RODRIGO RUSSO DE SÃO PAULO
“Essa história aconteceu na Itália. Alto nível de corrupção cria insatisfação popular; em 1992, nós passávamos por grave crise econômica no país, e as pessoas notavam que os problemas da corrupção eram reais, o que gerou grande apoio das massas às investigações judiciais.”
Até aí, é conhecido o resumo das condições em que ocorreu a operação Mãos Limpas feito por Andrea Lorenzo Capussela, doutor em políticas concorrenciais que escreve um livro sobre a Itália e a corrupção para a Oxford University Press.
Também ficam claras, nessa síntese, as semelhanças com a operação Lava Jato no contexto brasileiro, e as razões pelas quais o juiz federal Sergio Moro estudou a fundo a experiência italiana.
Prevalece entre acadêmicos a opinião de que, no longo prazo, a corrupção política que os juízes italianos pretendiam combater não esmoreceu: só mudou de forma e de protagonistas, e acentuou as tensões entre os poderes políticos e o Judiciário.
O que o Brasil pode aprender para evitar esse resultado? Capussela tem um ponto bastante original.
Em entrevista, o italiano diz que a Lava Jato oferece uma janela de oportunidade que precisa ser aproveitada já nas próximas eleições, “antes que o velho sistema se reorganize, trazendo o equilíbrio da corrupção de volta ao normal”.
“O principal é que as investigações judiciais mostram que a corrupção é sistêmica, que o país continua funcionando com ela. Se você cria um choque, pode ir para um equilíbrio de baixa corrupção. Mas se essa janela de oportunidade não for usada, o sistema vai absorver o choque. É preciso uma coalizão política programática e plural. As próximas eleições são cruciais para o Brasil.”
Capussela cita o exemplo das eleições de 1994 na Itália, disputadas ainda sob o calor da Mãos Limpas e em meio ao desmoronamento dos principais partidos políticos nacionais, diretamente envolvidos no escândalo.
“A oposição falhou. Foram incapazes de apresentar uma solução crível e suficientemente plural. Talvez tenham sido vistos como muito de esquerda. O resultado é que Silvio Berlusconi reorganizou o velho sistema”, afirma.
Foi esse fracasso na arena política, para Capussela, que permitiu a aprovação de leis enfraquecendo as regras anticorrupção e dificultando o trabalho investigativo já em meados dos anos 1990 –dois graves problemas do pós Mãos Limpas na Itália.
O pesquisador ressalta que não é apenas a classe política que tem interesse em manter um sistema de alta corrupção. “Há um enorme segmento econômico de olho nos benefícios da corrupção. Vamos lembrar que a corrupção enfraquece a competição, há muitos interessados nisso”, observa Capussela.
Para Raffaele Asquer, pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), há outras lições importantes para o Brasil.
“É preciso uma combinação de mídia vigilante e cidadãos engajados. A opinião pública tem uma tendência de seguir adiante e voltar à ‘normalidade’, mas é fundamental que continuem cientes do problema depois que a fase de ‘emergência’ passar”, avalia Asquer.
Asquer pondera ainda que é preciso cuidado com a politização do tema corrupção e das próprias investigações.
“Depois da eleição de Berlusconi como primeiro-ministro, e de ele mesmo ser investigado, seus apoiadores passaram a achar que os juízes estavam ultrapassando seus limites e começaram a suspeitar de suas motivações. O Judiciário perdeu o apoio público de que desfrutava em anos anteriores”, avalia.
Capussela sabe que a tarefa é difícil, mas alerta: “se queremos mudar, o tempo é limitado. A Itália já não consegue ter essa discussão”.