Depois de enviar há quinze dias uma proposta de Orçamento com decifit para 2016, o governo Dilma, acuado pela crise política e econômica, deu uma guinada e lançou, nesta segunda-feira (14), um pacote fiscal para tentar reequilibrar as contas públicas e conquistar o apoio do mercado e empresariado.
Em entrevista no Palácio do Planalto, a equipe econômica anunciou R$ 26 bilhões de cortes de gastos, entre eles o adiamento do aumento do funcionalismo, e R$ 40,2 bilhões em aumento de arrecadação, com a recriação da CPMF por um período de quatro anos –tributo que havia planejado recriar, desistiu e, agora, incluiu novamente no seu cardápio de ações.
Das 16 medidas anunciadas, que formam um esforço fiscal de R$ 64,9 bilhões, apenas uma, que vai gerar uma economia de R$ 2 bilhões, não precisa de passar pelo Congresso Nacional –a que reduz um benefício fiscal a exportadores.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criticou as medidas e disse que é “pouco provável” que haja consenso no Congresso sobre a CPMF. Em tom mais ameno, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reconheceu que os cortes “são significativos”, mas disse que as medidas serão “melhoradas” pelo Congresso, que “dará a palavra final”.
O ministro Joaquim Levy (Fazenda) afirmou que a proposta é que a CPMF, que incide sobre movimentações financeiras, tenha uma alíquota de 0,2% e que os recursos sejam direcionados integralmente à União, que vai usar a arrecadação, estimada em R$ 32 bilhões, para cobrir o deficit da Previdência.
Sem dar detalhes, o governo anunciou que a medida será acompanhada por uma redução do IOF –tributo que foi elevado em 2008 para compensar parcialmente a derrubada da CPMF pelo Congresso.
“É uma contribuição de prazo determinado, com objetivo determinado, que é pagar aposentadorias e dar uma tranquilidade para a Previdência Social”, disse Levy.
Ele acrescentou que o governo ainda conta com a aprovação de uma reforma nas regras da aposentadoria, mas que isso dependerá ainda de discussão em um fórum criado para tratar do tema com trabalhadores.
No mês passado, o governo cogitou propor a volta da CPMF, mas recuou diante das fortes críticas recebidas de políticos e empresários.
Já na noite desta segunda a presidente recebeu governadores de partidos aliados em um jantar no Palácio da Alvorada para buscar apoio à aprovação das mudanças apresentadas pelo Executivo.
O problema é que, antes, sua intenção era dividir os recursos da CPMF com governadores para ganhar o apoio dos Estados. Na nova versão, porém, o dinheiro vai todo para a União.
MAIS IMPOSTO
Ainda para elevar as receitas da União, o governo anunciou a ampliação do Imposto de Renda sobre ganho de capital na venda de bens que resultem em ganhos acima de R$ 1 milhão.
Hoje, esse valor fica em 15%. Agora, haverá um aumento progressivo da alíquota até o teto de 30%, que incidirá sobre ganhos acima de R$ 20 milhões.
Outra mudança sensível será no Sistema S –que reúne entidades como Sesi e Senai. O governo pretende usar parte da contribuição recolhida das empresas e repassada hoje a essas entidades para cobrir o rombo da Previdência.
O valor direcionado ao Sistema S que pode ser deduzido pelas empresas do imposto de renda também vai ser reduzido por medida provisória.
O governo já estudou mexer no sistema S no passado, com o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, mas esbarrou no lobby das entidades e desistiu de levar a ideia adiante.
FUNCIONALISMO
Para somar os R$ 26 bilhões previstos em cortes, o governo anunciou que vai adiar de janeiro para agosto o pagamento do reajuste salarial dos servidores públicos e suspender novos concursos que estavam previstos para 2016.
“Estamos vivendo no setor privado uma situação de aumento de desemprego e reajustes salariais que não estão tendo a reposição da inflação. É plenamente justificável a proposta que o governo faz a seus servidores”, afirmou o ministro Nelson Barbosa (Planejamento).
O governo pretende, ainda, usar recursos do FGTS para financiar uma parcela maior das despesas do Minha Casa, Minha Vida, reduzindo assim a contribuição do Orçamento para o programa contendo perdas maiores para o benefício.
Também vai propor que parte dos recursos direcionados às emendas parlamentares seja necessariamente gasta em saúde e em obras do Programa de Aceleração do Crescimento, reduzindo a parcela de despesas da União com esses itens.
