O empresário Laerte Codonho, 57, foi preso no dia 10 de maio sob acusação de liderar um esquema de fraude para sonegar impostos. No dia da prisão, a força tarefa citou um valor de R$ 4 bilhões, que teriam sido desviados ao longo dos anos dos cofres estadual e federal, incluindo atualização monetária, multas e juros.
A ação resultou no bloqueio das contas da empresa, que hoje está sem pagar funcionários e distribuir o produto.
Codonho afirma que não sonegou imposto. “Fui vítima de um golpe.” O empresário diz ter sido roubado pelo seu contador, que teria se apropriado dos recursos destinados ao pagamento dos tributos.
Ele questiona também os valores que lhe são cobrados, afirmando que a procuradoria tem interesse em aumentar o tamanho da dívida por causa dos honorários advocatícios proporcionais.
No dia da prisão, Codonho levantou uma faixa acusando a Coca-Cola de estar pro trás da prisão. À Folha, ele repetiu a acusação, insinuando que o contador estaria à serviço da multinacional com o o objetivo de quebrar a Dolly.
O empresário envolve também a Procuradoria Geral do Estado no que chama de “conluio”. Confira o outro lado das partes no final da reportagem.
Ele reclama também do fato de que, no dia da sua prisão, uma procuradora entrou na sua empresa segurando uma lata de Coca-Cola. “Estava comemorando”, afirma ele. Procurados, Ministério Público e Procuradoria repetem o valor da dívida. O ex-contador Rogério Raucci não foi encontrado. A Coca-Cola diz que não está envolvida.
Em entrevista concedida à Folha no escritório de seus advogados na tarde de sexta-feira (8), o empresário se mostrou preocupado em não descumprir a determinação judicial de recolhimento domiciliar que o obriga a voltar para casa antes das 19h.
Apesar da pressa, ele cantou trechos dos jingles da marca e ironizou a situação. Disse que sua vida empresarial é tão complexa que ele pretende fazer uma minissérie.
O sr. é acusado de liderar um sofisticado esquema de fraude para sonegar imposto. No dia da sua prisão, foi dito que o prejuízo aos cofres públicos era de R$ 4 bilhões. O sr. sonegou imposto?”
Lógico que não. Fui vítima de um golpe. Fomos roubados. Um camarada que trabalhou 15 anos conosco pegava o cheque para pagar a guia do imposto e depositava na conta dele.
O contador?”
Isso está tudo provado. Imagine se você é uma empresa do tamanho da nossa e do dia para a noite descobre que não tem contabilidade. Era tudo forjado, tudo mentira e ele não entregava nada. Fomos atrás e pegamos todas as provas. Ele tinha falsificado 200 sentenças trabalhistas. Pegava um sujeito que tinha saído dez anos atrás, montava uma sentença trabalhista dizendo que a gente tinha que pagar. O jurídico era conivente. Autorizava e pagava. Fomos à Justiça e abrimos um processo pedindo a prisão de Rogério Raucci [o ex-contador que também foi preso em 10 de maio]. E, para minha surpresa, fui preso na ação em que eu era o autor. Isso porque a Procuradoria Geral do Estado inventou essa história toda.
O sr. estava sendo roubado pelo contador?
Tinha um sócio do contador chamado Esaú Domingues. Esse camarada se arrependeu, me devolveu uma casa em Alphaville, três carros de luxo e falou que não conseguia dormir com o que fez. Peguei esse camarada e fomos até o Ministério Público. Fomos com ele também na Polícia Federal. Ele falou tudo. Aí fizemos toda a perícia e a denúncia.
E o que aconteceu depois?
Quando descobrimos o rombo, vimos que havia uma fratura exposta que se chama substituição tributária. O imposto que eles roubaram e a substituição têm que ser pagos lá. Fomos à Procuradoria, falamos que fomos roubados e que queríamos pagar a dívida de R$ 8 milhões. Queríamos resolver. Pedimos para dividir, pois estávamos apertados. Mas no dia 18 de maio do ano passado fizeram a Operação Clone. Aí nós perguntamos porque eles estavam fazendo isso sendo que tínhamos ido lá propor para pagar? Foi uma coação. Vira a procuradora Maria Lia Pinto Porto Corona, e fala o seguinte: não assino. ‘Você tem que pagar R$ 33 milhões senão eu não assino e não deixo reabrir a empresa’. Embutiu honorários, multa e correção. |1|
O sr. já tinha tido problema com outro contador antes?
Pedro Quintino de Paula. O mesmo problema do Raucci.
Os procuradores citaram um valor de R$ 4 bilhões em impostos estaduais e federais não pagos, valor que incluiria correção, multa e juros.
Não sei. Estamos querendo entender.
Mas por que o Ministério Público citou esse número?
Porque foi induzido pela Procuradoria Geral do Estado. |2|
A PGE tem interesse. O Ministério Público é um órgão sério. Mas a Procuradoria é formada por advogados que querem receber honorários. Passa a não ser isento. Os honorários são 20%.
Somando impostos federais e estaduais, qual é a dívida que o sr. reconhece?
Na federal, sou credor em R$ 200 milhões. Na estadual, devo R$ 5 milhões a R$ 10 milhões. E tem o parcelamento de R$ 42 milhões, que estou pagando em dia. Por que fui preso e onde estão os R$ 4 bilhões?
O sr. diz que não sonegou imposto, mas o Ministério Público afirma que havia notas frias, vendas sem nota e até empresas laranjas…
Isso já caiu tudo por terra. Temos que fazer uma divisão. O Ministério Público está sendo correto. A PGE, não.
E onde entra a Coca-Cola nisso tudo?
