MARLLA SABINO e MARIANA RIBEIRO
24.mar.2018 (sábado) – 6h00
atualizado: 24.mar.2018 (sábado) – 7h21
Próximo a Luiz Inácio Lula da Silva desde a década de 1970, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, 75 anos, integra a equipe que elabora as propostas econômicas do plano de governo do ex-presidente.
Em entrevista ao Poder360, Belluzzo, que foi consultor econômico pessoal de Lula durante seu governo, disse que o ex-presidente seria o candidato ideal para “levar adiante 1 programa de reconciliação nacional“.
“A despeito das hostilidades contra ele, Lula seria capaz de ter 1 programa econômico consistente com a recuperação do crescimento e amplo do ponto vista internacional, já que ele é uma pessoa muito respeitada lá fora. Ao contrário do Temer”, disse.
Segundo ele, o programa que está sendo construído se baseia em recuperação econômica e reindustrialização, mas com atenção especial às condições sociais.“Isso foi muito maltratado pelo governo atual”, afirmou o doutor em Economia e professor aposentado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Ex-presidente do Palmeiras, Luiz Gonzaga Belluzzo também é sócio e diretor da Facamp (Faculdade de Campinas) e consultor editorial da revista Carta Capital. Em 2005, recebeu o título de Intelectual do Ano. Também foi chefe da assessoria econômica do Ministério da Fazenda, secretário de Ciência e Tecnologia e de Relações Internacionais do Estado de São Paulo.
O economista classificou a privatização da Eletrobras como “1 erro gravíssimo” e criticou a reforma trabalhista, em vigor desde o final do ano passado.
Belluzzo defendeu a reformulação do sistema previdenciário brasileiro, mas rechaçou a proposta que tramita hoje no Congresso. “O governo está perdido. Está propondo mudanças muito convencionais para as transformações que estamos vivendo. É como se a casa estivesse com alicerces prejudicados e você pintasse as paredes.”
Para ele, o cumprimento da regra de ouro e do teto de gastos está entre os maiores desafios do próximo governo.
Leia trechos da entrevista:
Poder360 – Sua relação com o ex-presidente Lula é antiga. Como começou essa aproximação?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Conheci o Lula no final dos anos 1970, ainda nas greves do ABC, me aproximei dele. Eu fazia muitas palestras no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo. Essa proximidade se intensificou nos anos 1980. Na ocasião do Plano Cruzado conversamos muito, ele tinha suas objeções. Eu era do MDB, mas tinha uma interlocução muito próxima a ele. Na campanha das Diretas, o Lula foi aos palanques, se manifestou. Nas eleições de 1989, conversei com ele, apesar de o Ulysses Guimarães ter sido candidato. Nas eleições de 1994, também. Tenho uma convivência muito longa, fraternal e desinteressada com ele. Nunca quis me meter nas coisas do PT.
Desde que ele voltou a falar em se candidatar neste ano, vocês intensificaram o contato?
Conversei com ele várias vezes, sim. Ele me telefona de vez em quando para conversar. Encontrei com ele no lançamento do seu livro de entrevistas no sindicato dos Químicos. Me convidaram para ir ao palco e fiz uma homenagem a ele, como o brasileiro muito importante que é, que durante o governo fez aquilo que tinha prometido, ou seja, melhorar a vida dos menos favorecidos.
Como está a discussão desse grupo de economistas?
São, mais ou menos, 15 economistas e estamos preparando 1 programa, caso ele seja eleito. Um programa que tem a ver com recuperação do crescimento com bases mais estáveis, com outras perceptivas, outra lógica, outra estrutura de crescimento também. Muito distinto do que estamos observando neste governo.
Quais os pilares do programa?
As questões mais agudas, como essa do crescimento mais estruturado, ainda estão em discussão. O programa está tentando mostrar que a economia precisa recuperar o crescimento, se reindustrializar e que isso deve ser feito com atenção às condições sociais, ao emprego e à renda, porque isso tudo foi muito maltratado pelo governo atual. Estamos debatendo ideias distantes do que está sendo proposto pelo Pérsio Árida, economista do Alckmin, ou do que disse o Paulo Guedes, do Bolsonaro. Não tem essa marca excessivamente binária de oposição de Estado e mercado. Nós sabemos que é muito mais complicado que isso. Nas economias que são, atualmente, mais bem-sucedidas há vários tipos de cooperação entre empresas públicas e privadas, é o exemplo da Coreia, de Taiwan, da China. Estamos levando em conta essas experiências e nos distanciando dessas propostas que são muito mais convencionais, fundadas na ideia de que tem que encolher o Estado. O mercado não se auto-organiza.