Na proposta orçamentária enviada ao Congresso em 31 de agosto, o governo previa um deficit de R$ 30,5 bilhões para o ano que vem, o equivalente a 0,5% do PIB.
O projeto foi muito mal recebido pelo mercado e levou a agência de classificação de risco Standard & Poor´s a rebaixar a nota do Brasil, retirando do país o selo de bom pagador
Agora, o governo se propôs a fazer um esforço adicional que seja suficiente para zerar o deficit e garantir um superavit primário de cerca de R$ 34 bilhões.
O anúncio incluiu mecanismos para que os programas sociais, principais bandeiras do governo petista, não sejam muito afetados. Integrantes do governo, porém, garantem que apenas o Bolsa Família sairá ileso dos cortes.
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VEJA O DETALHAMENTO DO CORTE DE DESPESAS
– O reajuste dos servidores públicos da União previstos para o ano que vem será adiado de janeiro para agosto. Implementação será por meio de projeto de lei. Impacto previsto é de R$ 7 bilhões
– Os concursos públicos do governo federal serão suspensos em 2016. Impacto de R$ 1,5 bilhão
– Governo quer eliminar o chamado abono de permanência, pago aos servidores que adquirem as condições de aposentadoria mas optam por permanecer no trabalho. Depende de aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional. Impacto de R$ 1,2 bilhão
– Governo quer aprovar uma lei para melhor disciplinar a aplicação do teto de remuneração do setor público, que deve equivaler ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Um dos objetivos é determinar o cruzamento de dados entre União, Estados e municípios para evitar extrapolação. Impacto estimado é de R$ 800 milhões
– Governo pretende renegociar contratos com serviços como aluguel, segurança e veículos, limitar gastos com diárias e passagens de servidores e reduzir ministérios e cargos de confiança. Impacto estimado é de R$ 2 bilhões
– FGTS vai passas a cobrir despesas com a faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida, hoje financiado exclusivamente pela União. Será adotado por media provisória. Impacto: R$ 4,8 bilhões
– Parte das emendas parlamentares deverá ser direcionada necessariamente a programas do PAC, reduzindo a despesa da União com o programa sem afetar os recursos disponíveis para as obras. Impacto: R$ 3,8 bilhões
– Parte das emendas parlamentares deverá cobrir despesas com saúde para que o governo economize sem prejudicar o nível de gastos exigido constitucionalmente no setor. Impacto R$ 3,8 bilhões. Demanda aprovação de projeto de lei
– Gasto previstos com garantias de preços agrícolas serão reduzidos. Impacto: R$ 1,1 bilhão
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VEJA O DETALHAMENTO DO AUMENTO DE ARRECADAÇÃO
– Será proposta a recriação da CPMF, com alíquota de 0,2% e prazo de quatro anos. Isso demandará a aprovação de uma PEC (Proposta e Emenda Constitucional). Estimativa de arrecadação: R$ 32 bilhões
– Taxação de ganhos com a alienação de bens, que hoje é de 15%, passará a ser progressiva, chegando ao teto de 30% para ganhos superiores a R$ 20 milhões. Impacto é calculado em R$ 1,8 bilhão
– O governo anunciou que cerca de 30% do que é recolhido para o Sistema S (entidades como Sesi e Senac), cerca de R$ 6 bilhões, será redirecionado para a Previdência. O valor direcionado ao Sistema S que pode ser deduzido do imposto de renda também vai ser reduzido por medida provisória, com impacto de R$ 2 bilhões
– O benefício concedido a exportadores por meio do programa Reintegra será reduzido para os mesmos níveis de 2014. Medida será por decreto. Economia estimada de R$ 2 bilhões
– O governo impôs um limite ao cálculo de juros sobre capital próprio por meio do qual as empresas distribuem resultados e reduzem sua base de cálculo do imposto de renda. Adoção será por medida provisória. Impacto de R$ 1,1 bilhão
– O benefício para a indústria química na cobrança do PIS/Cofins será reduzido em 50%, com impacto de R$ 800 milhões. Medida provisória
– O governo reduziu ainda a projeção para o crescimento da economia no ano que vem, que até então era estimada em 0,2%, o que resultou em uma queda de R$ 5,5 bilhões na estimativa de receitas