Em poema de 1960, dedicado a Maysa, o poeta Manuel Bandeira versou os olhos claros da diva como “dois oceanos não-pacíficos”, tamanha a melancolia e a angústia expressas na trajetória pessoal e na obra ainda em início de uma das maiores compositoras e intérpretes da música brasileira.
Filha de uma família de classe média do Espírito Santo, Maysa Figueira Monjardim nasceu em São Paulo, em 6 de junho de 1936, e desde a infância mostrava aptidão para a música quando cantava em reuniões de família.
Precoce, aos 12 anos compôs o samba-canção “Adeus”, cujo trecho “Este adeus tem outro gosto, que só nos causa desgosto” prenunciava o enfado que a menina carregaria ao longo de sua vida.
Maysa casou-se em 1955, aos 18 anos, com André Matarazzo (1919-1960), que, 17 anos mais velho, era um dos herdeiros do Conde Francesco Matarazzo, industrial italiano que fez fortuna no Brasil do início do século passado. Desde então passou a adotar sobrenome da família.
No ano seguinte, em encontro com parentes e amigos, foi convidada pelo produtor artístico Roberto Corte Real (1919-1988) para gravar um disco. Grávida, pediu para esperar o nascimento de seu único filho, Jayme Monjardim, que cinco décadas depois seria o diretor da minissérie global “Maysa: Quando Fala o Coração”, exibida em 2009 pela emissora. E assim surgiu o primeiro álbum da cantora, pela RGE, que até aquele instante se resumia apenas à uma produtora de jingles publicitários. Antes, a cantora havia sido recusada por outra gravadora, a CBS.
Intitulado “Convite para ouvir Maysa” e com arranjos do maestro Raphael Pugliesi, o LP – que virou uma série de três volumes -, contém oito sambas-canção, entre eles “Agonia”, “Tarde triste” e “Adeus”. O sucesso do disco agravou o casamento da já então mais nova estrela da música brasileira. André Matarazzo, pressionado pela família, era contrário à entrada da esposa no meio artístico.
Maysa, no entanto, não sucumbiu à vontade do marido. Em 1957, com a estrondosa repercussão conquistada pelo primeiro trabalho, ela foi convidada pela TV Record para apresentar um programa na emissora, o que contribuiu para o fim do casamento de dois anos com o milionário paulista. A separação foi considerada um grande escândalo na “high socity” naqueles anos. Com isso, a cada novo relacionamento e supostos escândalos devido a seu forte temperamento, Maysa passou a ser alvo constante da imprensa sensacionalista.
Em 1958 a cantora gravou o seu maior sucesso, “Meu mundo caiu”, de sua autoria, alavancando ainda mais o seu status de grande compositora. Depois, em 1960, o disco “Maysa é Maysa…É Maysa…É Maysa”, onde gravou “Castigo”, de Dolores Duran, foi eleito pelo jornal o Globo como o quinto LP mais vendido do país.
Contudo, a depressão alimentada pela separação e atrelada ao crescente sucesso a levaram para o Rio de Janeiro, onde conheceu em 1960 o produtor, compositor e um dos principais nomes da Bossa Nova, Ronaldo Bôscoli (1928-1994), com quem manteve um duvidoso caso amoroso. Maysa começou então a se entrosar com os astros do recém-criado gênero musical carioca. No mesmo ano deixa a composição de lado e passou a atuar apenas como intérprete.
A transição da “fossa” ou “dor de cotovelo” -como foram alcunhadas suas composições e interpretações- para a Bossa, embora esta segunda vertente não tivesse predominância em sua obra, veio de fato com a gravação do disco “O Barquinho” (1961), pela gravadora Columbia. Naquele início de década a cantora começou a excursionar pela América Latina, EUA, Europa e Japão, onde já havia se apresentado em 1959. É também o período em que Maysa passa a ter problemas com o alcoolismo, que durou por quase toda a sua vivência.
No ano de 1964, passou a morar na Espanha, onde se casou com o advogado espanhol Miguel Azanza. Dois anos depois volta a compor com o lançamento de “Maysa”, pelo RCA.
O retorno ao Brasil ocorreu em 1968, quando, mais magra pela ingestão de medicamentos para emagrecer, iniciou temporada de grande sucesso no Canecão, no Rio, com o acompanhamento do arranjador e saxofonista Paulo Moura e outros instrumentistas. O encontro foi registrado no LP “Maysa – Ao vivo no Canecão”.
A cantora atuou também na teledramaturgia, nas novela “O Cafona” (1971) e “Bravo” (1975), ambas da Globo. Em “Bravo”, engatou um relacionamento com o ator Carlos Alberto, sua última grande paixão. Além de ter atuado também no teatro, foi pintora e escultora. Esse outro lado artístico da “rainha da fossa” ganhou comentários do poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade em sua coluna publicada na Folha em 22 de junho de 1978.
Ao longo desses anos, embora consagrada, Maysa já não tinha a mesma popularidade das décadas passadas. Em 1976, entretanto, “Meu mundo caiu”, seu maior sucesso, voltou às paradas ao entrar na trilha sonora da novela de época “Estúpido Cupido” (1976), da Globo. Neste mesmo ano, a cantora estava decidida a se recuperar de vez do alcoolismo, mas o tempo não se aliou à estrela.
Aos 40 anos, no sábado de 22 de janeiro de 1977 – há quatro décadas -, Maysa sofre um desastre ao bater sua Brasília azul em alta velocidade contra uma mureta na Ponte Rio-Niterói, quando seguia em destino à sua casa, no município de Maricá (região metropolitana do Rio) para passar o final de semana. Era o fim antecipado de um dos capítulos mais relevantes da história da música popular brasileira.