Como deve ser a relação do Estado com o mercado?
Tem que ser uma relação de mútua fecundação. As duas polarizações não funcionam. É historicamente comprovado que uma economia de comando em que você suprime todas as relações mercantis e sistema de preço como, por exemplo, a soviética, não funciona. A outra experiência, que nunca existiu, de uma economia totalmente liberada de mercado, também não funciona. Quem acha que nos Estados Unidos é assim não conhece história econômica. Todo o sistema de inovação americano depende do gasto público, do gasto militar. Assim como não se pode explicar o desenvolvimento na China sem considerar o impulso que foi dado pelas empresas estatais. No Brasil, esse debate é muito superficial, muito leviano. Pensar “mais Estado ou menos Estado” é como ir ao restaurante e escolher mais pimenta ou menos pimenta. Não é assim. É uma questão de relações.
Quais setores deveriam ser mantidos na mão do Estado?
As áreas estratégicas têm que ficar. Por exemplo, privatizar a Petrobras seria 1 erro fatal, uma burrice sem tamanho. Outros exemplos: limitar o papel do BNDES, privatizar o Banco do Brasil. Claro que a coordenação pública é fundamental, mas você não precisa se meter na produção de tecidos, de automóveis, de bens de consumo duráveis, isso é o que setor privado faz.
Qual é a sua avaliação sobre a tentativa de privatizar a Eletrobras?
Considero 1 erro gravíssimo. O Brasil está fazendo uma coisa de baixo nível intelectual. Além disso, já é mais do que comprovado que a gestão privada de empresas que produzem insumos universais, como é o caso da energia elétrica, aumenta substancialmente o preço que é pago pelo serviço. Isso aconteceu no Brasil, a energia no Brasil já é cara. É só olhar a experiência das empresas que foram privatizadas e ver como isso resultou em péssimo serviço para a comunidade.
Qual deve ser o papel do BNDES?
Se você quer ter 1 programa de infraestrutura, como todo mundo diz que quer, precisa do BNDES. Imaginar que é possível fazer 1 programa de infraestrutura sem 1 banco público capaz de carregar essa dívida com taxas mais convidativas é uma ilusão. O setor privado não tem capacidade de fazer isso. Essa ideia de que sai o BNDES e entra o setor privado é ridícula.
Você vê pontos positivos na agenda de reformas do governo Temer?
A reforma da Previdência, por exemplo, é necessária, tem que ser discutida seriamente por várias razões. Uma delas é que estamos observando uma mudança muito importante no mercado de trabalho. O sistema de repartição simples, em que os que estão trabalhando pagam para os que estão aposentados, tem que ser complementado. Ele foi criado no final do século XIX pelo [Otto von] Bismarck, mas, por causa das mudanças no emprego, da precarização e do trabalho temporário, por exemplo, não é possível manter esse sistema funcionando como antes.
Qual a avaliação sobre a proposta de reforma da Previdência que está em discussão no Congresso?
Acho que o governo está meio perdido, não sabe muito bem em que tecla bate. Essa proposta é muito convencional para as transformações que estamos observando. Ela tenta manter a mesma coisa de maneira diferente, não pensa em novas formas de financiamento. Além disso, é preciso incluir na Previdência a possibilidade de expansão dos programas de amparo aos trabalhadores, de 1 sistema de renda básica universal. Na Itália, na França, todo mundo está discutindo isso. O governo está propondo é uma banalidade. É como se sua casa estivesse com os alicerces prejudicados e você quisesse pintar as paredes.
Como encontrar novas formas de financiamento?
Pessoas no mundo inteiro estão estudando isso. Achar novas formas de financiamento não é uma coisa banal. Há muita resistência, até porque você tem 1 desequilíbrio muito grande de renda e riqueza no mundo inteiro. Você tem que taxar riqueza. E aí, as pessoas vão se conformar? Ou vão procurar uma solução de menor resistência e ir para cima dos que têm menos poder de reação?
É possível reformar o sistema sem que isso recaia sobre os mais vulneráveis? O trabalhador rural, por exemplo, deve ficar de fora?
Se você não tomar cuidado, vai aumentar a vulnerabilidade. O trabalhador rural sem dúvida deve ser excluído da reforma. Se você fizer alguma coisa em termos de idade mínima, vai matar essas pessoas. Além disso, o sistema de Previdência tem importância crucial para a economia de pequenas e médias cidades no sertão, por exemplo, de Pernambuco, do Ceará. Isso é decisivo.
