Os atentados a ônibus, bancos, prédios públicos e viaturas, que avançaram nesta terça-feira (5) e atingiram pelo menos 25 cidades mineiras, foram ordenados pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), segundo especialistas ouvidos pela reportagem, e revelam um cenário que o governo de Minas já conhece: o sistema prisional está precário. Os ataques, segundo os especialistas em segurança pública, são uma forma de chamar a atenção para a situação, que passa pela falta de agentes penitenciários e de estruturas de ressocialização.
Assim como nesses últimos ataques, em abril uma onda de incêndios a coletivos em Belo Horizonte já foi associada à situação das cadeias: os criminosos deixam bilhetes reivindicando melhorias no tratamento aos presos. Nos últimos anos, O TEMPO vem noticiando as precariedades do sistema prisional mineiro, com fugas e motins constantes.
De acordo com o presidente da União Mineira dos Agentes de Segurança Prisional, Ronan Rodrigues da Silva, a superlotação dos presídios é a principal fonte de insatisfação. “Cadeias com capacidade para cerca de 800 presos têm 2.000 detentos e apenas 15 agentes. Temos vários agentes ameaçados de morte. Tudo já foi passado para o Estado, e nada foi feito. Agora, quem está pagando é a sociedade”, afirmou.
O presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da OAB/MG, Fábio Piló, diz que áudios da facção criminosa disseminados nas redes sociais determinaram o início dos atentados para chamar a atenção para as condições do sistema prisional. “O governo está ‘careca de saber’ que as condições são precárias. A OAB vem noticiando isso há mais de dois anos”, disse. Segundo Piló, o fácil acesso a celulares nos presídios é realidade em todo o Estado. “Não há bloqueadores, e os que existem não funcionam em razão da ausência completa de manutenção”, afirmou.
Ronan Silva também acredita que o PCC está por trás dos ataques a ônibus. Para a presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Maria Tereza Santos, a organização está ordenando os ataques porque o Estado não cumpre a lei de execução penal: “Faltam condições dignas. Eles (os presos) estão passando frio porque não têm roupa”.
Após reunião com representantes das forças de segurança do Estado nesta terça-feira, o governador Fernando Pimentel (PT) afirmou que Minas Gerais está “pagando o preço” por ter um sistema “mais rigoroso” que a média brasileira. Ele confirmou que os atentados têm relação com uma facção criminosa que atua em todo o país, mas não disse que se trata do PCC. Segundo o secretário de Estado de Segurança Pública, Sérgio Menezes, os presos estariam insatisfeitos com a presença de um bloqueador de celular em Patrocínio, no Alto Paranaíba.
Estado avalia transferência de presos para presídios federais
As forças de segurança do Estado informaram nesta terça-feira, em coletiva de imprensa, que há a possibilidade de transferência de alguns detentos do sistema prisional mineiro para unidades federais. “Existem presos aqui que não são de Minas”, informou o secretário de Estado de Segurança Pública, Sérgio Barboza Menezes.
O secretário informou ainda que há duas facções criminosas nas cadeias do Estado, mas não revelou nomes. Além da possibilidade de transferência, as forças de segurança investigam se os ataques em Minas têm relação com facções de outros Estados, especialmente do Rio Grande do Norte e de São Paulo.
Empecilho. O governador Fernando Pimentel (PT) disse que o ataque a ônibus não é fácil de ser enfrentado. “É um crime difícil de se detectar. São locais ermos escolhidos para os ataques, de preferência em horários noturnos. É muito difícil prevenir”, afirmou.
O governador informou que há uma investigação em curso, porém ela é sigilosa. “Nós já temos uma força-tarefa trabalhando no setor de inteligência. Acredito que nos próximos dias nós teremos bons resultados nesse trabalho”, concluiu.
Comando regional do PCC ordena atos
Além de Minas Gerais, o Rio Grande do Norte (RN) tem sido alvo de ataques a ônibus. Segundo o especialista em segurança pública Guaracy Mingardi, os atentados nos dois Estados partiram de decisões locais do PCC, após consulta e aprovação do comando geral, o “Sintonia”. Para ele, os ataques simultâneos em Minas e no RN podem incentivar atos em outros locais. “Pode ser uma bola de neve”, diz. Conforme Mingardi, o PCC está presente em 22 Estados do país e segue crescendo. “O preso se sente apoiado”, afirma.
No caso do Rio Grande do Norte, a motivação dos ataques são as condições do presídio de Alcaçuz. No Estado, dois ônibus foram incendiados, e um policial militar foi morto no último sábado, na cidade de Parnamirim. A Polícia Civil está investigando os casos.
Minas é campeã em ataques
Minas Gerais é o Estado que mais registrou ataques a coletivos neste ano, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). De acordo a entidade, em 2018, foram 136 ônibus incendiados no país – Minas aparece na primeira posição com 71 coletivos queimados (52,2%).
“Até o ano passado, Minas mantinha uma média de 15,7% do total do país. É um dado preocupante. Além dos prejuízos no setor, o transporte público fica com horários reduzidos. É uma perda para os trabalhadores e um problema de grave de segurança pública”, analisa o diretor da NTU, Otávio Cunha. (Letícia Fontes)