Planos de encontrar bons empregos e salários que possibilitem ajudar a família, além de oportunidade de estudo são alguns dos motivos que trouxeram ao Brasil os haitianos que vivem em Uberlândia. Quantos deles estão na cidade não é possível precisar, mas sabe-se que é um número superior aos 80 que constam no registro oficial da Polícia Federal. A presença de haitianos na cidade vem sendo notada há três anos, como um reflexo da imigração para o Brasil iniciada após o terremoto que devastou o Haiti em 2010.
Edlin Jeanty, de 29 anos, saiu do Haiti há 1 ano e 3 meses. Em Uberlândia, onde está desde o ano passado, mora com oito conterrâneos em uma casa alugada no bairro Custódio Pereira, na zona leste. Ele deixou os pais e cinco irmãos no país natal na esperança de prosperar no Brasil. “Eu vim porque todo mundo estava vindo. Quando cheguei, no Acre, não sabia de nada, nem para onde ir. Fui para São Paulo porque os ônibus estavam indo para lá. Depois vim para Uberlândia por causa do emprego. Aqui eu quero aprender uma profissão. Tenho vontade de fazer curso de eletricista e também aprender a assentar pisos. A língua é difícil, mas vou aprendendo devagar, passo a passo”, disse ele, que fala o idioma criolo.
Jeanty trabalha em uma empresa de construção civil e o contrato dura mais um mês. A intenção é continuar em Uberlândia, porque gosta daqui, mas se um novo emprego não surgir, ele não teme mudar de cidade. Já para o Haiti ele quer voltar apenas a passeio.
No mesmo bairro, moram Evens Jeannite, de 28 anos, e Edres Jean, de 24. Eles são primos e estão em Uberlândia há 4 e 8 meses, respectivamente. Na casa onde vivem, moram ainda outros dois amigos haitianos. Jeannite trabalha em um sacolão e Jean, em uma indústria de fertilizantes. Os motivos que os trouxeram são os mesmos da maioria – falta de trabalho no Haiti. “Aqui é tudo diferente, a língua é difícil, a música, até as comidas”, disse Jean, sem conseguir explicar do que mais sente falta porque ainda não domina muito bem o vocabulário do português.
Edlin Jeanty, Evens Jeannite e Edres Jean têm, como a maior parte dos haitianos com os quais a reportagem do CORREIO de Uberlândia teve contato, o protocolo de refugiados, que dá direito à permanência no País por um tempo determinado e a facilidade de emissão de documentos, como a carteira de trabalho.
Em uma condição mais segura está o haitiano Djerry Deneus, de 26 anos. Há 3 anos no Brasil, ele já chegou com o visto de trabalho. Neste tempo, morou em São Paulo e em Belo Horizonte, trouxe a esposa, a filha de 5 anos e o irmão gêmeo. A filha mais nova, de 10 meses, nasceu em Uberlândia. Ele mora em uma casa de fundos no bairro Planalto, na zona oeste, e raramente sai de lá, a não ser para o trabalho em uma indústria de alimentos.
“Minha mãe gastou todo o dinheiro que tinha guardado para que eu fizesse faculdade para pagar o visto, as documentações e a minha passagem. Ela não queria que eu viesse, mas não tinha como continuar no Haiti sem trabalho. Lá, muitas pessoas vivem com a ajuda de parentes que moram em outros países”, afirmou.
O sonho de Deneus é ir para os Estados Unidos, mas agora preocupa-se mais com a saúde da sogra, que está no Haiti. “Minha mulher precisa voltar para cuidar da mãe, que está com câncer. Mas não temos dinheiro para comprar a passagem nem para mandar para a família lá. Só está dando para viver aqui”, disse.
Imigrantes recebem apoio de grupos, ONGs e prefeitura
Grupos religiosos e organizações não governamentais, além da Prefeitura de Uberlândia, desenvolvem trabalhos de apoio aos haitianos que estão na cidade. Segundo a assessora da proteção social básica da Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Letícia Alves Carvalho, a Prefeitura tem notícia de que há cerca de 200 haitianos em Uberlândia. Eles estariam concentrados em bairros, como Custódio Pereira, Jardim Brasília, Jardim Patrícia, Luizote de Freitas e Tocantins, muitos alojados em residências providenciadas pelas empresas que os contratam para trabalhar.
“A maioria chega nos grandes centros, mas, pela falta de emprego, vão indo para o interior do País. O primeiro caso de haitiano que chegou ao conhecimento da Prefeitura foi de uma mulher, em dezembro de 2014. Atualmente, a secretaria acompanha 11 haitianos. Três deles recebem bolsa-família e os outros estão em fase de cadastramento. É mais uma busca ativa do que eles nos procurando”, disse Letícia Carvalho, esclarecendo que o protocolo de refúgio dá direito aos haitianos ao Cadastro Único para programas sociais do Governo Federal.
Ainda de acordo com a assessora, a maior dificuldade na assistência aos imigrantes haitianos é no provimento de emprego e renda. “Isso por duas questões antecipatórias, que é a língua e a cultura. Estamos em contato com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, articulando uma política mais ampla que não seja só de oferecer benefícios. A intenção é criar um comitê interinstitucional de migração”, afirmou.
Cerca de 15 haitianos estão sendo acompanhados também pela Ong Enactus, que em Uberlândia é composta por estudantes da UFU. Segundo a diretora de projetos da Ong, Júlia Mascarello, a intenção é prover informação e conhecimento aos haitianos para que eles se tornem independentes, conseguindo identificar inclusive situações de trabalho abusivo. “Estamos ajudando na formulação dos currículos, orientando quanto aos direitos e deveres e também oferecendo aulas gratuitas de língua portuguesa”, disse.
Entrada no Brasil é cercada de sofrimento e mistério
A maior parte dos haitianos chega ao Brasil pelo Acre. Do Haiti, na América Central, até o território brasileiro passam pela República Dominicana, Panamá, Equador e Peru. Algumas viagens duram até três meses e contam com trechos percorridos a pé. O trajeto para chegar até aqui é assunto delicado e dificilmente explicado em detalhes pelos imigrantes, que pagam atravessadores, também conhecidos como coiotes, para serem guiados até o Brasil. Há relatos de violência e humilhações pelo caminho.
O governo brasileiro concede visto humanitário aos haitianos nas embaixadas do Brasil em Porto Príncipe (Haiti) e em Quito (Equador), mas a maioria dos que estão em Uberlândia têm apenas o protocolo de refúgio, expedido pela Polícia Federal. “Na verdade, eles não teriam direito ao refúgio. Só tem direito quem vem de país em guerra ou sofre perseguição política, religiosa, que não é o caso dos haitianos. Eles estão vindo por estado de pobreza”, afirmou o professor de Direito Internacional da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Thiago Paluma.
A opção pelo protocolo de refúgio, segundo o docente, se dá pela facilidade em relação ao visto humanitário. “O visto humanitário tem muitos requisitos para ser concedido e o de refúgio é simples. Enquanto o protocolo do visto de refúgio não é julgado, em um prazo que vai de 6 a 12 meses, os haitianos ficam legais no País”, disse.
De acordo com o delegado chefe da Polícia Federal de Uberlândia, Carlos Henrique Cotta D’Ângelo, não há indicações por parte do Governo Federal de ações que visem à extradição dos haitianos que estejam em situação irregular. “A política do Brasil é de tolerância. Havendo condições, nós poderíamos ir atrás dessas pessoas, mas com o propósito de regularização, acolhimento”, afirmou o delegado.
por Layla Tavares / Correio de Uberlândia