Enquanto Fátima Bernardes, 53, circula pelo estúdio de seu programa diário, quase sete milhões de pessoas a assistem em ambientes reais parecidos com aquele cenário montado na Globo: algo entre uma sala de estar residencial e uma de espera de um consultório médico.
Três em cada dez televisores no país ligados entre 10h40 e 12h sintonizam o “Encontro com Fátima Bernardes”, que faz média de 10 pontos no Ibope nacional (capa ponto equivale a 684 mil espectadores).
No ar há quatro anos, o programa conquistou três pontos a mais para a Globo no horário –não sem patinar. Entrou na grade da emissora substituindo desenhos infantis, mas chegou a perder para “Tom & Jerry”, do SBT.
Com uma blusa de meia estação de algodão e os cabelos presos em um rabo de cavalo, no fim de uma tarde chuvosa, Fátima explica com postura impecável, de bailarina, que o “Encontro” não chegou ao formato atual da noite para o dia.
“Não fui lá e falei ‘quero um programa no entretenimento’. Tinha uma ideia de algo, a única coisa que sugeri era o horário do desenho, porque a programação da Globo era para adulto até lá. Pensei: quem sabe ali, numa grade tão bem construída, eu acharia um espaço para mim”, ela conta.
Misturando jornalismo com entretenimento, o “Encontro” pode abordar assuntos tão aleatórios (um hipnólogo ensina memorização de inglês) quanto quentes (uma denúncia de racismo que viralizou na véspera).
Personagens do noticiário com frequência participam do programa e personalidades, geralmente estrelas da casa, são convidadas a opinar.
Algumas com mais sorte do que outras. O músico e ator Toni Garrido, convidado com a banda Cidade Negra, pôde dar um depoimento contundente sobre racismo ao falar com uma mãe que havia denunciado o preconceito contra os filhos na escola.
Semanas antes, MC Biel palpitou sobre a cultura do estupro, no calor da barbárie coletiva contra uma adolescente no Rio, em maio. Dias depois, o funkeiro protagonizou uma denúncia de assédio.
Os critérios que orientam a escolha dos convidados são uma das críticas que o “Encontro” recebe: será que qualquer pessoa tem algo a dizer sobre qualquer assunto?
“Será que isso não é meio preconceituoso?”, responde Fátima. “Às vezes você não gosta muito daquela pessoa mas tem alguém que tem uma admiração enorme. E ela vai dizer alguma coisa que para aquela pessoa vai tocar. Não é só o primeiro time, vai todo mundo. Procuro que seja o mais plural possível.”
Dar espaço a famosos que não necessariamente têm algo a acrescentar sobre um assunto (como Biel) não estava nos planos originais, relata um roteirista que integrou a equipe no começo da atração. Foi uma estratégia para evitar tropeços na disputa entre gato e rato pela audiência e que acabou dando certo, assim como os números musicais.
O que ela conta também não deixar de lado é o propósito de prestar serviço em um país “em que quase 90% [da população] só se informa pela TV”. “O poder da televisão é mexer com as pessoas, porque elas não têm o hábito da leitura. O rádio elas ouvem, mas a TV tem mais alcance. Para mim, sempre foi isso.”
Conseguir falar com gente do topo à base da pirâmide social é um talento que a jornalista carrega desde a estreia na TV, há três décadas. Prefere não decorar textos e ainda hoje desvia do teleprompter, guiando-se pelas orientações gerais do roteiro, grifadas com marca-texto nas fichas que carrega.
No começo, quando estava diante da câmera, imaginava estar falando com a mãe. “Hoje, falo pensando em todo mundo que chega perto e conta que me assiste. Tenho isso no inconsciente mas não personifico mais.”
Quando deixou o “Jornal Nacional”, Fátima deixou também cerca de 21 milhões de espectadores diários do principal telejornal do país. Ou uma legião de Homer Simpsons, como William Bonner, seu marido e ex-companheiro de bancada, definiu em 2005 a um grupo de professores universitários.
“Refiro-me a pais de família, trabalhadores, protetores, conservadores, sem curso superior, que assistem à TV depois da jornada de trabalho”, ele explicou então. “No fim do dia, cansados, querem se informar sobre os fatos mais relevantes do dia de maneira clara e objetiva.”
Dizendo “bom dia”, Fátima precisa se fazer entender por quem está em casa, preparando o almoço. “Não preciso discutir depoimentos ou investigações da Lava Jato para falar sobre ética”, ela pontua. Mas pode “fazer um programa muito legal sobre a ética de cada dia, e de que como a gente comete pequenos deslizes”.