POR FREDERICO VASCONCELOS / FOLHA DE S.PAULO
Doze anos depois, ele diz que, “por desespero e medo”, os juízes estão liberando presos sem planejamento, diante dos massacres nos presídios do Amazonas e de Roraima.
É o que revela reportagem da Folha nesta quarta-feira (18), com trechos de entrevista concedida.
Criticado na época pelo governador Aécio Neves (PSDB), acusado de “fazer proselitismo pessoal” e colocar em risco a segurança pública, Machado recebeu apoio de juízes de varas de execução criminal e de entidades de direitos humanos.
Em 2010, o TJ-MG participou de mutirão do Conselho Nacional de Justiça que libertou 3.000 presos no Estado. “Não há nenhuma diferença quanto aos fundamentos jurídicos nos dois episódios: ilegalidade das prisões ou abuso no uso dessas medidas”, ele afirmou, na ocasião.
Machado atualmente exerce a advocacia e é professor em cursos de Execução Penal na PUC-MG e na OAB-MG.
A seguir, a íntegra da entrevista concedida por e-mail.
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Folha – O episódio de Contagem já sinalizava que a situação dos presídios caminhava para os massacres das últimas semanas?
Livingsthon José Machado – Não foi diferente do que está acontecendo agora em proporções mais desastrosas. A omissão do Estado já vem de longa data. O poder público varre o lixo para debaixo do tapete. Quando as crises acontecem, a solução tem sido construir novos presídios a preços superfaturados. Logo estarão superlotados.
A ideia de que prender bandidos é a solução reproduz parte do sentimento coletivo causado pelo herói nacional da atualidade, o juiz Sergio Moro. Centenas de magistrados têm a ideia de que a prisão vai resolver o problema da corrupção.
O sr. tem conhecimento de algum caso semelhante de liberação de presos antes de sua decisão, em 2005?
Não tenho conhecimento, no Brasil, de decisões com o mesmo fundamento jurídico que adotei, quando determinei a expedição de alvarás de soltura porque presos estavam cumprindo penas de forma ilegal.
Depois daquelas decisões, outros juízes adotaram o mesmo fundamento, inclusive em tribunais superiores. Contudo, o cenário político já era diferente e não causaram tanta repercussão.
Tenho conhecimento de decisões semelhantes à que tomei ocorridas na Espanha, França e Canadá. Mas não sei de nenhuma decisão anterior à minha no Brasil.
Como avalia as decisões recentes de alguns juízes de liberar presos para evitar novas mortes?
Essas decisões têm sido de desespero e medo, sem nenhum planejamento. Deveria fazer parte do cotidiano de todo juiz criminal determinar a imediata expedição de alvará de soltura quando a prisão for ilegal ou abusiva.
O ex-presidente do TJ-SP, desembargador Ivan Sartori, diz que o Estado é tolerante com a criminalidade por pressões, entre outras, de entidades de direitos humanos.
O Estado não é tolerante. As entidades de direitos humanos não gozam de grande simpatia da população. Têm espaço em discussões acadêmicas, mas não no Judiciário. São outras organizações –políticas e econômicas– que exercem pressões sobre magistrados no sentido de medidas mais duras.
A Associação Juízes para a Democracia diz que o massacre de Manaus resulta do “punitivismo” e do tratamento da questão social como caso de polícia.
A ideia também não é de todo verdadeira. Quando questões sociais são tratadas como caso de polícia é demonstração de incompetência dos gestores da coisa pública. Há, na verdade, uma covardia dos juízes em decidir por outras pressões, como interesses corporativos, de partidos políticos ou do Executivo.
Veja o caso que vivenciei em 2005. Penso que a significativa maioria dos magistrados cederia às pressões.
A interrupção dos mutirões carcerários agravou a situação das penitenciárias?
Mutirões carcerários são medidas paliativas. Não contribuem para a questão carcerária. Nas varas comuns, o processo tem começo e fim. Os mutirões podem até ajudar. Mas nas varas de execução criminal o processo é contínuo e só termina com o cumprimento definitivo da pena. Mutirões carcerários nessas varas são coisa “pra inglês ver”.
As audiências de custódia reduziriam as prisões ilegais?
A ideia é boa, mas a prática tem sido desastrosa. Em boa parte das audiências são os promotores que decidem. A maioria significativa dos juízes não examina os elementos necessários para a decretação da prisão preventiva, que é excepcional. Os delegados de polícia cumprem um papel meramente administrativo. Aumentaram as prisões ilegais porque os tribunais não têm examinado as ilegalidades praticadas por vários juízes.
