Ter filhos é alternar o tempo todo sentimentos contraditórios, como amor incondicional e uma culpa atroz por achar, 24 horas por dia, que nunca está fazendo o bastante por eles. Alguns pais, em busca de objetivos que devem beneficiar as crianças –uma viagem de férias ou uma boa escola, por exemplo–, resolvem cortar supérfluos para economizar. Outros, diante de fatos inesperados como a perda de um emprego, se veem forçados a privar as crianças de brinquedos novos e passeios, até que as coisas se ajeitem.
Se tais circunstâncias são difíceis de aceitar até para um adulto, como mostrar a realidade à criança? Para a psicóloga Marilia Castello Branco, independentemente do caso, não dar tudo é uma das coisas mais importantes que os pais podem fazer por seus filhos. “Limitações são parte da existência e ajudam a amadurecer. Se uma criança tem todas as suas necessidades satisfeitas imediatamente, torna-se menos preparada para lidar com as frustrações que, inevitavelmente, a vida proporcionará”, explica.
Para a psicóloga e pedagoga Elizabeth Monteiro, autora de “A Culpa É da Mãe” (Summus Editorial), é importante falar com os filhos sobre a situação financeira com honestidade. “Não tenha vergonha disso e nem o ensine a sentir vergonha de si mesmo. Mostre o quanto é duro conquistar as coisas e que não é possível levar a vida que muita gente leva”, diz Monteiro. Segundo a psicóloga, os pais devem explicar aos filhos que, quando crescerem, poderão trabalhar e ter as coisas que, hoje, a família não pode ter. “É uma maneira de ensiná-lo a fazer projetos de vida”, explica a especialista.
Segundo Elizabeth Monteiro, a viagem, o intercâmbio, os brinquedos desejados e as festas são coisas a se conquistar –não julgue a si mesmo se, no momento, você não pode proporcioná-las. “Não minta, não engane nem prometa coisas que não estão ao seu alcance. Quando os pais estão seguros do que dizem e de como agem, a criança costuma aceitar com naturalidade”, diz a psicóloga. O mesmo vale para os planos: é fundamental compartilhá-los com os filhos, porque, para as crianças, a noção de futuro é complexa. Ao se sentir parte de um projeto, ela terá mais paciência para esperar por aquilo que quer. Ensiná-la a guardar moedas em um cofrinho é um bom começo.
Na opinião da psicóloga Maria Teresa Reginato, é comum, em nossa cultura, projetar nos filhos a realização de nossos desejos frustrados. Se a pessoa passou por dificuldades materiais, quer dar uma vida mais fácil para o filho; se teve pais excessivamente severos, será mais flexível com o filho, e assim por diante. “O equívoco está nessa projeção, porque a pessoa não está olhando para o filho, mas para ela mesma e seus desejos e necessidades frustrados”, diz. Quanto às frustrações do adulto, Reginato orienta que ele as realize, como, por exemplo, sendo menos rígido com si mesmo apesar da educação severa que teve; ou menos complacente, caso tenha sido mimado.
Para a psicóloga Lizandra Arita, ter o desejo de oferecer o melhor ao filho é um posicionamento natural da parte de cada pai e mãe. O risco surge quando a dedicação ao filho rompe a linha da normalidade, ou seja, os pais se esforçam para corresponder a todos os seus desejos, sem impor condições ou limites para isso. “É muito importante que os pais tenham em mente que nem tudo o que o filho quer é o que ele realmente precisa. Permitir que a ansiedade e o sofrimento dominem seus sentimentos por causa de um pedido não correspondido é algo muito perigoso e deve ser observado com muita atenção”, declara.
Tempo escasso
- Trabalho impossibilita amamentação pelo tempo ideal e mães sofrem com pressão e culpa; clique na imagem para ler a reportagem completa
Muitos pais se martirizam por trabalhar demais e passar pouco tempo com os filhos. Para Ana Lúcia Gomes Castello, consultora de psicologia do Hospital Infantil Sabará, de São Paulo, a premissa de que qualidade é mais importante do que quantidade é, de fato, verdadeira. “Quando os pais conseguem ter qualidade na relação com os filhos, eles alimentam as necessidades deles e são mais felizes”, diz. Ela conta que não são poucos os casos de mães que não trabalham e que acabam sufocando os filhos com cuidados e controle, prejudicando a relação. Muitas querem fazer tudo o que a criança deseja acabam prejudicando seu desenvolvimento emocional.
Para Paula Kioroglo, psicóloga do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, a qualidade do afeto é, sim, mais importante que a quantidade de tempo, mas isso não significa que pouco tempo pode ser compensado com muito afeto. “Alguns minutos de muito carinho não são suficientes. É necessário um período que permita que a criança conviva com os pais, receba atenção e limites e perceba amor nessas atitudes”.