Desde o início. Existe uma especulação de que o Raucci [o contador] está ligado à Coca-Cola. Ele roubou muito. Quando ele estava preso, o advogado veio propor um acordo. Falei que faríamos desde que o Raucci entregasse com quem estava trabalhando, dissesse quanto recebia da Coca-Cola. |3|
Então o senhor se considera vítima de um conluio?
Total. Não há dúvida. A Procuradoria contratou uma empresa da espionagem que trabalha para a Coca-Cola. Como pode o Estado contratar uma empresa de espionagem? A Procuradoria nunca poderia contratar uma empresa que presta serviço para um concorrente meu para me espionar.
Qual empresa?
Neoway, uma empresa de espionagem nos moldes da Kroll. Como a Kroll está suja no Brasil, a Coca-Cola contratou a Neoway para espionar. |4| Trabalham para a Procuradoria. Eu deveria estar bravo com o Ministério Público nessa história, né? Mas percebo que eles estão manipulados pela Procuradoria. Vamos fazer uma minissérie, que começará com a minha prisão às 6h. Já viu isso? Você denuncia que foi roubado e é preso. A minha história é boa. Não tem o “Mecanismo”? Vamos fazer o “Sacanismo”.
No dia da ação, uma procuradora entrou na empresa bebendo refrigerante?
Era Coca-Cola. Estavam brindando. Curioso, né? Comemorando. É preciso perguntar para eles porque entraram às 10h30, de manhã, na empresa Dolly comemorando com Coca-Cola. Foi para comemorar o triunfo. Eles recebem honorários. |5|
O sr. ficou oito dias preso. Foi bem tratado?
Fui, mas não há instalação adequada quando se dorme no chão em um colchonete. As pessoas me trataram bem. Queriam saber porque fui preso. Respondi que não sabia. Até hoje não sei.
Tinha criminosos na cela?
Não sei, prefiro não falar. Cheguei lá e lavei o banheiro, pois não sabia quanto tempo ia ficar lá.
Se considera humilhado?
Muito. Fui preso no dia 10 e só fui interrogado no dia 15. No meio do interrogatório, acho que estava indo bastante bem, eles me informaram da prorrogação da prisão temporária. Isso me abalou. Era o primeiro Dia das Mães sem a minha mãe [chora].
No dia da prisão foi noticiado que o sr tinha dinheiro em parede falsa.
Tinha, porque tenho medo de assalto. Me perguntaram se tinha mais dinheiro e eu disse que tinha atrás da parede. Não foram eles que descobriram. Eu abri. Pelo meu patrimônio, R$ 300 mil não é nada. Declarados.
A prisão afetou os negócios?
Não posso vender porque, se vendo, na hora em que o cliente deposita na conta, não posso mexer. Os grandes atacados já estão sem produto. O que tem é estoque.
Os funcionários não estão sendo pagos?
Nós temos dinheiro para pagar, mas as contas estão bloqueadas.
São quantos funcionários?
Ao menos 1.500 diretos. Maio está atrasado. O juiz estadual liberou a conta, mas a federal não.
Qual é o faturamento da empresa hoje?
Não podemos falar. A participação é 30% do mercado na Grande São Paulo.
Quando o sr. fala em complô da procuradoria, está citando procuradores federais também? Todos a serviço da Coca?
Todos os que têm interesse em receber honorários. A do Estado com certeza porque eles fizeram um acordo com uma empresa que presta serviço para a Coca-Cola. |6|
Mas o federal não tem?
Não sei. Não sei se existe algum contrato da Neoway com a federal. O contrato é com a procuradoria estadual. Então, não posso acusar a federal.
A Dolly incomoda tanto assim a multinacional?
Acertamos quando fomos para os canais certos de distribuição. Há três ou quatro anos, elegemos os atacarejos, com redução de custos. Acreditávamos que era o segmento que ia mais crescer e acertamos na mosca. Nos atacarejos, vendemos quatro ou cinco Dolly para cada Coca-Cola. Isso incomoda uma barbaridade.
Num mercado em queda, com a Dolly se mantendo e os concorrentes caindo, quanto vale quebrar a Dolly? Ou você acha que há algum escrúpulo por parte desses caras.
OUTRO LADO
|1| Segundo a Procuradoria Geral do Estado, Codonho entrou em contato com o órgão e a Secretaria da Fazenda só após a Operação Clone . Em nota, a PGE diz que “a suposta fraude praticada pelo ex-contador Raucci, de R$ 100 milhões, caso de fato tenha ocorrido, não altera os débitos tributários da empresa, os quais superam R$ 5 bilhões se consideradas as dívidas com União e Estados de São Paulo e Rio”
|2| O MP diz que “se pautou em diversos elementos e não só na narrativa feita pela PGE”
|3| A Coca-Cola diz em nota, que “não tem qualquer envolvimento com os processos judiciais que o empresário enfrenta”
|4| Jaime de Paula, sócio da Neoway diz que sua empresa não presta serviços de espionagem e que ela apenas vende um software de big data capaz de acessar dados públicos. Segundo ele, a PGE contrata o software , mas a Coca-Cola não é sua cliente
|5| Sobre a profissional que levou uma lata de Coca-Cola para dentro da unidade da Dolly, a Procuradoria afirma que a operação, conduzida pelo Ministério Público, teve a participação de mais de cem agentes públicos. A PGE não revelou o nome da profissional, mas confirma que se trata de uma procuradora. .”Cada servidor público adquiriu a sua alimentação com recursos próprios no comércio local.”, diz o órgão em nota
|6| Procurada, a PGE diz que a verba honorária recebida pelos Procuradores do Estado de São Paulo é paga em valor fixo, de acordo com os níveis da carreira.