas e autocuidado, mas é preciso “considerar o contexto de cada unidade”.
No plano decenal de Minas, elaborado em 2014, o governo destaca que “os adolescentes devem ser tratados com prioridade absoluta e que deve ser dada proteção e direito integral dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”, mas não especifica dados concretos, como carga horária, tipos de cursos ofertados e opções de lazer. “Cada Estado precisa ter um plano estadual de atendimento. Isso é bom e ruim, porque cada unidade tem sua especificidade de atendimento, mas o que vemos na prática é o Estado fazendo o que dá para fazer. Fica ‘jogado’”, pontua Juliana.
Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou que o Estado gasta, em média, R$ 262 milhões por ano com os adolescentes em conflito com a lei. Nas unidades, segundo a pasta, trabalham agentes de segurança socioeducativos, servidores administrativos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, advogados, pedagogos, auxiliares de enfermagem, enfermeiros e assistentes sociais.
Segundo o órgão, os adolescentes têm acesso a assistência religiosa, atendimentos técnicos e jurídicos, telefonemas para familiares, visitas e redação de cartas.
Estudos.De acordo com a Sesp, em 2017, o governo inseriu mais de 1.450 jovens infratores em cursos de profissionalização – e 4.564 nos últimos três anos. As formações, segundo a pasta, abrangem informática, empreendedorismo, cabeleireiro, garçom e manutenção.
A Sesp informou que os adolescentes passam por orientação profissional. As vagas para os cursos profissionalizantes são disponibilizadas por instituições parceiras e obedecem a requisitos de matrículas. A pasta esclareceu que, para enfrentar a defasagem no ensino dos jovens, implantou no último ano, juntamente com a Secretaria de Estado de Educação, novas diretrizes pedagógicas para o sistema socioeducativo.
Servidores e juíza contam outra versão
Fontes ouvidas por O TEMPO garantem que não há professores para todos os níveis de ensino dentro das unidades socioeducativas do Estado e que as atividades de capacitação profissional são escassas e limitam-se a artesanato, culinária e beleza – ainda assim, em horário e frequências bastante reduzidos –, quando a aptidão demonstrada pelos jovens está, muitas vezes, ligada às áreas de mecânica, marcenaria e construção civil.
“Por falta de profissionais e até mesmo por questão de segurança, a realidade que vemos, no geral, são muitos alunos não indo às aulas com regularidade, isso quando tem aula”, relatou um agente que não quis ter o nome divulgado. Para a juíza Valéria Rodrigues, na verdade, eles “são excluídos” da escola: “No geral, esse adolescente não consegue acompanhar as aulas regulares nos cursos profissionalizantes e abandonam (o estudo)”. (LF)
Minientrevista
Valéria Rodrigues
Juíza da Vara Infracional da Infância e da Juventude da capital
Qual é o perfil do menor infrator?
O adolescente que chega aqui, geralmente é o de classe baixa, que é quem a polícia apreende. Eles têm necessidades iguais de outras classes, gostam de baile funk, de calça e blusa de marca. Eles estão em fase de pertencer, já vivem uma exclusão.O jovem da classe média e alta pratica crimes também, mas a dificuldade de apreender é maior.
Existe solução, ressocialização para esses jovens?
A meu ver, 80% não têm propensão para a criminalidade. É preciso só dar oportunidades. No entanto, uma faixa não tem conserto, é desvio de personalidade, o que não deixa de ser uma doença. Nosso papel não é punitivo, meu papel como juíza é que ele não volte a cometer (crimes), mas está difícil. Isso depende do Executivo, de políticas de qualidade.
Quais são os principais problemas?
Nossa lei trabalhista é muito rigorosa. Acabam tendo vagas de menor aprendiz só no administrativo, porque, se for para uma oficina, por exemplo, vai ser insalubre. O empresário fica com receio de dar uma oportunidade por isso também. Com isso, eles acabam indo para quem oferece o emprego, que é o tráfico. As sanções aplicadas aos adolescentes não são ruins, são iguais ou mais severas por analogia que as de um adulto, dependendo da gravidade do crime que o adulto praticou. Um adulto pega uma pena e cumpre um terço; o adolescente, não.
Programas de prevenção
Se Liga. O programa de livre adesão é voltado aos adolescentes que já se desligaram do sistema socioeducativo. Seu objetivo é contribuir para a continuidade de projetos desenvolvidos durante o cumprimento da medida, auxiliando na construção de novas oportunidades para os jovens, seja de trabalho, estudo ou outras questões sociais que são demandadas pelo jovem.
Fica Vivo. Oferece atendimento psicossocial e encaminhamento à rede de serviços públicos, além de oferecer cerca de 400 oficinas de esportes, arte e cultura. Atende, em média, 10 mil jovens por mês.