Magistrados paulistas [em nota pública da Apamagis] afirmam que os juízes estaduais não são responsáveis pela administração dos presídios, tarefa que caberia ao Executivo.
Pois é … Magistrados sempre fugindo da responsabilidade. A Constituição determina que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”. A Lei de Execuções Penais diz que compete ao juiz da execução “zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança” e “inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais”. Então, os juízes estaduais não têm responsabilidade pela execução da pena?
Por que o Estado não consegue eliminar o tráfico de celulares nos presídios, o que permite às organizações criminosas dirigir operações fora das prisões?
Porque simplesmente não tem conhecimento dos problemas prisionais e viola, cotidianamente, as regras que ele mesmo estabelece, inclusive com o trato a seus servidores.
Os presos possuem outros meios de comunicação com o meio externo. Ou seja, a questão das organizações criminosas não se combate apenas com o impedimento de comunicação entre os líderes e o mundo exterior, isto seria apenas um analgésico para a dor de cabeça, mas não o combate da causa da dor de cabeça, que muitas vezes pode levar à morte.
Em que medida a política penitenciária se confunde com a política de segurança pública?
As duas políticas estão ligadas desde o embrião. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária tem como papel principal o planejamento destas políticas de forma integrada. Não é que se confundam, mas uma depende da outra, embora gozem de autonomia, com regras próprias, mas não isoladas e independentes.
Não é possível pensar, por exemplo, em medidas punitivas mais rigorosas como aquelas planejadas por um movimento conhecido como da “Lei e da Ordem”, que prevê mais rigor no combate ao crime pela punição, sem se pensar nos efeitos destas punições na execução.
Também não é possível se pensar só no abrandamento de medidas punitivas em razão do fracasso do modelo prisional existente, como advogam os defensores do “Direito Penal Mínimo”.
É preciso pensar as duas políticas não uma em oposição a outra ou de ponderação entre elas, mas de integração, com um único objetivo comum. Promover o bem-estar, a liberdade e a segurança como complementares um do outro.
Por que não há uma força-tarefa para prevenir e reprimir facções como o PCC, o CV e a FDN?
Falta de vontade política. Operações da Polícia Federal, com nome pomposos, ganham espaço na mídia e a simpatia de parte da população. Muitas operações são atabalhoadas, como na Lava Jato. Só que isso gera dividendos políticos. Quando a questão é o problema prisional, boa parte da população tem aversão ao tema. Muitos defendem o assassinato de presos e são aplaudidos, como o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que se apresenta como pré-candidato à Presidência em 2018.
O poder público não tem se ocupado de impedir as ações dessas organizações criminosas e de seus líderes porque, de certa forma, são eles que mantêm certa “ordem” nos presídios. É a “ordem pela desordem”.
Como vê a terceirização e privatização de presídios?
Eu vejo como uma solução possível e viável para ser utilizada na execução de penas privativas de liberdade, mas que devem ser pensadas de forma transparente e sem demagogia ou fantasias acadêmicas.
Para não parecer que estou sendo só pessimista, uma experiência que a sociedade civil vem tentando implementar para amenizar este problema é o método de execução penal conhecido como APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados). Foi idealizado pelo advogado Mário Ottoboni [são snidades de não mais de 300 presos, com elevado índice de ressocialização]. O sistema foi implementado em várias comarcas no Brasil e até no exterior. Uma das dificuldades que este método tem enfrentado é exatamente a atuação desastrosa do poder público.
O trabalho, ou aquilo que na APAC é conhecido como “laborterapia”, deve ser pensado de forma harmônica com os interesses econômicos do empreendedor (do empresário) de forma a termos ganhos tanto para a atividade econômica, como para o sentenciado (ganhos econômicos e profissionais) e para a sociedade –redução da reincidência e colaboração de força de trabalho produtiva.
Na Vara de Execuções Criminais de Contagem, elaboramos juntamente com a Defensoria Pública, lojistas, assistentes sociais e poder público municipal um projeto neste sentido, com excelente receptividade pelo empresariado. Mas é preciso seriedade e transparência.
Na sua opinião, quais serão os desdobramentos dos episódios ocorridos no início deste ano?
Eu prefiro não fazer prognósticos, pois não tenho boas expectativas sobre o que está por vir. O que tenho visto do ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal não me anima muito, não… Tomara que esteja errado.