Em relação ao sistema tributário, o que propõe?
A reforma tributária é necessária e também é muito difícil de fazer, porque significa tirar dinheiro de 1 e passar para o outro. O sistema fiscal brasileiro é muito regressivo, mas é uma batalha, porque os que têm mais dinheiro não querem pagar mais imposto. Você precisa tributar riqueza, que é muito concentrada no Brasil, tributar rendimentos que hoje são isentos. Você pode aliviar 1 pouco a carga para as empresas, mas não para juros do capital próprio e dividendos.
Qual a sua avaliação sobre a reforma trabalhista promovida pelo governo Temer?
Acho que a reforma trabalhista vai causar 1 surto de precarização. Todos os fatores que agravam a pobreza e jogam as pessoas na miséria, que atraem para a violência estão sendo agravados. Essa reforma só pode nascer na cabeça de alguém que não tem noção de nada.
Quais serão os principais desafios econômicos que o próximo presidente irá enfrentar?
Nem a regra de ouro, nem o teto de gastos serão cumpridos. Pode esquecer. São colocadas algumas regras que não condizem com o mundo real. A não ser que você cometa atrocidades e continue fazendo cortes, mas aí a economia continuará caindo. É preciso ter uma regra, mas uma regra compatível com as flutuações da economia.
Mas como se constrói um plano econômico que cumpra as regras que já existem?
Você tem que construir 1 plano que tem 1 orçamento de capital, para preservar o investimento, e 1 orçamento de despesas correntes. Tem certas despesas que não precisam estar vinculadas, mas protegidas. Despesas com saúde e educação, por exemplo. É preciso ter 1 orçamento de capital porque quando a economia flutua, apresenta tendência a desacelerar, você tem que aumentar o gasto para poder manter o investimento das empresas acompanhando uma certa uniformidade. O elemento mais sensível do gasto privado é o investimento, ele depende muito da visão dos empresários sobre o que vai acontecer, é preciso dar 1 horizonte pra eles. Não é que você vá sair gastando, tem que haver uma regra de acompanhamento do gasto em relação ao ciclo econômico.
O governo do PT é acusado de ser responsável pela crise, de ter aumentado excessivamente os gastos públicos. O que acha dessa visão?
Eu acho que ela é mentirosa. O governo do PT teve 1 ciclo muito favorável. De 2003 para frente nós vimos uma aceleração da economia mundial, impulsionada por 1 ciclo de commodities. O Lula fez uma política de salário-mínimo, criou o consignado, incluiu muita gente. A taxa de investimentos subiu. Então, tivemos a crise de 2008, uma crise internacional que bateu no Brasil. Por contágio, tivemos uma queda do PIB. A nossa reação, entretanto, foi muito boa, voltamos a crescer, com superavits primários até 2013.
Em 2014, a desaceleração já foi muito forte e erros, realmente, foram cometidos, tivemos o problema das desonerações, dos benefícios fiscais e a demora na correção de preços da Petrobras, por exemplo. Mas parte dos economistas fica dizendo que foram as políticas anteriores que determinaram a tragédia econômica. Mas não, foram as ideias deles e o fato de a Dilma [Rousseff] ter colocado 1 homem deles, o Joaquim Levy, que não olhou a situação com cuidado para impedir que a economia mergulhasse na recessão. É como uma luta de boxe: digamos que no primeiro round o pugilista estava 1 pouco “grogue” e foi para o corner. O treinador, ao invés de abaná-lo, dar 1 pouco de água, deu 1 murro na cabeça dele.
O senhor comentou sobre a política de desoneração. Acha que ela tem que ser revista?
Eu acho que não deveria nem ter sido implementada. Mas depois que deu, pra tirar é complicado. É preciso diálogo, negociação.
O senhor continuará participando da construção do programa mesmo se o partido lançar outro candidato?
Eu não pertenço a nenhum partido, sou uma pessoa que tem acompanhado o Lula há muito tempo. Não sei como eles vão resolver a questão da candidatura. Eu gostaria que fosse o Lula. Acho que ele é o homem que pode levar adiante 1 programa de reconciliação nacional a despeito das hostilidade contra ele. Seria capaz de ter 1 programa econômico mais consistente com a recuperação do crescimento e mais amplo do ponto vista internacional, já que ele é uma pessoa muito respeitada lá fora. Ao contrário do Temer.
Fonte: Poder 360