A também psicóloga Lizandra Arita diz que é importante observar que “qualidade de tempo” não significa apenas sentar ao lado do filho enquanto ele assiste a um filme e você lê uma revista. Também não significa levá-lo para a escola e, enquanto dirige, mantém a cabeça em diversas outras coisas, menos no passageiro em questão. “Estar junto fisicamente não representa estar junto de verdade. Por não saber distinguir uma coisa da outra, muitos pais acham que o simples fato de estar debaixo do mesmo teto é suficiente”, acusa.
Dicas para enfrentar situações cruciais sem culpa
Não comprar presentes fora de datas comemorativas
Adiar a realização de um desejo e esperar uma data para ganhar o que se quer ensina a criança a valorizar conquistas. Se o fator financeiro não for o impedimento e você quer recompensar a criança por uma boa nota na escola, por exemplo, a sugestão da psicóloga Ana Lúcia Gomes Castello, do Hospital Infantil Sabará, é investir em itens como livros, quebra-cabeças e jogos de memória, que estimulam o desenvolvimento cognitivo da criança. Outra ideia é ensinar o filho a doar um brinquedo velho para cada item novo que recebe.
Não ter pique para brincar quando a criança está a mil
Adultos não precisam participar de todas as brincadeiras da criança. Ela precisa ser capaz de brincar sozinha e ter espaço com outras crianças para realizar brincadeiras mais ativas e energéticas. O tempo com os pais pode ser usado para outro tipo de atividades, que deem prazer a ambos, como leitura, contar histórias, jogos, desenhos, conversas. “Se estiver muito cansado, encare esse momento como uma ginástica; no fim, em geral, ficamos mais energizados, porque uma parte bastante significativa do cansaço é tensão. Brincar pode ajudar a relaxar”, diz a psicóloga Maria Teresa Reginato. “Você vai dormir melhor e sem culpa; e a criança, menos carente, vai exigir menos.”
Não ter condições de fazer uma viagem bacana todo ano
Primeiro avalie: essa é uma necessidade real da criança ou sua? O que é uma viagem bacana para você? Você já experimentou fazer um piquenique diferente em um parque, em uma tarde de sábado? Já pediu para seus filhos lavarem o carro ou até um tapete da casa e, no final, se deliciaram com um banho de mangueira? Brincou de esconde-esconde com o seu filho na garagem do seu prédio ou na rua da sua casa? “Faça isso e depois reflita se o que é mais importante é uma viagem ou os momentos descontraídos em família”, desafia a psicóloga Lizandra Arita. E tudo isso sem se estressar com a fatura do cartão de crédito.
Ficar pouco tempo com as crianças durante a semana por causa do trabalho
É importante deixar claro para o filho que os pais não podem estar disponíveis o tempo todo, que o trabalho é importante e que a criança também tem seus momentos longe de casa, na escola. No tempo livre é preciso dar prioridade a bons momentos com as crianças. Mas, se a sua rotina de trabalho proporciona muito pouco espaço para estar com os filhos, talvez seja interessante rever isso, pensar no que pode ser mudado. Para Maria Teresa Reginato, estar fora o dia todo não significa estar ausente. “Telefonar para saber como está o dia da criança é uma maneira de mostrar que ela não sai de seu pensamento. Seu filho vai sentir seu afeto, principalmente se você ligar porque queria mesmo estar com ele, e não por culpa.”
Escolher uma escola que não é a ideal, no seu ponto de vista
Em alguns casos não é o fator financeiro que conta. Entre uma escola ideal que fica longe, e uma boa e mais próxima de casa, a segunda tende a ser a escolhida. “A melhor escola é aquela que cabe no seu bolso, que está perto de sua casa, que atende às suas necessidades e às necessidades do seu filho. Às vezes, são necessárias escolas diferentes para cada filho, pois eles são diferentes e não se deve tratá-los da mesma forma”, diz a psicóloga Elizabeth Monteiro. E nem sempre a melhor escola é o mais importante para uma formação. Os pais podem compensar uma escola não tão boa com atividades culturais em família: passeios, viagens, visitas a museus, leituras e filmes.
Ouvir a criança comentar que o tênis ou o brinquedo do amigo é melhor
Segundo Maria Teresa Reginato, as crianças absorvem tudo o que veem. “Assim, não são as crianças que comparam. Nós, adultos, é que comparamos, eles apenas imitam. Precisamos ser capazes de dizer: ‘aqui em casa nós achamos importante isso’ ou ‘nós decidimos que tem mais valor aquilo’. Sempre é bom ter em mente que a criança chega ao mundo sem saber se nasceu em um lar rico ou pobre. Ela aprende a querer o que os pais querem”, declara.
Fonte : http://mulher.uol.com.br/comportamento